A estreia de Viúva Negra nos cinemas (desde quinta-feira, dia 8) e no Disney+ (nesta sexta-feira) abre a temporada cinematográfica de um Gre-Nal que não tem hora para acabar: o da Marvel contra a DC, que em agosto vai contra-atacar com O Esquadrão Suicida.
Esse duelo começou bem antes de Scarlett Johansson começar a vestir o uniforme da superespiã, em Homem de Ferro 2 (2010), e de Margot Robbie encarnar pela primeira vez a pirada Arlequina, em Esquadrão Suicida (2016). Bem antes de o Disney+ virar a casa da Marvel no streaming, e o HBO Max, o lar da DC. Os filmes de super-herói apenas levaram para uma esfera bilionária a histórica rivalidade entre as duas editoras de quadrinhos estadunidenses.
Com a notável exceção do Batman, a DC bebeu forte da mitologia grega para criar seus ícones nos anos 1930 e 40: Superman remete a Hércules; Flash, a Hermes, veloz mensageiro do Olimpo; Aquaman, a Poseidon, o deus do mar; a Mulher-Maravilha é, ela própria, uma semideusa. Daí que, em suas origens e em seu caráter, exista algo de divino, em contraste à abordagem mais realista e humana que a Marvel propôs na década de 1960 — havia explicação científica para os superpoderes (uma aranha radioativa, uma experiência com raios gama) e, por baixo da máscara do Homem-Aranha e da forma do Hulk, dramas comuns aos leitores. Em vez das fictícias Gotham e Metrópolis, o cenário era Nova York mesmo. E, na efervescência sessentista, a editora foi pioneira em abordar pacifismo e ecologia (no Surfista Prateado), preconceito e intolerância (nos X-Men).
Não quer dizer que a Marvel fosse 100% original. Sucessivamente, copiou personagens da rival. A Gata Negra, misto de vilã e par romântico do Aranha, é decalque da Mulher-Gato do Batman. O Gavião Arqueiro é pós-Arqueiro Verde. O vilão Thanos tem os mesmos objetivos e até um semblante semelhante ao de Darkseid.
Mais velha, a DC também chegou antes aos longas-metragens, com quatro títulos do Superman e quatro do Batman entre 1978 e 1997. As duas franquias acabaram vergonhosamente, por excesso de zombaria e por falta de efeitos especiais. X-Men (2000) e Homem-Aranha (2002) abririam uma nova era, com fidelidade aos gibis, nas tramas e na ação.
Falando nisso, a mão se inverteu: os filmes não precisam mais ser fiéis às histórias em quadrinhos: eles ditam rumos para elas. Isso inclui aproximar a cara dos gibis àquilo que é mostrado nas telas, desenvolver HQs que desemboquem ou complementem os filmes e algumas medidas mais drásticas: anos atrás, por não ser dona dos direitos cinematográficos do Quarteto Fantástico e dos X-Men — ou seja, para não promover produções de uma então concorrente, a Fox —, a Marvel cancelou a revista do primeiro grupo, proibiu a criação de novos personagens mutantes e matou Wolverine.
Mas ressuscitar é como trocar de camisa no mundo dos super-heróis. E agora que a Disney, dona da Marvel, também comprou a Fox, Wolverine e os demais pupilos do Professor Xavier estão prestes a serem inseridos no bem-sucedido universo cinematográfico Marvel. Desde Homem de Ferro (2008), já são 24 longas e três seriados (WandaVision, Falcão e o Soldado Invernal e Loki). Nove filmes ultrapassaram a marca do US$ 1 bilhão nas bilheterias — incluindo Pantera Negra (2018), o primeiro título de super-herói indicado à principal categoria do Oscar — e três estão entre as 10 maiores arrecadações de todos os tempos: Vingadores: Ultimato (2019), segundo colocado, com US$ 2,79 bilhões, Vingadores: Guerra Infinita (2018), quinto, com US$ 2 bilhões, e Os Vingadores (2012), oitavo, com US$ 1,5 bilhão.
A DC, que faz parte do estúdio Warner, navega em mares mais turbulentos, tanto do ponto de vista comercial quanto artístico. Apenas Aquaman (2018) e Coringa (2019) passaram do US$ 1 bilhão. Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) e Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) também conseguiram, mas esses filmes não são considerados como integrantes do chamado universo estendido da DC, iniciado por O Homem de Aço (2013) — o que nos leva à questão criativa. Seu diretor, Zack Snyder, resolveu imprimir uma visão amarga e supostamente adulta, com uma paleta de cores escura e um pendor para a violência (alongados para quatro horas em sua recente versão de Liga da Justiça). Em maior ou menor grau, essas características se espalharam para outras adaptações cinematográficas, dando a entender que havia uma convicção, na DC, de apostar em um contraste contra o tom mais solar e não raro galhofeiro do universo cinematográfico Marvel. Depois, a DC mostrou diversificação — vide o visual kitsch de Aquaman e o clima de Sessão da Tarde de Shazam! (2019).
Porém, há uma arena audiovisual em que a DC (como editora) joga de igual para igual com a Marvel, talvez levando vantagem em termos de relevância: a das premiações. Se a Marvel (como editora, vale repetir) pode festejar os Oscar de animação conquistados por Operação Big Hero (2014) e Homem-Aranha no Aranhaverso (2018) e as estatuetas de design de produção, figurino e música de Pantera Negra, a DC tem a seu favor troféus mais pesados: o de melhor ator para Joaquin Phoenix por Coringa (que também venceu em trilha sonora) e o de coadjuvante para Heath Ledger pelo mesmo papel em O Cavaleiro das Trevas. No Emmy, a principal premiação da TV nos Estados Unidos, também há predomínio da DC. A Marvel tem, por exemplo, as vitórias de Mariette Hartley na categoria de atriz por O Incrível Hulk (1977-1992) e do compositor Sean Callery por Jessica Jones (2015-2019). Mas Batman: A Série Animada (1992-1995) triunfou como melhor produção do gênero, e Watchmen arrebatou um total de 11 prêmios, incluindo melhor minissérie, atriz (Regina King), ator coadjuvante (Yahya Abdul-Mateen II) e roteiro.
Até nos micos a DC (como editora, insisto) "ganha". O Justiceiro, da Marvel, protagonizou três filmes, com três atores diferentes (Dolph Lundgren, em 1989, Thomas Jane, em 2004, e Ray Stevenson, em 2008). Nenhum acertou o alvo junto ao público ou à crítica. O Motoqueiro Fantasma teve dois longas (2007 e 2011), mas, com Nicolas Cage no guidão, não tinha mesmo como ir para frente. Elektra (2005) foi um choque de ruindade. Na DC, Mulher-Gato (2004) rendeu a Halle Berry o prêmio Framboesa de Ouro de pior atriz e deu prejuízo financeiro: custou US$ 100 milhões e arrecadou US$ 82 milhões. Em Lanterna Verde (2011), achou-se que bastava escalar um ator cômico (Ryan Reynolds) para fazer um filme engraçado. Mas não basta ser cômico — tem que ser engraçado. Menos mal para Reynolds que depois ele pôde tirar sarro do próprio papel nos filmes do Deadpool produzidos pela Fox que somaram mais de US$ 1,5 bilhão nas bilheterias.
Os próximos rounds
Depois de Viúva Negra, o próximo filme de super-herói a estrear será O Esquadrão Suicida, baseado em quadrinhos da DC e previsto para 5 de agosto.
Foi escrito e dirigido por James Gunn, demitido da Marvel — onde assinara Guardiões da Galáxia (2014) e Guardiões da Galáxia Vol. 2 (2017) — após comentários preconceituosos terem sido resgatados no Twitter. Trata-se de uma espécie de recomeço e de sequência do famigerado (mas bom de bilheteria) Esquadrão Suicida (2016). Personagens do longa anterior, como Arlequina (Margot Robbie), Rick Flag (Joel Kinamman) e Amanda Waller (Viola Davis), se juntam a novos, como o Pacificador (John Cena), Bloodsport (Idris Elba) e Tubarão-Rei (dublado por Sylvester Stallone).
A partir de setembro, as estreias são todas estreladas por heróis e anti-heróis da Marvel. Teremos Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (2/9), Venom: Tempo de Carnificina (16/9) — que é de outro estúdio, o Sony Pictures —, Eternos (4/11) e Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (16/12).
Mais adiante, deveremos assistir a uma alternância entre os dois universos: Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (Marvel, março de 2022), The Batman (DC, março de 2022), Thor: Love and Thunder (Marvel, maio de 2022), Adão Negro (DC, julho de 2022), Pantera Negra 2 (Marvel, setembro de 2022), The Flash (DC, novembro de 2022), Capitã Marvel 2 (Marvel, novembro de 2022), Aquaman 2 (DC, dezembro de 2022), Shazam!: Fúria dos Deuses (DC, 2023) e Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Marvel, 2023).