O mais inusitado Oscar será realizado na noite deste domingo (25). Além de ter sofrido um adiamento (o quarto na história) por causa do coronavírus, a cerimônia terá quatro palcos: em Los Angeles, a Union Station receberá os concorrentes, e o Dolby Theatre será palco das apresentações musicais. Para os indicados que não puderam viajar devido às restrições da pandemia, a festa da Academia de Hollywood terá uma sede em Londres e outra em Paris.
Também ao contrário do habitual, não haverá um apresentador, mas vários, incluindo Harrison Ford, Brad Pitt, Halle Berry, Joaquin Phoenix, Renee Zellweger e o sul-coreano Bong Joon-ho, diretor de Parasita, vencedor de 2020. Os participantes da festa não precisarão usar máscara durante a transmissão, apenas nos intervalos comerciais.
Há outras marcas na 93ª edição: duas mulheres disputam o prêmio de direção (leia abaixo), e Riz Ahmed é o primeiro muçulmano indicado a melhor ator. E, em tempos de cinemas fechados e #fiqueemcasa, a Netflix bateu seu recorde na liderança entre os produtores, com 35 indicações.
Mas será que, de forma inédita, uma plataforma de streaming conquistará o Oscar de melhor filme? Saiba quais são as tendências para a premiação e para quem estou torcendo.
Melhor filme
A lógica inclina para Nomadland, graças à coleção de prêmios já conquistados: o Leão de Ouro no Festival de Veneza, o Gotham (para produções com orçamento de até US$ 35 milhões), o Globo de Ouro na categoria drama, o Critics' Choice, o troféu da Associação dos Produtores, o Bafta (da Academia Britânica) e o Independent Spirit Awards (do cinema independente norte-americano). O tema do filme, absolutamente contemporâneo e bastante caro aos norte-americanos, ajuda: o impacto da recessão na vida das pessoas comuns (há ecos de Você Não Estava Aqui, do inglês Ken Loach). A diretora e roteirista Chloé Zhao acompanha o cotidiano de uma mulher que, após o colapso econômico de uma cidade industrial nos EUA, precisa morar dentro de uma van.
Mas não se pode desprezar as chances dos outros sete rivais. Mank, além de ser o campeão de indicações (10 no total), tem como trunfo abordar os bastidores nem sempre luminosos da própria Hollywood, ao retratar o roteirista contratado para escrever o clássico Cidadão Kane (1941). Os 7 de Chicago revisita o passado para fazer um alerta político para o presente e o futuro. Bela Vingança e Judas e o Messias Negro são sobre assuntos muito quentes – respectivamente, a cultura do estupro e a violência do racismo. Meu Pai e O Som do Silêncio são dramas comoventes e criativos sobre um tipo de personagem adorado pelo Oscar: aquele que se vê desafiado pelo próprio corpo ou por sua própria mente. E Minari é uma fábula agridoce sobre o sonho americano, mas narrada quase toda em coreano – embora o tom seja completamente diferente, pode surfar na onda de Parasita, a primeira produção não falada em inglês a vencer o Oscar de melhor filme.
Eu não saberia escolher, mas meu coração inclina-se para Bela Vingança, por ser, ao mesmo tempo, sarcasticamente fantasioso e cruelmente realista.
Melhor direção
A tendência é de que a chinesa radicada nos EUA Chloé Zhao (Nomadland) fique com a estatueta. Primeiro porque, repetindo a trajetória vencedora de seu filme, ganhou o Globo de Ouro, o Bafta, o prêmio da Associação dos Diretores dos Estados Unidos e o Independent Spirit Awards. Segundo porque, com duas mulheres na disputa – a outra é Emerald Fennell (Bela Vingança) –, seria um constrangimento enorme para a Academia de Hollywood dar o Oscar para um homem pela 92ª em 93 edições (só Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror, em 2010, quebrou essa sina). E terceiro porque, ora, em Nomadland, Chloé equilibra bem uma narrativa ficcional com um documento social, o drama da protagonista com o quadro geral dos nômades da vida real, as atuações profissionais com as do elenco amador.
Melhor atriz
As premiações prévias tornaram esta categoria um tanto imprevisível. Andra Day (Estados Unidos vs Billie Holiday) ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz em drama. Carey Mulligan (Bela Vingança) faturou o Critics' Choice e o Independent Spirit Awards. Viola Davis (A Voz Suprema do Blues) foi a eleita pelo Sindicato dos Atores. Vanessa Kirby (Pieces of a Woman) recebeu a Copa Volpi no Festival de Veneza. E Frances McDormand (Nomadland) levou o Bafta. Para não ficar em cima do muro, acho que ganha Viola Davis, queria que fosse Carey Mulligan. Ambas merecem. Ambas lutam – a primeira contra o racismo, a segunda contra o machismo. Viola diz muito só com o olhar – ora desejo, ora raiva, ora arrogância, ora cansaço, ora ironia –, mas também nos brinda com seu vozeirão, inclusive cantando. Carey encarna com gana o lado justiceira de sua personagem, mas também é forte quando ela precisa ser vulnerável.
Melhor ator
Globo de Ouro, Critics' Choice, troféu do Sindicato dos Atores dos EUA... Apesar de Anthony Hopkins (Meu Pai) ter levado o Bafta e de Riz Ahmed (O Som do Silêncio) ter conquistado o Independent Spirit Awards, os indícios são de que Chadwick Boseman (A Voz Suprema do Blues) se tornará o segundo vencedor póstumo da categoria. Morto no final de agosto, aos 43 anos, vítima de câncer colorretal, o norte-americano profere um monólogo digno de Oscar – é quando o trompetista Levee explica a sua estratégia no combate ao racismo. Mas, por mais que uma homenagem a Boseman seja louvável, sua atuação não tem o mesmo peso da de Hopkins como o octogenário traído pela perda da memória ou da de Ahmed como o baterista de rock traído pela perda da audição.
Atriz coadjuvante
Nunca oscarizada, Glenn Close (Era uma Vez um Sonho) deu azar de concorrer por um filme ruim. Amanda Seyfried (Mank) já está feliz com sua primeira indicação, assim como Maria Bakalova (Borat: Fita de Cinema Seguinte) já ganhou holofote suficiente. E Olivia Colman (Meu Pai), melhor atriz por A Favorita (2018), ainda vai aparecer mais vezes na festa da Academia. Quem deve e quem deveria ganhar é mesmo Yuh-Jung Youn, a avó de Minari, já premiada pelo Sindicato dos Atores, no Bafta e no Independent Spirit Awards. Segundo o crítico Richard Brody, da revista The New Yorker, ela conta com uma combinação irresistível: tem a experiência de uma veterana mas o frescor de uma descoberta (muitos votantes do Oscar desconheciam a atriz sul-coreana de 73 anos).
Ator coadjuvante
Na pele do carismático e ousado líder dos Panteras Negras Fred Hampton, Daniel Kaluuya (Judas e o Messias Negro) goza de amplo favoritismo. Já venceu o Globo de Ouro, o prêmio do Sindicato dos Atores e o Bafta. Eu votaria nele também, mas faria questão de cumprimentar Paul Raci (O Som do Silêncio), ganhador do Independent Spirit Awards.
Roteiro original
Bela Vingança, que já valeu a Emerald Fennell o prêmio do Sindicato dos Roteiristas, o Bafta e o Independent Spirit Awards, é o meu preferido, por sua mistura de cores e sombras, de coisas escancaradas e plot twists na história da jovem promissora traumatizada por um episódio dos tempos de faculdade que decide punir os homens abusadores. O principal rival, na minha opinião, é Os 7 de Chicago, no qual Aaron Sorkin orquestra uma polifonia para tratar de temas como o papel do Estado e o papel do cidadão, patriotismo e liberdade de expressão, a lei e a Justiça, a ética pessoal e os interesses coletivos.
Roteiro adaptado
É outra briga bonita. Escrito por várias mãos, Borat: Fita de Cinema Seguinte ganhou a premiação do Sindicato dos Roteiristas dos EUA, na qual também concorriam os indicados O Tigre Branco e Uma Noite em Miami. Mas a comédia não enfrentou Meu Pai, de Florian Zeller e Christopher Hampton, que, no Bafta, derrotou até o script de Chloé Zhao em Nomadland. Meu voto seria para Meu Pai, por ter conseguido transformar uma peça de teatro em uma experiência que só o cinema é capaz de proporcionar.
Fotografia
Quatro dos cinco indicados (só faltou Judas e o Messias Negro) estavam na disputa do troféu da Associação de Diretores de Fotografia dos EUA, recebido por Erik Messerchmidt, de Mank. Aposto na repetição do triunfo do fantasmagórico preto e branco que ele usou, muito adequado a uma história em que pairam os fantasmas das fake news, da promiscuidade entre a elite econômica e os políticos e do próprio Orson Welles, o diretor de Cidadão Kane.
Edição
Premiado pela Associação dos Editores dos EUA, Alan Baumgarten teve um trabalho ao mesmo tempo hercúleo e delicado para escolher as melhores cenas, saber onde cortar e ditar o ritmo – ora acelerado, ora cadenciado – da sucessão de diálogos, monólogos e flashbacks de Os 7 de Chicago. Gosto muito também do que fizeram o dinamarquês Mikkel E.G. Nielsen em O Som do Silêncio e o grego Yorgos Lamprinos em Meu Pai: ambos contribuem para que o espectador sinta a desorientação vivida pelo protagonista.
Design de produção
A cenografia é fundamental para o envolvimento do público. Entre os cinco indicados, dois largam em vantagem por terem sido premiados pela Associação dos Diretores de Arte dos EUA: Mank (filme de época) e Tenet (filme de fantasia). A recriação do Velho Oeste em Relatos do Mundo impressiona, e A Voz Suprema do Blues consegue nos deixar à mercê do calor e da opressão experienciados pelos personagens. O trabalho em Meu Pai é mais sutil – as pequenas mudanças na decoração –, mas igualmente eficaz na proposta de simular a degeneração da memória. Por ser mais inesperado, escolheria Meu Pai.
Figurino
A Voz Suprema do Blues ganhou o troféu para filmes de época da Associação dos Figurinistas dos EUA, e Mulan, o de fantasia/ficção científica – Bela Vingança, laureado entre as obras contemporâneas, não está indicado. Aposto em A Voz Suprema do Blues, inclusive como reconhecimento à longevidade de Ann Roth, que completará 90 anos em outubro.
Maquiagem e cabelos
A Voz Suprema do Blues tem a seu favor os prêmios de melhor maquiagem de época e melhor penteado de época concedidos pela associação norte-americana dos profissionais da área. Arlequina: Aves de Rapina, que também recebeu dois troféus, está fora da disputa.
Efeitos visuais
O que vale mais nesta categoria: uma única cena espetacular ou a consistência ao longo do filme? Se for a primeira opção, eu votaria em O Céu da Meia-Noite, por conta daquele estonteante passeio no espaço que culmina com uma tragédia. Se for a segunda, creio que ganha Tenet, premiado no Bafta.
Som
Não sei se, tecnicamente, é o melhor, mas o Oscar da categoria tem de ir para o filme em que o som é um personagem à parte. O Som do Silêncio ora suprime vozes, ora simula a estática, ora assume a perspectiva do personagem, ora aponta ao que ele está alheio.
Trilha sonora
Composta pela dupla Atticus Ross e Trent Reznor com o pianista e cantor Jon Batiste, a música do desenho animado Soul já levou o Globo de Ouro e o Bafta. Ross e Reznor também concorrem pela trilha de Mank, na qual utilizaram apenas instrumentos da época retratada no filme, os anos 1930 e 1940. Fico entre esses dois.
Canção original
Esta é uma categoria esquisita, porque geralmente as canções indicadas não estão integradas à história do filme – tocam apenas nos créditos finais. Dito isso, por mais bonitas que sejam Speak Now (cantada por Leslie Odom Jr. em Uma Noite em Miami) e Io Si (por Laura Pausini em Rosa e Momo), eu votaria em Húsavík, a balada que a dupla Rachel Adams e Will Ferrell apresenta na comédia Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars.
Longa de animação
Barbada de prever: mais um Oscar para a Pixar, agora com Soul, que traz na bagagem o Globo de Ouro, o Annie (a premiação exclusiva das animações), o Bafta, o Critic's Choice e o troféu da Associação dos Produtores dos EUA para a categoria. Se der zebra, ela terá pele de lobo: Wolfwalkers.
Documentário
Sem dúvida, uma das categorias mais recompensadoras para quem assistiu a todos os indicados. O Oscar costuma alternar-se entre filmes investigativos ou políticos e dramas pessoais ou cotidianos. Time conjuga as duas coisas ao contar a história de uma empresária negra que luta para tirar da prisão seu marido e pai de seus quatro filhos. Mas a tendência é de que Professor Polvo emplaque mais uma vitória, depois do prêmio da Associação dos Produtores e do Bafta.
Filme internacional
Antes de assistir a Quo Vadis, Aida?, da bósnia Jasmila Zbanic, eu diria que Druk: Mais uma Rodada era franco favorito, graças aos triunfos no European Film Awards (melhor filme, diretor, ator e roteiro), no Bafta e no César (da França), à presença do dinamarquês Thomas Vinterberg entre os diretores indicados e a seu antológico final, síntese do paradoxo emocional da trama – é vibrante e triste, é uma comemoração e uma recusa, um embate entre o prazer e o desespero. Mas Quo Vadis, Aida?, ganhador do Independent Spirit Awards, é uma obra mais poderosa, com uma mensagem essencial nestes tempos de pós-verdade – a de que nunca podemos fechar os os olhos para o passado – e que merece a visibilidade oferecida por uma estatueta dourada.
Curtas-metragens
Onde ver os indicados*
Melhor filme: Bela Vingança (estreia em 13/5 nos cinemas), Judas e o Messias Negro (foi lançado nos cinemas e não tem previsão de estreia no streaming), Mank (Netflix), Meu Pai (Apple TV, Now e Google Play), Minari (estreia em 22/4 nos cinemas), Nomadland (estreia em 29/4), O Som do Silêncio (Amazon Prime Video) e Os 7 de Chicago (Netflix)
Melhor direção: Chloé Zhao (Nomadland), David Fincher (Mank), Emerald Fennell (Bela Vingança), Lee Isaac Chung (Minari) e Thomas Vinterberg (Druk: Mais uma Rodada, em cartaz em Apple TV, Now, Google Play e YouTube)
Melhor atriz: Andra Day (Estados Unidos Vs Billie Holiday, em cartaz no Amazon Prime Video), Carey Mulligan (Bela Vingança), Frances McDormand (Nomadland), Vanessa Kirby (Pieces of a Woman, em cartaz na Netflix) e Viola Davis (A Voz Suprema do Blues, em cartaz na Netflix)
Melhor ator: Anthony Hopkins (Meu Pai), Chadwick Boseman (A Voz Suprema do Blues), Gary Oldman (Mank), Riz Ahmed (O Som do Silêncio) e Steven Yeun (Minari)
Atriz coadjuvante: Amanda Seyfried (Mank), Glenn Close (Era uma Vez um Sonho, em cartaz na Netflix), Maria Bakalova (Borat: Fita de Cinema Seguinte, em cartaz no Amazon Prime Video), Olivia Colman (Meu Pai) e Yuh-Jung Youn (Minari)
Ator coadjuvante: Daniel Kaluuya (Judas e o Messias Negro), Lakeith Stanfield (Judas e o Messias Negro), Leslie Odom Jr. (Uma Noite em Miami, em cartaz no Amazon Prime Video), Paul Raci (O Som do Silêncio) e Sacha Baron Cohen (Os 7 de Chicago)
Roteiro original: Bela Vingança, Judas e o Messias Negro, Minari, Os 7 de Chicago e O Som do Silêncio
Roteiro adaptado: Borat: Fita de Cinema Seguinte, Meu Pai, Nomadland, Uma Noite em Miami e O Tigre Branco (Netflix)
Fotografia: Judas e o Messias Negro, Mank, Nomadland, Relatos do Mundo (Netflix) e Os 7 de Chicago
Edição: Bela Vingança, Meu Pai, Nomadland, Os 7 de Chicago e O Som do Silêncio
Design de produção: Mank, Meu Pai, Relatos do Mundo, Tenet (Apple TV, Now, Google Play e YouTube) e A Voz Suprema do Blues
Figurino: Emma. (Telecine, Apple TV, Now, Google Play e YouTube), Mank, Mulan (Disney+), Pinóquio (Apple TV) e A Voz Suprema do Blues
Maquiagem e cabelos: Emma., Era uma Vez um Sonho, Mank, Pinóquio e A Voz Suprema do Blues
Efeitos visuais: O Céu da Meia-Noite (Netflix), O Grande Ivan (Disney+), Amor e Monstros (Netflix), Mulan e Tenet
Som: Greyhound: Na Mira do Inimigo (Apple TV), Mank, Relatos do Mundo, O Som do Silêncio e Soul (Disney+)
Trilha sonora: Destacamento Blood (Netflix), Mank, Minari, Relatos do Mundo e Soul
Canção original: Fight for You (Judas e o Messias Negro), Hear My Voice (Os 7 de Chicago), Húsavík (Festival Eurovision da Canção, na Netflix), Io Si (Seen) (Rosa e Momo, na Netflix) e Speak Now (Uma Noite em Miami)
Longa de animação: A Caminho da Lua (Netflix), Dois Irmãos (Disney+), Shaun, o Carneiro: A Fazenda Contra-Ataca (Netflix), Soul e Wolfwalkers (Apple TV)
Documentário: Agente Duplo (Globoplay), Collective (sem previsão de estreia), Crip Camp: Revolução pela Inclusão (Netflix), Professor Polvo (Netflix) e Time (Amazon Prime Video)
Filme internacional: Druk: Mais uma Rodada (Dinamarca), Better Days (Hong Kong, sem previsão de estreia), Collective (Romênia), O Homem que Vendeu sua Pele (Tunísia, sem previsão de estreia) e Quo Vadis, Aida? (Bósnia-Herzegovina, Apple TV, Now, Vivo Play, Google Play e YouTube)
*As plataformas de streaming foram informadas apenas na primeira vez em que os filmes são citados