O prazo de 30 dias para a Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre (Smed) responder aos apontamentos da auditoria especial que verificou supostas irregularidades em compras, estocagem e distribuição de livros e materiais se encerra nesta sexta-feira (8).
Em relatório preliminar divulgado em 8 de agosto, a Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC) registrou "fragilidades nos fluxos de processos internos no âmbito da Smed, falhas no planejamento para distribuição das aquisições para as 98 unidades da rede própria e que alguns procedimentos de compra não estavam em conformidade".
Na ocasião, a prefeitura disse que "conformidade" é um termo usado pela Controladoria quando é identificado em processo administrativo a inobservância de alguma etapa legal ou ausência de documento. Agora, a SMTC irá analisar as respostas da Smed e produzir o relatório final de auditoria, com as conclusões e encaminhamentos de eventuais providências.
Como os pontos do relatório preliminar não foram divulgados, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) enumera 12 indagações que aguardam respostas da Smed em relação às compras de livros, materiais didáticos e esportivos, armazenamento precário e contratação de uma empresa que estava impossibilitada de firmar contratos com o município por ser investigada pela Polícia Federal para fazer obras nos colégios.
Sobre as compras
1 - Por que os processos de compras de livros e materiais didáticos atropelaram os trâmites legais, como os estudos preliminares, e começaram direto com orçamentos e atas de registro de preço que direcionaram às aquisições para as empresas Inca Tecnologia e Astral Científica, ambas representadas por Jailson Ferreira da Silva?
2 - Sônia da Rosa assumiu a Smed em 3 de março de 2022. Menos de uma semana depois, no dia 9, ela recebeu o empresário Jailson Ferreira da Silva para uma reunião. Entre junho e outubro de 2022, a prefeitura finalizou seis compras de livros e laboratórios de matemática e ciências junto a empresas vinculadas a Jailson, somando gastos de R$ 43,2 milhões. Todas as aquisições foram feitas por adesão à ata de de registro de preço, procedimento conhecido como carona por acelerar o gasto público e permitir que um poder aproveite licitações já feitas por outros órgãos públicos. Quais argumentos foram apresentados por Jailson na reunião a ponto de garantir rapidamente uma série de vendas por carona?
3 - Das 11 aquisições por carona feitas em 2022 pela Smed, seis tiveram relação com o empresário Jailson Ferreira da Silva. Em julho de 2021, ele se reuniu com o prefeito Sebastião Melo no Paço Municipal para apresentar seu portfólio. O empresário diz que o encontro foi marcado pelo seu "time técnico", mas a agenda oficial do prefeito previa reunião somente com os vereadores Pablo Melo (MDB) e Alexandre Bobadra (atualmente cassado), que teriam intermediado a conversa. Na CPI, Jailson disse "não ter nenhuma relação" com os parlamentares, embora fotos divulgadas nas redes sociais mostrem ele junto a Bobadra em ocasiões festivas. Qual a influência dos vereadores nos processos de aquisições?
4 - A empresa Sudu Inteligência Educacional não pertence a Jailson, mas oferta os mesmos livros da editora Inca. Jailson emitiu orçamento de uma empresa sua, a World Company, com valor superior ao cobrado pela Sudu para vender livros de educação ambiental à Smed. Com a cotação assinada por ele, ficou demonstrada no processo administrativo a vantajosidade de fazer negócio com a Sudu por adesão à ata de registro de preço. Não houve chamamento público para avisar a potenciais fornecedores sobre o interesse em comprar materiais. Se a Sudu não é de Jailson e a empresa dele, a World, acabou perdendo o negócio por cobrar valor maior, por que Jailson fez a entrega dos livros da suposta concorrente para a Smed? Na CPI, ele primeiro negou a aproximação com a Sudu e depois admitiu que fez um "favor" à editora do norte do país ao entregar a remessa.
5 - Em conversas por e-mail, servidores falam de sobra de livros. É cogitada a doação e tratada a transferência das sobras para a biblioteca da Smed. Um trecho diz: "Sobraram no depósito muitas caixas que vieram com títulos repetidos". Não houve planejamento sobre a quantidade necessária de exemplares, houve compras em número maior do que a demanda da rede municipal?
6 - A Smed comprou cerca de 500 mil livros das empresas Inca e Sudu em 2022. Os milhares de exemplares encaixotados em depósitos e em escolas indicariam que as compras foram feitas em excesso e sem planejamento . Mais de 100 mil livros de educação ambiental e sustentabilidade, por exemplo, estão até os dias de hoje empilhados no depósito da Rua La Plata. A previsão é de que eles sejam distribuídos somente em 2024. Por quê?
7 - A Inca recolheu, em agosto de 2023, mais de 73 mil livros de português e matemática que foram vendidos à Smed e continham erros. Em que momento de 2022 chegaram os exemplares que continham problemas de gramática e de tabuada? Por que eles foram recolhidos para troca somente em agosto de 2023?
Sobre o armazenamento precário
8 - Uma das reportagens do GDI revelou troca de e-mails entre servidores da Smed, inclusive do gabinete da secretária, contendo alertas sobre a situação dos materiais estocados de forma precária e em grande quantidade. Por que o problema não foi resolvido e as compras foram deixadas em quantidade excessiva nos depósitos?
9 - Os depósitos da Rua Olavo Bilac e da Avenida Voluntários da Pátria tinham péssimas condições de estrutura e de limpeza. Ambos estocavam grande quantidade de material, desde livros, minicomputadores (chromebooks) até materiais esportivos. De quem foi e como foi tomada a decisão de colocar as compras naqueles locais?
10 - Servidores da Smed abriram processo administrativo para contratar quatro caminhões-baú, na virada de 2022 para 2023, mas o procedimento foi barrado por conta de uma resolução do núcleo do governo Sebastião Melo que bloqueava novos gastos públicos. Em despachos oficiais, servidores afirmaram que os caminhões eram "fundamentais" para "desafogar os depósitos". Consta nos documentos o alerta de que, para fazer o aluguel dos veículos, a então titular da Smed, Sônia da Rosa, tinha de encaminhar ao gabinete do prefeito um "pedido de excepcionalização" para ampliação da frota. Sônia silenciou e não fez o pedido de excepcionalização. Por quê?
11 - O GDI localizou milhares de equipamentos esportivos e brinquedos no depósito sujo e úmido da Avenida Voluntários da Pátria. Havia bolas, cestas de basquete infantil e profissional, goleiras, gira-gira. Por que ficaram parados e não foram entregues às escolas?
Sobre a empresa contratada irregularmente
12 - A empresa SLP, que deveria ter executado um mutirão de consertos em escolas municipais de Porto Alegre, estava impedida de fazer negócios com o município quando o contrato de R$ 4 milhões foi assinado em abril de 2022 com a Smed. A proibição era decorrente de uma decisão do próprio executivo municipal, em função de a SLP Serviços de Limpeza e Portaria estar sob investigação da Polícia Federal. O trabalho da SLP acumulou queixas por parte das escolas por má execução dos serviços. A Smed disse que fez as devidas notificações e descontos nos pagamentos, além de não renovar o contrato. Mas a explicação sobre como a empresa foi contratada mesmo tendo a proibição em vigor ficou de ser apurada pela auditoria especial. Quem foi o responsável pela análise da contratação e por que as obras ocorreram precariamente?