Condição para adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal, a privatização de estatais é o maior obstáculo a ser superado pelo governador José Ivo Sartori. Quatro projetos necessários para concretizar o acordo com o governo federal começam a ser apreciados nesta segunda-feira pela Assembleia Legislativa sem que o Palácio Piratini tenha os votos necessários à aprovação tranquila das medidas.
Além de enfrentar a oposição, frontalmente contra a venda de empresas, as três propostas de emenda à Constituição (PEC) para dispensar a exigência de plebiscito são consideradas controversas por parte da base governista, principalmente porque a Sulgás e o braço de geração e transmissão da CEEE geram lucro. Além disso, em ambos os lados, o apoio às medidas esbarra no temor da perda de votos com a proximidade das eleições.
Oposicionistas afirmam que envio das PECs pelo governo foi motivado pelo medo de rejeição às privatizações em caso de consulta popular. O secretário de Minas e Energia, Artur Lemos Júnior, nega. Diz que as propostas visam a dar celeridade à tramitação do processo de venda, requisito do acordo com a União. Para reforçar a ideia de urgência, o Piratini convocou sessões extraordinárias durante o recesso da Assembleia.
– Eventual plebiscito ocorreria apenas em outubro, em meio às eleições. Mas a necessidade de recursos é imediata – sustentou Lemos Júnior.
Utilidade das companhias divide especialistas
O secretário salienta ainda que a decisão de privatizar as companhias está ligada à busca do Estado por novas fonte de recursos.
– Levamos em conta tanto a situação econômico-financeira das companhias quanto a do Estado. A melhoria da prestação do serviço está atrelada às condições de investimento, que o governo não tem. A gente sabe que a Sulgás é superavitária, mas o fornecimento de gás não é prioridade.
Vice-coordenador do Fórum de Logística e Infraestrutura da Agenda 2020, Paulo Menzel não vê razões financeiras que expliquem a manutenção das estatais. Ex-presidente do conselho de Consumidores da CEEE e da RGE, Menzel considera que o Piratini precisa se livrar de compromissos que podem gerar dívidas, repassando-os ao mercado. Desta forma, o governo poderia voltar sua atenção a serviços essenciais.
– Não precisa ficar com um imenso elefante branco no colo, como a CRM (Companhia Riograndense de Mineração), por exemplo, que tem apenas um cliente – pontua, em referência à Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), que encolheu contrato com a mineradora por dificuldades financeiras.
De outro lado, Menzel alerta para a necessidade de firmar concessões benéficas ao Estado, garantindo a qualidade dos serviços por meio de cláusulas com compromissos de adequações e melhorias permanentes:
– A Sulgás tem um mercado em franca expansão para explorar. A CEEE também é um ótimo negócio, mas há um passivo existente. Vendidas estas companhias, e isso vale para todas, o Estado não deve virar as costas depois. Precisa fiscalizar de perto.
Opinião diferente tem o professor da UFRGS Luiz Augusto Estrella Faria. Para o economista, as estatais podem trabalhar com baixa lucratividade e, assim, praticar preços mais acessíveis. Vendê-las, diz Faria, é mau negócio.
– As três empresas são monopolistas nas suas áreas. E pela capacidade de expansão, são lucrativas para o Estado. O agente privado vai entrar e impor o preço que quiser. A tendência é de que as tarifas fiquem mais caras.
Um dos principais críticos às PECs, o deputado Pedro Ruas (PSOL) classifica as privatizações como a “destruição do Estado”. Para o parlamentar, sob “administrações sérias e comprometidas”, as empresas poderiam trazer benefícios ao Rio Grande do Sul:
– Se forem privatizadas, farão falta ali na frente. O governo não olha para elas da forma adequada.
Raio X das estatais
Grupo CEEE
Reúne a empresa de distribuição e de geração e transmissão de energia elétrica no Estado.
Municípios atendidos – 72
Clientes – 1,6 milhão de unidades ou 4,8 milhões de pessoas
Acionistas
- CEEE-PAR: 65,92%
- Eletrobrás: 32,59%
Outros (prefeituras e pessoas físicas): 1,49%
CEEE-D:
É responsável pela distribuição de energia elétrica.
Funcionários ativos – 2.504
Receita líquida até o 3º tri de 2017* – R$ 2 bilhões
Prejuízo até o 3º tri de 2017* – R$ 76,2 milhões
CEEE-GT:
É responsável pela geração e transmissão de energia elétrica.
Funcionários ativos – 1.181
Receita líquida até o 3º tri de 2017* – R$ 682,5 milhões
Lucro até o 3º tri de 2017* – R$ 237,4 milhões
* Dado mais recente disponível
O que diz o governo
A CEEE tem passivo judicial de R$ 1,3 bilhão referente a ex-servidores autárquicos e da Fundação CEEE. A CEEE-D teve resultado operacional negativo e índice de qualidade técnica estancado em 2016, o que demanda novos investimentos. Se estes não forem iniciados, há risco de a qualidade do serviço se deteriorar, prejudicando o avanço que a companhia teve em 2015, quando a concessão foi renovada. Por ser um mercado regulado nacionalmente pela Aneel, novo controlador acionário seguiria praticando os mesmos preços ao consumidor.
Sulgás
É responsável pela comercialização e distribuição de gás natural canalizado no Estado.
Municípios atendidos – 40
Funcionários ativos – 137
Clientes – 43.010
Acionistas
- Petrobras Gás S/A: 51%
- Estado: 49%
Receita líquida de 2017* – R$ 542,1 milhões
Lucro de 2017* – R$ 70,2 milhões
* Dado mais recente disponível
O que diz o governo
A Sulgás apresenta lucro e estrutura de pessoal adequada, mas o fornecimento de gás é limitado ao eixo Porto Alegre-Caxias do Sul há 22 anos. Os investimentos na expansão da rede são restritos e, em médio e longo prazos, a companhia não terá capacidade de atender à demanda de gás do Estado. Além disso, a ausência de plano de expansão agressivo, em busca de grandes clientes e novos fornecedores de gás natural, restringiu a participação dessa fonte de energia na matriz gaúcha. Mesmo que seja privatizada, continuará sujeita à regulação do Estado, por meio do regramento do setor.
CRM (Companhia Riograndense de Mineração)
É responsável pela exploração, produção e comercialização de carvão e outros minerais no Estado.
Funcionários ativos – 415
Clientes – 1 (CGTEE)
Acionistas
- Estado: 99%
- Outros: 1%
Receita líquida de 2016* – R$ 160,3 milhões
Prejuízo de 2016* – R$ 31,7 milhões
* Dado mais recente disponível
O que diz o governo
A CRM tem apenas um cliente, a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), que vem reduzindo o volume do contrato (3,4 milhões de toneladas/ano em 2015, para 1,2 milhões de toneladas/ano em 2017). Análises da estatal indicam que a estrutura de pessoal é inadequada para as operações atuais e futuras e tem custo elevado. É necessário reduzir em mais de 44% o quadro funcional, cuja média salarial de R$ 6,4 mil. A dificuldade de negociação do preço do carvão pago pela CGTEE é outro fator que está inviabilizando a CRM. A companhia explora atividade econômica que, dentro das atividades do Estado, não é considerada essencial.