Um dia após o anúncio da saída de Sônia da Rosa da titularidade da Secretaria Municipal de Educação (Smed), o prefeito Sebastião Melo afirmou, em entrevista ao Gaúcha Atualidade, nesta segunda-feira (19), que mais alterações serão feitas no comando da pasta. O único setor a ser preservado será o de pedagogia, avisou Melo, por entender que o desempenho é positivo.
— A Sônia pediu para sair, eu aceitei e compreendi. E vou mudar hoje todo o andar de baixo. Eu entendo que esses problemas estão no andar de baixo. Na medida em que a secretária pediu para sair e eu identifico problemas, manter o andar de baixo não está correto — afirmou (ouça a entrevista abaixo).
Fora do ar, depois do encerramento da entrevista, Melo confirmou que as trocas irão alcançar diretores e também o secretário-adjunto, Mário de Lima. Enquanto não define um substituto para Sônia, ele disse que caberá ao vice-prefeito, Ricardo Gomes, a condução da Smed. Para o futuro titular, Melo afirmou que buscará perfil de "diálogo, construção e que faça mudança profunda na educação".
As reações do prefeito ocorrem na esteira de uma série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) que revelam, desde 6 de junho, a existência de milhares de livros, chromebooks (mini-computadores), aparelhos eletrônicos e materiais esportivos em desuso, parte deles acondicionado em depósitos úmidos e sujos. Diretores de escola e professores avaliam que as compras da Smed foram feitas sem planejamento ou consulta prévia, causando desperdício de recursos públicos.
No terceiro dia da série de reportagens, em 8 de junho, Melo esteve no Gaúcha Atualidade e prometeu voltar 10 dias depois com um relatório prévio da situação da educação, o que ele fez nesta segunda. O prefeito também anunciou três medidas para enfrentar os problemas de forma urgente.
Uma delas é a liberação de R$ 8 milhões para investir na infraestrutura das instituições de ensino. As reportagens do GDI mostraram que centenas de chromebooks, além de aparelhos de ar-condicionado, estão empilhados em escolas, sem uso, porque as redes elétricas não suportam a potência dos equipamentos. Do montante anunciado, cerca de R$ 2 milhões serão aplicados por empresas a título de contrapartida pelo impacto causado por empreendimentos privados.
— Desses R$ 2 milhões, em torno de R$ 400 mil a R$ 500 mil será focado em caixa d'água, que também é emergencial. O restante é só em elétrica, para dar conta dos computadores e das telas interativas. É uma resposta rápida — disse Melo.
Os outros R$ 6 milhões, afirmou o prefeito, são de recursos públicos. Editais emergenciais serão lançados para contratar os serviços necessários.
Melo informou ainda que irá criar a Diretoria de Logística na Smed, na tentativa de melhorar a distribuição de equipamentos, e anunciou o fechamento de dois dos três depósitos em que ficavam estocados materiais em desuso.
Um deles é o da Rua Olavo Bilac, de propriedade pública. Neste local, a reportagem localizou cerca de 30 mil livros, 850 chromebooks, computadores e uma incontável quantidade de cadernos guardados sob excrementos de pombos. Uma licitação será lançada para contratar a reforma deste depósito, que voltará a ser usado após a recuperação.
O outro imóvel, na Avenida Voluntário da Pátria, pelo qual a Smed paga aluguel de R$ 20 mil, será esvaziado e devolvido ao proprietário. Neste prédio, estavam acondicionados milhares de brinquedos educativos, camas infantis, tabelas de basquete, mesas de pingue-pongue e mais de uma centena de racks, que são estações de carregamento dos chromebooks. Até ratos mortos foram encontrados ao lado de caixas de produtos que deveriam estar nas escolas.
Dos depósitos até então usados pela Smed, restará em atividade o da Rua La Plata, no bairro Jardim Botânico, cujo aluguel é de R$ 50 mil. É um imóvel reformado, que abrigava cerca de 100 mil livros sem uso, 3 mil chromebooks e 2,2 mil computadores.
As compras da Smed em discussão, realizadas em 2022, foram feitas por adesão à ata de registro de preço. Esse procedimento, conhecido como "carona", permite que sejam aproveitadas as licitações de outros entes públicos, o que acelera a realização do gasto público.
Em maio do ano passado, Melo autorizou, por decreto, a então secretária Sônia a fazer compras por carona. Foram 11 aquisições por esse modelo, somando mais de R$ 73 milhões.
Na semana passada, Melo publicou outro decreto para retirar da titular da Smed a autonomia de optar por esse mecanismo. O prefeito justificou que houve necessidade de dar mais celeridade ao gasto público no pós-pandemia. Como muitas prefeituras não conseguiram investir 25% da receita corrente líquida em educação em 2020 e 2021, período em que escolas estiveram temporariamente fechadas por conta do coronavírus, foi estabelecido prazo até 2023 para que os recursos que sobraram fossem investidos.
— Se fosse fazer todo o trâmite de licitação, talvez essas compras não fossem feitas — justificou.
O prefeito demonstrou descontentamento com o uso da expressão carona, adotada inclusive no setor público, para se referir às adesões às atas de registro de preço.
— Não concordo com esse termo. As compras foram feitas com decência e rigorismo. Ata de registro de preço é uma licitação que foi feita em algum lugar, por algum órgão público, e eu posso aderir a ela. Não está proibido. Pode usar. A revogação que fiz foi porque determinei uma auditoria. Acho que a discussão que tem de ser feita é se as compras foram na quantidade certa e se vão chegar ao aluno — avaliou Melo, que se classificou como um "zelador do dinheiro público".