Se o governo do Estado aderir ao regime de recuperação fiscal por seis anos, prazo máximo permitido por lei, o desembolso para pagar a dívida com a União pode chegar a R$ 433,9 milhões por mês ao final do período, em 2024. Projetado pela Secretaria Estadual da Fazenda com base em cálculos atualizados, o valor é cerca de R$ 100 milhões maior do que o previsto para 2024 (R$ 329,2 milhões ao mês) caso a adesão não se concretize.
Pela estimativa oficial, a nova prestação a ser paga ao governo federal representaria 12% da receita líquida real estimada em 2024. Sem o acordo, o percentual não passaria de 9,1%, mas, nesse caso, o Estado teria de abrir mão do fôlego de R$ 10 bilhões ao caixa nos primeiros três anos do regime, com a suspensão da dívida.
Se o governador José Ivo Sartori estivesse pagando as parcelas em dia, hoje, o desembolso mensal seria de R$ 243 milhões (9,3% da receita). Os repasses estão parados desde julho de 2017 em razão de liminar obtida no Supremo Tribunal Federal (STF) devido ao agravamento da crise.
Caso Sartori consiga fechar o acordo com o Planalto nos próximos meses, o Estado terá carência integral da dívida garantida até 2021. Depois disso, se decidir prorrogar o plano por até três anos (máximo permitido), os compromissos seriam retomados de forma progressiva, começando em R$ 63,5 milhões mensais até o valor cheio em 2024. Se não prorrogar, o pagamento da parcela mensal passaria a ser integral (R$ 358,8 milhões em janeiro de 2021).
A cifra ficará maior ao final dos seis anos porque as somas não pagas terão de ser honradas de qualquer forma no futuro _ a União não perdoará as pendências. Além disso, sobre elas incidirão juros e correção (a um custo de pelo menos R$ 1,4 bilhão).
Para a oposição, esse aumento é preocupante. Na avaliação de Pedro Ruas (PSOL), o Estado pode ficar "ingovernável", penalizando futuras gerações:
— As necessidades urgentes do presente são inegáveis, mas o risco assumido pelo governo é gigantesco. Sartori quer vender o futuro para pagar o presente. Temos de deixar um Estado melhor para nossos filhos e netos. Com o acordo, corremos o risco de legar um Estado ainda pior.
Sartori e sua equipe reconhecem que a parcela vai subir, mas argumentam que o comprometimento da receita com o passivo será inferior ao registrado até o início de 2016, antes da última renegociação com a União (em 2015, era 15,5%). Além disso, afirmam que o custo dos juros e da correção será menor do que os rendimentos pagos, atualmente, pelo uso dos depósitos judiciais (recursos de terceiros em litígio na Justiça que não poderão mais ser utilizados para cobrir rombos, se o Estado aderir ao regime).
Líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB) sustenta que, no curto prazo, a adesão é a "única alternativa para reequilibrar as contas". Com os ajustes exigidos pela União, o parlamentar acredita que será possível reorganizar as finanças e voltar a honrar compromissos hoje inviáveis.
— A oposição quer confundir a população. O aumento não preocupa tanto, porque o prazo de pagamento da dívida foi alongado em 20 anos em 2016 (de 2028 para 2048), mas é óbvio que os próximos governos terão de controlar gastos. Só assim será possível superar as dificuldades, que serão muito maiores se o Estado não aderir ao acordo e tiver de voltar a pagar a dívida agora — sustenta Souza.
Projeções do Sindicato dos Servidores Públicos da Administração Tributária do Estado (Sindifisco-RS) indicam valores semelhantes aos estimados pela Secretaria da Fazenda ao final de seis anos de regime. Segundo Celso Malhani, presidente da entidade, a parcela pode ficar "entre R$ 430 milhões e R$ 450 milhões" em 2024, mas ele adverte para os riscos no longo prazo.
— Na última prestação, em 2048, o valor pode chegar a até o dobro dessa projeção inicial – alerta Malhani.
A Secretaria da Fazenda classifica a perspectiva como "alarmista" e diz ser "impossível estabelecer cenário realista em termos de comprometimento da receita em um prazo tão longo, de 30 anos, muito menos o comportamento da economia até lá”.
Argumentos a favor da adesão
Com fôlego de R$ 10 bilhões na dívida, aval para novo empréstimo (a ser pago com privatizações) e ajuste fiscal rigoroso, o Piratini diz que será possível reequilibrar as contas. Se a adesão fracassar, a atual gestão teme queda da liminar que suspendeu a dívida, levando as finanças ao caos.
Argumentos contra a adesão
Para críticos, custo do acordo com a União é elevado, não só pelas contrapartidas (em especial as privatizações), mas também porque a dívida não será perdoada. Oposição diz que aumento das parcelas inviabiliza futuros governos e que o regime de recuperação só beneficia a atual gestão.
As negociações recentes
Em novembro de 2014, foi sancionada a lei complementar nº 148 que autorizou revisão nos contratos da dívida alterando o índice de correção e reduzindo o juro. Ficou definido que isso seria aplicado de forma retroativa a janeiro de 2013.
Em dezembro de 2015, um decreto federal regulamentou a lei nº 148 e estabeleceu os critérios do cálculo retroativo. Com isso, ao final do contrato, em 2028, o saldo que inicialmente seria de R$ 37 bilhões passaria a R$ 19 bilhões.
Em abril de 2016, por discordar do cálculo da União, RS, SC e MG recorreram ao STF e obtiveram liminar favorável. O pagamento foi suspenso por 60 dias, e o STF determinou que Estados e União chegassem a acordo.
Em junho de 2016, Estados e União definiram que as parcelas voltariam a ser pagas em janeiro de 2017, de forma progressiva, e confirmaram o alongamento do prazo de pagamento (2028 para 2048). Quanto ao cálculo retroativo, o critério da União foi mantido.
Em dezembro de 2016, foi sancionada a lei nº 156, ratificando a ampliação do prazo de pagamento até 2048 e os benefícios anteriores (redução dos juros e novo indexador), com a condição de que os Estados desistissem de questionar a dívida no STF.
Em janeiro de 2017, o RS foi autorizado pelo STF a formalizar a adesão apenas ao artigo 1º da lei nº 156 (que alonga a dívida), sem abrir mão das ações judiciais. Oito meses depois, obteve nova liminar suspendendo as parcelas.