Sob os efeitos da mais grave recessão da história recente do país, o governo de José Ivo Sartori (MDB) chegou ao fim com R$ 2,74 bilhões de déficit orçamentário (despesas acima das receitas) em 2018. Publicado no fim de fevereiro no Diário Oficial do Estado, o resultado foi o segundo pior dos últimos 16 anos, atrás apenas do rombo de 2015, também na gestão Sartori (veja o gráfico abaixo).
Em setembro passado, reportagem de ZH mostrou a evolução das finanças estaduais desde 2003, contemplando as administrações de Germano Rigotto (MDB), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT). Sartori havia ficado de fora, porque o mandato ainda estava em curso. Agora, a consolidação dos dados traduz as agruras do período e os desafios do novo inquilino do Palácio Piratini – Eduardo Leite (PSDB) herdou cofres raspados e uma série de compromissos em atraso, muitos ainda pendentes. Em quatro anos, são cerca de R$ 7 bilhões de insuficiência financeira acumulada.
Em 2015, em meio à derrocada da economia, Sartori assumiu cortando diárias, horas extras, passagens, nomeações. Criou a previdência complementar, elevou a alíquota de contribuição do funcionalismo, sancionou a lei de responsabilidade fiscal estadual, concluiu a renegociação da dívida, iniciada por Tarso, extinguiu órgãos. Nada disso foi suficiente.
Os gastos seguiram crescendo mais do que a arrecadação, ano após ano. Reajustes salariais aprovados por Tarso para valorizar a área da segurança pública, com reflexos até 2018, exigiram malabarismos fiscais.
Sob protestos de servidores e críticas da oposição, o primeiro parcelamento da folha de pagamento do Executivo foi anunciado em meados de 2015, em meio a sucessivos bloqueios nas contas públicas.
— Foi muito difícil. No início, as pessoas não acreditavam que o bicho era tão feio, mas a verdade é que faltava dinheiro para tudo. Imagina dizer que não daria para pagar os salários de 350 mil pessoas? Foi desgastante, brutal — recorda o então secretário da Fazenda, Giovani Feltes, reeleito deputado federal pelo MDB.
Em 2016, o tarifaço no ICMS e a adoção de medidas extraordinárias (como a venda da folha ao Banrisul) colaboraram para reduzir o abismo contábil. O déficit caiu, mas a agonia continuou: os contracheques foram pagos em dia apenas no mês de janeiro. Depois disso, nunca mais.
No ano seguinte, o Piratini chegou a anunciar a venda de ações do Banrisul, mas acabou recuando para não ter prejuízo frente ao mau humor do mercado – a operação só seria efetivada em 2018, com volume menor de papéis. Sartori, então, passaria a apostar tudo no regime de recuperação fiscal, que prometia fôlego na dívida e novos financiamentos.
Enquanto negociava com os técnicos federais, o governo decidiu recorrer à Justiça para parar de pagar a conta bilionária com a União. A liminar favorável no Supremo Tribunal Federal – que segue valendo – foi comemorada nos salões do Piratini, mas azedou as relações com a Secretaria do Tesouro Nacional, que já iam mal.
Em reuniões cada vez mais duras em Brasília, o governo viu ruir, em setembro de 2018, a chance de fechar o pré-acordo para aderir ao programa de ajuste. Sem meias palavras, o então ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, exigiu a venda do Banrisul para concretizar o negócio. Em plena campanha eleitoral, Sartori apontava o plano de recuperação como única saída à crise, mas o ultimato sepultou qualquer pretensão.
— Foi um momento bastante tenso. O governador já tinha deixado claro que não venderia o banco. Isso estava fora de cogitação — relembra Luiz Antônio Bins, sucessor de Feltes na Fazenda.
Em dezembro passado, prestes a entregar o cargo, Sartori autorizou Bins a adotar ações emergenciais para reforçar o caixa e atenuar o rombo – incluindo a antecipação de impostos que só entrariam em janeiro, na administração de Leite. Como resultado, a receita cresceu. Ainda assim, Leite tomou posse com parte da folha de dezembro em aberto, o 13º parcelado e um passivo próximo de R$ 1 bilhão só na saúde.
O desfecho teria sido diferente, argumentam Feltes e Bins, se a conjuntura econômica tivesse ajudado. Eles também fazem a ressalva de que o cálculo do déficit orçamentário inclui valores não pagos da dívida com a União (os repasses estão suspensos desde julho de 2017 devido à liminar obtida na Justiça, mas continuam sendo empenhados na contabilidade).
— Poderíamos ter chegado ao equilíbrio no fim de 2016 ou no início de 2017, mas enfrentamos a maior crise da história republicana do país, que nos tirou R$ 11 bilhões em ICMS. Também arcamos com os reajustes da segurança, cujo impacto chegou a R$ 8 bilhões. Mesmo assim, o Estado não parou e o resultado foi melhor do que havíamos projetado no início do governo, se nada tivesse sido feito — diz Bins.
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