Depois de fechar 2016 com rombo 30 vezes menor do que havia projetado no início do ano passado, abrindo margem a críticas da oposição, o Palácio Piratini espera reduzir no mínimo pela metade o déficit de R$ 3 bilhões previsto para 2017. Isso será possível se o plano de recuperação fiscal em negociação com o governo federal confirmar a expectativa de suspensão do pagamento da dívida com a União.
Os detalhes do socorro financeiro e as contrapartidas exigidas ainda estão em fase de discussão. Nesta semana, uma comitiva de técnicos do Ministério da Fazenda deve desembarcar em Porto Alegre para fazer um raio X da contabilidade do Estado. O objetivo é verificar o tamanho do problema para definir o calibre da ajuda.
Em 2016, os resultados financeiros foram melhores do que as projeções iniciais do Piratini. Segundo o último relatório de execução orçamentária do ano, divulgado na última segunda-feira, o saldo negativo ficou na casa dos R$ 143,1 milhões, bem abaixo da previsão de cerca de R$ 4,3 bilhões no vermelho, de abril do ano passado. Quando desconsiderados os restos a pagar, isto é, todas as despesas de 2016 que tiveram de ser postergadas para 2017, como o 13º salário do funcionalismo, o relatório aponta superávit (receita maior do que a despesa) de R$ 744 milhões.
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O secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes, classifica os números como "ilusórios" (leia a entrevista abaixo), porque foram atingidos graças a receitas extraordinárias obtidas em 2016, que não se repetirão em 2017 – como a venda da folha dos servidores do Estado para o Banrisul e o acordo judicial firmado com a Ford. O não pagamento das parcelas da dívida entre abril e dezembro também contribuiu para o quadro, mas o valor pendente não foi perdoado. Parte do débito voltou a ser pago em janeiro.
Os argumentos não convencem o Sindicato dos Técnicos-Científicos, que prega intervenção federal no RS, e a Federação Sindical dos Servidores (Fessergs), que acusa o Piratini de fazer "terrorismo", defende auditoria nas contas e planeja protestos.
– O governo vende o caos. Sempre dissemos isso, e os números de 2016 comprovam. Até quando vão continuar atrasando os salários? Não tem explicação – desabafa o presidente da Fessergs, Sérgio Arnoud.
Deputados da oposição, como Pedro Ruas (PSOL), também questionam o Piratini. O parlamentar reconhece a existência da crise, mas discorda da dimensão atribuída pelo governo.
– Denuncio isso na tribuna desde 2015. O problema é que Sartori quer desmantelar o Estado e precisa justificar isso para a sociedade. Então, pinta a crise pior do que é – afirma Ruas.
Feltes e a equipe rebatem as críticas, argumentando que o déficit teria atingido o valor projetado, de R$ 4,3 bilhões, se o governo não tivesse parado de pagar a dívida e buscado alternativas de emergência para reforçar o caixa. Segundo Flávio Pompermayer, diretor técnico da Junta de Coordenação Financeira da pasta, o Estado vive situação de "equilíbrio instável" e não pode abrir mão do ajuste fiscal.
– Os números induzem a acreditar que a situação está normalizada, mas, na prática, continuamos sujeitos a oscilações. Não podemos perder o foco – sustenta Pompermayer.
Na avaliação do especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos, o Estado seguirá enfrentando turbulências em 2017:
– O governo não vai ter outra folha para vender, não vai ter outro acordo com a Ford. As alternativas acabaram. Isso só vai se reverter se o acordo de suspensão da cobrança dívida com a União avançar.
Mesmo que o socorro de Brasília fique restrito a esse aspecto, o fôlego pode chegar a R$ 1,7 bilhão em 2017, o que reduziria para R$ 1,3 bilhão o déficit orçamentário estimado para o período. O alívio financeiro pode ser maior, mas isso dependerá do que Sartori pretende oferecer em troca para o governo federal.
"Ninguém aqui quer iludir ninguém", diz Giovani Feltes
A redução do rombo nas contas do Estado em 2016 não significa, segundo o secretário da Fazenda, Giovani Feltes, que o pior da crise já passou. Feltes sustenta que o governo "queimou todas as possibilidades de obter receitas extras" e que não está exagerando nas projeções negativas – ao contrário do que sugerem seus críticos. A seguir, leia os principais trechos da entrevista, concedida na última terça-feira.
O pior da crise nas finanças públicas do Estado já passou?
Não. Isso vai depender de três premissas. Primeiro, da retomada da economia. Em segundo lugar, da aprovação do conjunto de medidas em discussão na Assembleia. E, em terceiro, de aderirmos ao plano de recuperação fiscal da União.
Os resultados de 2016 se revelaram melhores do que as projeções iniciais. O governo não está pintando o cenário pior do que é, como sustentam a oposição e os servidores?
Cada um faz a interpretação que quer, conforme as suas conveniências. A verdade é que, sem as receitas extraordinárias que conseguimos em 2016, como a venda da folha dos servidores ao Banrisul, o déficit seria de mais de R$ 4 bilhões, exatamente como projetamos. Ninguém aqui quer iludir ninguém. Queimamos todas as possibilidades de obter receitas extras.
Qual é a projeção para 2017?
Nos faltam R$ 3 bilhões para pagarmos as contas deste ano. Esse é o déficit orçamentário previsto. Fora isso, ainda tem o que ficou do ano passado, incluindo R$ 600 milhões devidos a empresas terceirizadas e a fornecedores e o 13º salário dos servidores. Somando tudo, o déficit financeiro pode passar de R$ 5 bilhões.
Em que medida o plano de recuperação financeira em negociação com a União pode mudar isso?
Esperamos que nos possibilite não pagar o serviço da dívida por três anos, o que também beneficiará o próximo governador, no seu primeiro ano de gestão. Mas sabemos que não bastará deixar de pagar a dívida, porque isso não vai resolver o déficit previsto até o fim do governo, de R$ 8,8 bilhões. Vamos precisar de algum recurso extra. A questão é que não sabemos quando o acordo será fechado e nem se será aprovado.
O senhor disse que o Banrisul não foi mencionado nas negociações com a União, mas o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o banco fará parte das discussões. O Estado pode negociar o banco para garantir mais benefícios?
Asseguro que não. Não falamos nisso em nenhum momento. Nem nós, nem eles. O governo não cogita essa possibilidade.
Quando o Estado vai deixar de parcelar os salários dos servidores?
Dependendo do ritmo da economia e do somatório das premissas que citei antes, poderá ser possível voltar a pagar os servidores em dia a partir da virada do ano.
E quando será possível voltar a investir de forma efetiva?
Para voltar a investir, precisamos alcançar o equilíbrio fiscal. Não tem outra saída. Se tudo correr conforme planejamos, talvez seja possível elevar a capacidade de investimentos em 2018.
O governo estuda enviar novos projetos de ajuste à Assembleia neste ano?
Não sabemos exatamente o que pode vir do acordo com o governo federal. É possível que, em razão disso, tenhamos de mandar novas medidas à Assembleia, mas não há nada definido.