A Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre adquiriu kits pedagógicos de robótica pagando preço mais elevado em comparação com municípios do interior do Rio Grande do Sul que fizeram a mesma compra, de igual produto, em quantidade inferior. A empresa fornecedora nos dois casos foi a Conceitto Comercial Equipamentos e Suprimentos de Informática, com sede em Estrela (RS).
As negociações ocorreram por inexigibilidade, modalidade que dispensa a licitação pelo entendimento de que existe somente um fornecedor de determinado produto. Além de ter acatado preço mais elevado pelos kits, mesmo tendo maior escala de compra, a Smed fechou negócio concordando com a obrigatoriedade de pagar pelos cursos de professores para o uso da ferramenta, enquanto no Interior essa formação foi oferecida sem nenhum custo adicional pela Conceitto. A Procuradoria-Geral do Município (PGM) alertou a Smed, ao emitir parecer, que cinco prefeituras menores haviam pago mais barato. No setor público, compras em maior quantidade costumam baixar o valor unitário.
“É aconselhado fazer uma comparação entre os preços praticados pelo fornecedor exclusivo junto a outras instituições públicas ou privadas. (...) Neste ponto, em pesquisa incipiente, todas as aquisições realizadas recentemente por outros municípios do Rio Grande do Sul apresentam valores menores, além de não englobarem o custo específico para a formação dos docentes - que é cobrado em Porto Alegre. (...) Além de a proposta contemplar valores, em tese, superiores aos praticados, é de se destacar que, no caso de Porto Alegre, há ganho em escala em razão do elevado número de kits que seriam adquiridos, em comparação com municípios menores, de forma a impactar na formação do preço”, alertou a PGM, em parecer de 31 de maio de 2022.
Nas últimas semanas, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelou que equipamentos adquiridos em 2022 pela Smed estão em desuso, empilhados em galpões e escolas da Capital. Parte do material foi acondicionada em ambientes precários. Somente em livros, chromebooks (minicomputadores) e kits pedagógicos que estão parcialmente encaixotados, foram gastos mais de R$ 100 milhões pelo governo do prefeito Sebastião Melo. Desde as revelações, deixaram os cargos a titular da Smed, Sônia da Rosa, e o adjunto dela, Mário de Lima.
No caso da robótica, a ex-secretária Sônia assinou o contrato no dia 6 de setembro de 2022 com a Conceitto para adquirir 942 kits Explorador Kids. O conjunto era composto por um robô de piso programável, cinco tapetes pedagógicos, um acessório, três softwares de programação, um conjunto de cartões de sinalização, um livro do professor, duas bolsas de armazenamento, uma plataforma de conteúdo e a formação dos docentes. O valor unitário do kit foi de R$ 2,4 mil, com o acréscimo de R$ 40,5 mil pelo curso para uso da ferramenta. O total da compra da Smed alcançou R$ 2,3 milhões.
O contrato assinado pela prefeitura de Cachoeira do Sul com a Conceitto, em novembro de 2021, mostra que o município comprou exatamente o mesmo kit, mas em escala inferior: foram 50 conjuntos, quase 900 a menos do que em Porto Alegre. Ainda assim, Cachoeira do Sul obteve melhor preço: R$ 2,2 mil por unidade, sem custo extra pela formação.
Na sede administrativa da Conceitto, na zona rural de Estrela, a proprietária da empresa, Verônica Almuas, defendeu a lisura da negociação com a prefeitura de Porto Alegre e afirmou que o kit de robótica é vendido “pelo mesmo preço”.
— Não importa a quantidade. É o mesmo valor para todo mundo. Não importa se tu vais comprar um kit ou mil kits — diz Verônica, em defesa da formação de preço.
Ela afirmou que houve aumento do valor unitário de R$ 2,2 mil para R$ 2,4 mil nos meses que separaram as negociações com Cachoeira do Sul e Porto Alegre. A proprietária confirmou que, à época do contrato com a cidade do Interior, em novembro de 2021, o curso de formação era oferecido sem custo adicional. Meses depois, contudo, disse que passou a ser cobrado o pagamento extra, caso da Capital, em função de custos operacionais.
Exclusividade de fornecimento
A venda do kit de robótica pela Conceitto à Smed, e também aos demais municípios gaúchos, ocorreu por inexigibilidade de licitação. Isso pode acontecer quando somente um fornecedor detém a exclusividade de determinada solução. A Conceitto não é fabricante do robô do kit, batizado de blue bot. Ele é construído pela TTS Internacional, empresa de origem britânica. O blue bot não é vendido sozinho aos municípios. Além dele, a Conceitto usa a marca “Escola Maker”, que é de sua propriedade e não tem CNPJ próprio, para adicionar os itens que formam o conjunto Explorador Kids: os tapetes pedagógicos, os cartões, o livro do professor, as bolsas de armazenamento e o curso de formação.
Para justificar a inexigibilidade, foi apresentado à prefeitura de Porto Alegre uma declaração da empresa Global Solu South America, de Belo Horizonte, dizendo que a Conceitto é representante exclusiva do blue bot. Também havia a necessidade de argumentar a exclusividade da Conceitto sobre o kit, incluindo o curso, os tapetes e o livro. Para isso, foi juntado ao processo administrativo da Smed uma declaração da Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação Regional RS (Assespro) em que foi registrada a exclusividade da Conceitto no fornecimento do Explorador Kids. A entidade registrou que emitiu o documento “com fundamento nas informações fornecidas pela empresa (Conceitto)”.
A Smed deu início ao processo administrativo de compra já mencionando, desde a minuta do projeto básico, a Escola Maker (Conceitto), cuja sede educacional fica em Gravataí, como fornecedora do kit Explorador Kids por inexigibilidade.
— Temos o certificado da Global para o blue bot e o da Assespro. São dois documentos diferentes. As escolas estão usando (os kits), é incrível para trabalhar com os alunos — diz Verônica, proprietária da Conceitto desde dezembro de 2019.
O que é o blue bot
É um robô cujo formato lembra um mouse de computador, de dimensão levemente maior. Ele tem o casco incolor, o que permite a visualização dos componentes eletrônicos. É uma ferramenta destinada à Educação Infantil e às séries iniciais do Ensino Fundamental. Na parte de cima, ele tem seis botões de comando, sendo os principais andar para frente, para trás e para os lados. O aparelho tem a função de gravar e reproduzir sons.
Colocado sobre os tapetes, o blue bot pode percorrer trajetos em mapas infantis, por exemplo. É considerado uma ferramenta para o desenvolvimento da lógica e do pensamento computacional desde cedo.
Contaponto
O que diz a Smed
As informações acerca dos contratos estão sendo apuradas pela Auditoria Especial da Educação, realizada pela Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC). A inspeção foi determinada pelo prefeito Sebastião Melo no dia 7 de junho e tem duração de 60 dias.