Quando vejo a reformada estação de trem de Canela, tento imaginar como eram as viagens entre Porto Alegre e a Serra. O apito da maria-fumaça. Crianças e adultos nas janelas observando o verde da paisagem. A agitação pela chegada ou partida de passageiros nas estações.
No antigo terminal, o complexo comercial e gastronômico Estação Campos de Canella foi inaugurado em 2019. O público se encanta com a centenária locomotiva Le Meuse e seus vagões, transformados em loja e restaurante.
O ramal ferroviário de Taquara a Canela foi desativado em 11 de março de 1963. A Viação Férrea do Rio Grande do Sul pertencia à Rede Ferroviária Federal S.A., que apresentou como justificativa o déficit da operação e a existência de estrada pavimentada ligando os municípios. O trem não apitou mais em Canela, que teve o seu desenvolvimento diretamente vinculado à estação.
A construção da ferrovia de Taquara a Canela foi um empreendimento da firma João Corrêa & Filhos. O empresário João Corrêa Ferreira da Silva comprou terras na Serra para abrir uma estação de veraneio.
Em 1922, a estação de trem de Canela foi inaugurada, mas ainda sem os trilhos prontos até Gramado. A Revolução de 1923 atrasou a construção da ferrovia, que só foi concluída após mobilização de madeireiros para arrecadação de verbas. A madeira seria a principal mercadoria transportada.
O trem chegou a Canela em primeiro de agosto de 1924. Em 14 de agosto, a Viação Férrea do Rio Grande do Sul fez nova inauguração da última estação do ramal de 57 quilômetros. Pela nova tabela horária publicada no jornal A Federação, um trem partia diariamente às 7h30 em Canela. O retorno ocorria às 13h20, partindo de Taquara, cidade que já era ligada a Porto Alegre por ferrovia.
A estação mudou o rumo de Campestre Canella, nome antigo da localidade, que fazia parte do quinto distrito de Taquara, cuja sede ficava em Gramado. O memorialista canelense Marcelo Wasem Veeck conta que poucas casas existiam no entorno. Apenas um hotel ficava próximo.
Após dois anos da chegada do trem, Canela virou o sexto distrito, com sede administrativa própria. Em 1928, recebeu o primeiro cinema. O desenvolvimento foi rápido, impulsionado pelo comércio de madeira e pelos veranistas, que buscavam ar puro e fugiam do calor no Vale do Sinos e em Porto Alegre.
O trem também mudou o futuro do Caracol, que era o centro social e econômico do atual município de Canela. O pesquisador Pedro Oliveira lembra que a região da cascata já tinha três hotéis. Em 1917, a extração de pinheiros movimentava 13 serrarias entre o Caracol e o Banhado Grande. A estação ferroviária deslocou o ponto de desenvolvimento da região para onde fica hoje o centro de Canela.
Tempo de viagem
Quanto tempo duravam as viagens nos 145 quilômetros de Porto Alegre a Canela? Elas eram mais rápidas que nos tempos das mulas e cavalos, mas mais demoradas na comparação com o deslocamento dos automóveis hoje.
Em uma tabela horária da década de 1950, consta que um trem diário partia de Porto Alegre às 12h30, com previsão de chegada à cidade da Serra às 19h13, em uma duração de 6h43. Em Canela, a partida ocorria às 5h05, chegando na capital às 11h35, depois de 6h30 de viagem.
Na Várzea Grande, em Gramado, eram perdidos em torno de 40 minutos no "rabicho". Em função do terreno íngreme, a maria-fumaça precisava fazer uma manobra e subir um trecho de ré para empurrar os vagões.
A Viação Férrea oferecia outros horários de Porto Alegre a Taquara, possibilitando conexão posterior até a Serra. O pesquisador Pedro Oliveira conta que a estação de Canela era ponto de encontro, concentrando pessoas, cavalos e charretes a cada chegada ou partida.
Origem do nome Canela
O documento mais antigo com referência ao Campestre Canella é de 1821, quando foi concedida terra a Joaquim da Silva Esteves. O memorialista Marcelo Wasem Veeck explica que o nome foi dado pelos tropeiros. Eles usaram uma árvore caneleira como ponto de referência nas paradas na localidade.
Com o desenvolvimento proporcionado pelo trem, Canela virou município em 1944.