Das 11 aquisições feitas por adesão à ata de registro de preço em 2022 pela Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Porto Alegre, seis tiveram algo em comum: a participação do empresário Jailson Ferreira da Silva. As compras, efetuadas entre junho e outubro do ano passado, somaram o montante de R$ 43,2 milhões pagos pela prefeitura da Capital por 104 laboratórios de ciência e matemática e cerca de 500 mil livros. Milhares dessas publicações acabaram empilhadas dentro de caixas em depósitos precários e locais improvisados nas escolas, sem chegar aos alunos, como mostrou série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) no início de junho.
O empresário, conhecido como Jajá no meio político e empresarial, é representante da editora Inca Tecnologia e da Astral Científica, ambas localizadas no Paraná e de propriedade de Sergio Bento de Araújo — há registros em redes sociais de ambos atuando juntos em prefeituras gaúchas pelo menos desde 2017. Jailson é dono da empresa JBG3, que, em conta no Instagram, exibe as marcas dos produtos que comercializa ao poder público. Fotos em eventos mostram Jailson em estandes dessas empresas.
A Inca fez quatro vendas de livros à Smed em 2022, somando R$ 27,9 milhões. Para comprar da empresa, a prefeitura de Porto Alegre aderiu à ata de registro de preço do governo do Estado do Sergipe. A "carona" é um modelo de compra que permite aproveitar pregão feito por outro ente público, dispensando a realização de licitação própria. Em julho de 2021, em reunião no Paço Municipal, Jailson e Araújo apresentaram os produtos da Inca para integrantes da prefeitura. Um ano depois, a editora acabaria fazendo as vendas, na gestão da ex-titular da Smed Sônia da Rosa.
Da Astral, a prefeitura adquiriu por R$ 6,7 milhões, em uma adesão à ata de registro de preço do Consórcio Público Intermunicipal de Inovação e Desenvolvimento do Estado de São Paulo (Cindesp), 104 laboratórios de ciências da natureza e matemática. Os conjuntos foram entregues encaixotados à prefeitura de Porto Alegre pelo próprio Jailson, no dia 14 de junho de 2022, no depósito no bairro Jardim Botânico, alugado pela Smed por R$ 50 mil mensais. A nota fiscal da Astral, à qual o GDI teve acesso, e uma selfie do representante no interior do depósito, junto às caixas, publicada em rede social, confirmam a data de entrega dos laboratórios.
A sexta compra com envolvimento de Jailson ocorreu por intermédio de uma empresa diferente: a Sudu Inteligência Educacional, sediada em Manaus (AM). Essa empresa não é de propriedade dele, nem de Araújo, mas vende livros da editora Inca. Foram mais de 100 mil exemplares da coleção de educação ambiental e sustentabilidade da marca Inca vendidos pela Sudu à prefeitura por R$ 8,6 milhões, por meio de adesão à ata de registro de preço do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável do Alto Paranaíba (Cispar), com sede em Patos de Minas (MG).
Nos processos administrativos de compra por carona, é preciso apresentar orçamentos de outras possíveis fornecedoras para demonstrar o que é chamado de "vantajosidade". Isso serve para indicar que a carona irá garantir um bom preço para o município. Neste ponto, entrou a participação de Jailson. Uma empresa em nome dele, a World Company Soluções e Inovações Tecnológicas, apresentou um orçamento de R$ 12,7 milhões para fornecer os livros. A cotação é assinada por Jailson. Uma terceira empresa, chamada Editora Verde, deu outro orçamento superior a R$ 12 milhões. O perfil da Editora Verde em redes sociais mostra que ela também vende livros da Inca. Assim, com os orçamentos, incluindo o de Jailson, os
R$ 8,6 milhões cobrados pela Sudu para vender livros da Inca receberam o aspecto de vantajosidade.
Contraponto
O que diz a Secretaria Municipal da Educação (Smed) de Porto Alegre
A pasta se manifestou por meio de nota. Leia a íntegra:
"Todas as aquisições foram feitas de acordo com os ritos legais. As informações detalhadas estão sendo apuradas pela Auditoria Especial da Educação, realizada pela Secretaria Municipal de Transparência e Controladoria (SMTC), por determinação do prefeito Sebastião Melo".
O que diz o empresário Jailson Ferreira da Silva
Procurado, o empresário não atendeu nem retornou os contatos da reportagem por celular, telefone fixo e e-mail até a publicação desta reportagem.