A dívida pública do Estado voltou a crescer e bateu novo recorde. Segundo o mais recente relatório da Secretaria Estadual da Fazenda, que será apresentado nesta quinta-feira (28), em Porto Alegre, a conta chegou a R$ 67,66 bilhões no fim de 2017, embora o período tenha sido marcado por dois importantes avanços na renegociação do passivo com a União, que resultaram em melhorias nas condições de pagamento.
Com aumento real de 2,5% em relação ao ano anterior, o saldo atualizado equivale ao dobro da arrecadação líquida anual e é mais um elemento da crise financeira que, historicamente, limita investimentos em áreas vitais para a população.
Em dezembro passado, depois de longas tratativas com o governo federal, iniciadas em 2013 na gestão de Tarso Genro (PT) e consolidadas pelo governador José Ivo Sartori (MDB), foram assinados dois aditivos ao contrato de 1998 – quando a União assumiu os débitos do Estado, no governo de Antônio Britto (então no PMDB). Com isso, foi possível mudar o indexador, cortar juros e prolongar o prazo de quitação, levando à revisão da soma devida.
Como as mudanças passaram a valer de forma retroativa a janeiro de 2013, houve o abatimento de R$ 4,9 bilhões na dívida – e redução de R$ 22 bilhões nas projeções para 2028, calculadas com base nas normas contratuais originais, agora alteradas e estendidas para 2048.
— A celebração desses aditivos deve ser comemorada porque se trata do principal avanço no acordo com a União em 20 anos — diz o chefe da Divisão da Dívida Pública, Felipe Rodrigues da Silva.
Ainda assim, na prática, o passivo aumentou em comparação com 2016, devido a dois fatores: o peso dos juros e da correção e o fato de o Estado ter deixado de repassar R$ 2,97 bilhões ao governo federal em 2017. Entre janeiro e junho, houve desconto nas parcelas e, de julho a dezembro, os pagamentos foram integralmente suspensos, graças a uma liminar obtida no Supremo Tribunal Federal (STF).
— Em duas décadas de contrato, o Estado nunca havia desembolsado tão pouco — ressalta ao auditor fiscal Luciano Flores, da Divisão da Dívida.
O fôlego financeiro teve um custo para os cofres estaduais, já que o valor pendente terá de ser quitado no futuro e, sobre ele, pesam encargos estimados em cerca de R$ 195 milhões ao ano, considerando a taxa Selic em vigência. Embora reconheça o problema, o subsecretário do Tesouro, Elói Stertz, argumenta que a dívida cresceu menos em valores nominais do que no passado e adverte: se as parcelas tivessem sido pagas, as dificuldades do Estado para arcar com todos os seus compromissos seriam ainda maiores – vale lembrar que, em junho, o governo atinge a marca de 30 meses de parcelamentos salariais no Executivo. O grande temor na Secretaria da Fazenda é de que a liminar caia, agravando o cenário.
— É por isso que estamos fazendo o possível para o Estado aderir ao regime de recuperação fiscal, que garante carência na dívida por pelo menos três anos — destaca Stertz.
As chances de concretizar o plano estão cada vez mais distantes do Palácio Piratini, já que a principal contrapartida exigida pela União é a privatização de estatais – e Sartori não teve força política, até agora, para levar o intento adiante.
Composição da dívida (dezembro de 2017)
Total: R$ 67,66 bilhões
Dívida interna: R$ 60,43 bilhões (89,3%)
Dívida externa: R$ 7,23 bilhões (10,7%)
Principal contrato em vigor: dívida com a União, assinado em 1998, na gestão de Antônio Britto (então no PMDB). Valor: R$ 58,57 bilhões (86,6% do total)
Para comparar
* Em 2017, a receita corrente líquida do Estado (tudo o que arrecadou em tributos, descontadas as transferências legais) foi de R$ 35 bilhões.
* Os investimentos pagos pelo Estado somaram R$ 512 milhões em 2017.
* O valor orçado para educação, em 2017, foi de R$ 9,4 bilhões e, para a saúde, de R$ 3,8 bilhões.
Quanto já se pagou
Em 1998, ao assinar o acordo com a União, o Estado ficou obrigado a pagar cerca de R$ 9 bilhões (equivalente em torno de R$ 40 bilhões em valores corrigidos pelo IGP-DI) em 30 anos, com juros anuais de 6% e correção pelo IGP-DI. Com o passar do tempo, o indexador cresceu além do esperado, e o passivo se multiplicou. Em dezembro de 2017, depois de ter repassado mais de R$ 30 bilhões à União, o Estado ainda devia R$ 58,6 bilhões aos cofres federais. Por conta disso, há setores que questionam o pagamento e exigem auditoria da dívida.
Negociações recentes
1) Em novembro de 2014, foi sancionada a lei complementar nº 148 que autorizou revisão nos contratos da dívida, alterando índice de correção e reduzindo juros, de forma retroativa a 1º de janeiro de 2013.
2) Em dezembro de 2015, um decreto federal regulamentou a lei nº 148 e estabeleceu os critérios do cálculo retroativo. Ao final do contrato, que inicialmente iria até 2028, o saldo projetado de R$ 40 bilhões seria reduzido em R$ 22 bilhões.
3) Em abril de 2016, por discordar do cálculo da União, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) e obtiveram liminar favorável. O pagamento foi suspenso por 60 dias, e o STF determinou que Estados e União chegassem a acordo.
4) Em junho de 2016, Estados e União definiram que as parcelas voltariam a ser pagas em janeiro de 2017, de forma progressiva. O prazo de pagamento foi ampliado de 2028 para 2048. Quanto ao cálculo retroativo, o critério da União foi mantido.
5) Em dezembro de 2016, foi sancionada a lei nº 156, ratificando a ampliação do prazo de pagamento até 2048 e os benefícios anteriores (redução dos juros e novo indexador), com a condição de que os Estados desistissem de questionar a dívida no STF.
6) Em agosto de 2017, o Estado obteve nova liminar suspendendo as parcelas. A liminar retrocedeu a julho e segue valendo até hoje, mas não é definitiva.
7) Em dezembro de 2017, foram assinados dois aditivos contratuais. Um deles formalizou o alongamento do prazo, sem a necessidade de desistir das ações judiciais que questionam a dívida. O outro oficializou a mudança de indexador (do IGP-DI para o IPCA, limitado pela taxa Selic) e a redução de juros de 6% para 4% ao ano. O saldo foi recalculado, com abatimento de R$ 4,9 bilhões.
FIQUE POR DENTRO
Lançamento de relatório
O Relatório Anual da Dívida Pública do RS - 2017 será lançado no auditório do Palácio da Justiça (Praça da Matriz, nº 55), em Porto Alegre, a partir das 14h30min desta quinta-feira (28). Participação aberta a quem tiver interesse.
Acesso aos dados
Para facilitar o acesso aos dados, a Secretaria da Fazenda passará a oferecer, a partir desta quinta-feira (28), espaço específico sobre a dívida no seu site.