Os dois galpões sujos e úmidos da Secretaria Municipal da Educação de Porto Alegre (Smed), ambos com acúmulo de material didático, computadores, equipamentos esportivos, pedagógicos e jogos adquiridos com recursos públicos, passaram por modificações e limpezas nos últimos dois meses.
Na primeira quinzena de junho, reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) revelaram que milhares de livros encaixotados, chromebooks (minicomputadores) e desktops, entre outros itens tecnológicos, recreativos e esportivos, estavam empilhados em condições inadequadas, sob fezes de pombos e entre ratos mortos, nos depósitos localizados na Rua Olavo Bilac e na Avenida Voluntários da Pátria.
Dois meses depois, os dois espaços ainda guardam acervo patrimonial da Smed, incluindo itens inservíveis — todo tipo de material que faz parte do patrimônio do município e não pode ser descartado —, mas em quantidade inferior.
Um terceiro depósito da Smed esquadrinhado pelo GDI, na Rua La Plata, no bairro Jardim Botânico, segue com grande quantidade de material estocado. Por ser um imóvel em boas condições de conservação, ele recebeu equipamentos que estavam nos dois outros locais.
A reportagem do GDI visitou os três ambientes na quarta-feira (9), acompanhada por servidores públicos, incluindo o diretor de Logística da Smed, João Artur Lucena Adams, empossado há duas semanas.
O prefeito Sebastião Melo anunciou a criação dessa função depois da revelação de que os materiais estavam empilhados, em situação de desperdício, sem chegar às escolas e ao uso cotidiano dos alunos. A ideia é que a existência deste cargo possa dar mais agilidade e articulação à distribuição dos itens para as 98 escolas da rede municipal.
Confira abaixo a situação de cada imóvel, as mudanças realizadas nos últimos dois meses e o que ainda resta de patrimônio em cada um deles.
Depósito da Rua Olavo Bilac
Esse depósito, em junho, tinha quantidade incontável de material didático, tecnológico e de limpeza, misturado a bens inservíveis que não podem ser descartados, como cadeiras, mesas e eletrodomésticos velhos. Até os dias atuais a prefeitura não conseguiu apresentar listagem específica do que havia no depósito da Rua Olavo Bilac.
À época, a estimativa da prefeitura era de que havia 30 mil livros da editora Inca no local — a Smed fez quatro compras que somaram R$ 27,9 milhões junto a essa empresa em 2022. Quando a reportagem esteve no local, havia cerca de 850 chromebooks empilhados em ambiente úmido e sujo, tendo um compensando deitado sobre os minicomputadores para aparar fezes de pombos e a água da chuva que vinha das goteiras.
Na quarta-feira (9), o único material que poderia estar nas escolas e que restava no ambiente eram 36 caixas de livros da editora Inca preparatórios para a prova do Sistema de Avaliação da Educação Básica. Essas publicações contêm erros que foram detectados após as reportagens, como em tabuadas de matemática, e a editora se comprometeu a recolher os exemplares no galpão e nas escolas e substituir por novas versões.
No restante, os materiais educacionais foram integralmente retirados do depósito da Rua Olavo Bilac. Segundo a prefeitura, parte foi para escolas e outra fração para depósitos. Houve limpeza e considerável esvaziamento no local. O que resta é, ainda, grande quantidade de bens inservíveis. Há desde bebedouros até TVs de tubo, panelas, geladeiras, buffets, armários e computadores antigos.
Um leilão já foi realizado e outro ainda será promovido para dar destino aos bens. Como o imóvel é de propriedade do município, uma empresa está em fase de contratação pela prefeitura para a reforma. A Smed, inicialmente, anunciou intenção de voltar a utilizar o edifício como depósito, mas houve mudança de planos. Depois de revitalizado, ele será entregue à Secretaria de Administração e Patrimônio (Smap), a quem caberá encaminhar o futuro aproveitamento.
O aspecto menos abarrotado do imóvel permite identificar que há furos no telhado. E os pombos que habitam o local são incontáveis, amontoados entre as tesouras metálicas que sustentam a cobertura.
Depósito da Avenida Voluntários da Pátria
Esse imóvel é alugado pela Smed por R$ 20 mil ao mês há mais de uma década e, no seu interior, havia milhares de jogos pedagógicos, artigos esportivos como tabelas de basquete, camas infantis e geladeiras industriais. Havia brinquedos, como gira-giras, e lixeiras de separação de resíduos que fazem parte do Programa de Logística Sustentável (PLS). O ambiente era sujo, úmido e havia até ratos mortos entre os itens.
Também estavam guardadas neste imóvel cerca de 50 racks — equipamentos utilizados para dar cargas nos chromebooks — comportando três dezenas de conexões simultâneas. O GDI revelou que, enquanto os aparelhos estavam parados em local insalubre, escolas municipais tinham centenas de minicomputadores empilhados em locais improvisados por falta de racks de carregamento.
Atualmente, a situação está modificada. As altas pilhas de caixas foram removidas. Os racks e seis geladeiras, por exemplo, foram levados para o depósito da Rua La Plata. O restante do material, parcialmente, foi encaminhado às escolas municipais. Mas ainda há caixas no interior, embora em quantidade significativamente inferior.
A Smed adotou estratégia de usar o galpão para montar bens que são entregues em compartimentos, como lixeiras e cestas infantis de basquete, e entregar já prontas para a instalação nas escolas. A prefeitura anunciou a intenção de esvaziar esse local integralmente até setembro e, depois, devolver ao proprietário.
Confira os quantitativos de alguns itens que estavam e permanecem neste galpão antes e depois das reportagens do GDI, quando um força-tarefa da prefeitura começou a distribuição:
Lixeiras de separação para a coleta seletiva
- Antes — 390
- Agora — 314
Contêineres de lixo de 700 litros
- Antes — 99
- Agora — 55
Estante organizadora modular
- Antes — 684
- Agora — 18
Kit basquete infantil
- Antes — 198
- Agora — 37
Gira-gira
- Antes — 84
- Agora — 12
Cama infantil
- Antes — 1.480
- Agora — 747
Tabela de basquete
- Antes — 114
- Agora — 11
Depósito da Rua La Plata
O imóvel é alugado pela Smed por R$ 50 mil mensais e foi reformado recentemente. Está em boas condições de vedação e não apresenta goteiras ou animais invasores. Os ambientes não têm umidade.
Até por ser o único depósito em condições adequadas de acondicionamento, está abarrotado de equipamentos tecnológicos, livros e folhas de papel A4. O imóvel abriga 178 racks de carga em chromebooks, de um total de 850 adquiridos pela Smed. A intenção é distribuir esses equipamentos para as escolas que tiverem concluídos os reparos necessários na rede elétrica. As adaptações estão sendo feitas por empresas que deviam contrapartidas ao município, ao custo de R$ 2 milhões.
Os 2.209 chromebooks que seguem sem uso no local serão distribuídos, parcialmente, aos cerca de 350 professores aprovados em concurso público que serão chamados a assumir em setembro, diz a Smed.
Há grande quantidade de folhas de papel A4 no ambiente: são 2.953 caixas com 5 mil folhas cada. O somatório é de 14,7 milhões de unidades de folhas A4. A Smed destaca que, desde as reportagens do GDI, entregou às escolas 1.847 caixas deste material.
Há ainda, na La Plata, 103,6 mil exemplares da livros de educação ambiental e sustentabilidade da editora Inca comprados pela Smed no segundo semestre de 2022. A intenção, diz o município, é distribuir as publicações em 2024 para os colégios.
Confira os quantitativos de alguns itens que estavam e permanecem neste depósito antes e depois das reportagens do GDI:
Chromebooks
- Antes — 2.670
- Agora — 2.209
Estações de recarga (racks)
- Antes — 178
- Agora — 178
Mesas digitais
- Antes — 400
- Agora — 15
Notebook avançado
- Antes — 34
- Agora — 34
Notebook padrão
- Antes — 1.180
- Agora — 1.180
Computador desktop e monitor
- Antes — 630
- Agora — 410
Como está o caso
Após o início da série de reportagens do GDI que revelou o desperdício de materiais escolares e equipamentos comprados pela Smed, acumulados e sem uso em depósitos precários da prefeitura de Porto Alegre, duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) paralelas foram instaladas na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Ambas tiveram início na segunda-feira (7). Uma delas é presidida pelo vereador e líder do governo na Câmara, Idenir Cecchim (MDB). A outra, pela vereadora Mari Pimentel (Novo).
A procuradoria jurídica da Casa deu parecer favorável à criação das duas CPIs, e o presidente da Câmara, Hamilton Sossmeier (PTB), concordou.
O entendimento da procuradoria foi no sentido de que os dois requerimentos — protocolados em 5 de junho — preencheram os requisitos constitucionais para terem andamento. Desta forma, ao final das apurações, dois relatórios de conclusão serão produzidos. Dependendo do que apontarem ou recomendarem, serão remetidos a outros órgãos — como Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado — para eventuais apurações que sejam necessárias. O prazo de duração das comissões é de 120 dias, prorrogável por mais 60 dias.
Por parte da prefeitura, auditoria interna confirmou falhas em processos da Smed. Relatório preliminar, anunciado na tarde de terça-feira (8), apontou "fragilidades nos fluxos de processos internos no âmbito da Smed, falhas no planejamento para distribuição das aquisições para as 98 unidades da rede própria e que alguns procedimentos de compra não estavam em conformidade". Conformidade, segundo a prefeitura, é um termo que a Controladoria usa quando há falta de alguma etapa de um processo ou documento.
Os problemas que ocorreram na distribuição dos materiais e nas compras não foram detalhados no comunicado emitido pela gestão municipal. A auditoria especial, aberta a pedido de Melo, foi realizada pela Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC).