Às vésperas de a Assembleia Legislativa votar a autorização para o Estado aderir ao regime de recuperação fiscal da União e o fim da exigência de plebiscito para vender as estatais CEEE, Sulgás e CRM, o governador José Ivo Sartori faz um apelo e um alerta.
Pede aos parlamentares que deem demonstração de unidade e que aprovem por unanimidade as quatro propostas que serão votadas entre segunda-feira (29) e quarta-feira (31), a exemplo do que foi feito na década de 1970, quando políticos adversários se juntaram para trazer o Polo Petroquímico para o RS. E avisa ao futuro governador (seja ele qual for) que a "semente" precisa ser plantada agora, sob pena de mais adiante haver "dificuldades muito superiores".
Confira a entrevista concedida por Sartori, na quinta-feira (25), a GaúchaZH:
Por que, na sua opinião, o regime de recuperação fiscal, que a Assembleia Legislativa começa a votar nesta segunda-feira, é tão importante?
Perdemos uma grande oportunidade de unidade do Rio Grande em dezembro, quando tentamos votar. Espero que o impacto político e a força do Rio Grande sejam recuperados agora, na hora de votar a adesão ao regime. É o caminho que temos no momento. Não existe outro. Já vencemos algumas questões. Por exemplo: o juro da dívida já não é mais o mesmo de antigamente. Hoje, é de 4%. Mas politicamente a Assembleia tem um grande momento.
A adesão ao regime é o único caminho para amenizar a crise financeira?
Não é o único caminho, mas é um grande caminho.
Mas se a Assembleia não aprovar, o risco de o governo voltar a ter de pagar a dívida com a União (hoje suspensa por liminar do STF) é iminente. Como ficará a situação?
Se tiver de pagar a dívida, o Estado beira o caos. Ficará uma situação anômala. Todas as perspectivas de esperança serão destruídas. Estou falando politicamente. Não tive receio lá atrás de negociar a dívida, de propor as mudanças. Começamos arrumando a casa, e vocês sabem a impopularidade que havia. Tínhamos um déficit que estava projetado em R$ 25,5 bilhões, e, pelo orçamento aprovado, vai ser de R$ 8 bilhões. São R$ 70 bilhões de despesa e R$ 62 bilhões de arrecadação. Ninguém pode negar a realidade do Estado. Apesar de todas as medidas que tomamos, de cortar gastos, de recuperar os financiamentos internacionais, de quase operar um milagre para recuperar estradas e condições de trafegabilidade, ainda assim falta muita coisa.
A autorização para aderir ao regime de recuperação fiscal necessita do voto de 28 deputados. Aparentemente o governo tem esses votos.
Preferiria que o Rio Grande do Sul, na calamidade financeira em que se encontra, tivesse a mesma atitude que teve quando uniu as forças políticas (na década de 1970) para trazer o Polo Petroquímico de Triunfo (inaugurado em 1982). Se a Assembleia autorizasse por unanimidade a adesão ao regime, mostraria a força do Rio Grande. Até porque todos que estão na Assembleia, representando partidos e sociedade, já foram governo. Já participei de muitos. E sei que todo mundo que está aqui vai participar novamente de outros governos. Se a semente não for plantada agora, perderemos uma grande oportunidade. É nessa oportunidade que temos de embarcar. Depois, você pode fazer outras lutas, abrir outras frentes, mas, no momento, é preciso dar oportunidade para evitar que amanhã, quem for governo, não tenha de fazer revisão de seus posicionamentos.
O Estado fica ingovernável se não aderir ao regime de recuperação fiscal?
Vai ter dificuldades muito superiores aos constrangimentos que tivemos desde o início do governo.
Constrangimentos como o de parcelar salários?
É. Com tudo o que fizemos, ainda assim não conseguimos evitar de pagar até o 13º, 14º, 15º dia do mês. Mas sempre pagamos dentro do mês (seguinte).
Uma das exigências para aderir ao regime é que o Estado privatize estatais como contrapartida. De onde o governo espera conseguir 33 votos para retirar da Constituição estadual a exigência de plebiscito antes de tentar privatizar CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração?
Temos de tentar. A sociedade entende o que estamos fazendo. De onde você vai tirar o dinheiro para amanhã buscar o equilíbrio da CEEE? Não vai poder viver de sentimentalismo. Vai ter de viver da realidade. A CEEE tem um passivo trabalhista grande. Não adianta tirar do que dá certo (CEEE-Geração) e colocar no que dá errado (CEEE-Distribuição). É uma elucubração fantástica. Agora, nunca falei privatizar. Sempre falei em colocar no sistema federal de energia, inclusive para dar a oportunidade de federalizar.
Para federalizar é preciso conversar primeiro com o governo federal. O senhor já tem sinal de que a União aceitaria a CEEE?
Teria que deixar isso posto, em aberto para poder acontecer. Por que não aderir ao regime? Não é nada, não é nada, mas são 36 meses que você não precisa pagar a dívida, tendo a possibilidade de prorrogar por mais 36. Não é tudo que a gente necessita financeiramente para o Rio Grande, mas é um grande passo. Esse não é um projeto do nosso governo, é um projeto do poder público do RS. Estou convocando a Assembleia porque estou convicto de que essa atitude precisava ser tomada. Imagina se fosse outro governante? Talvez pensasse na eleição e deixasse de pensar nas atitudes que precisa tomar. Se alguém disser que a gente extinguiu fundações, bem, é o nosso governo que fez. Agora, o candidato que for contra, vai ter a oportunidade, na campanha, de dizer isso perante a sociedade e que vai devolver os empregos.
Se tiver de pagar a dívida, o Estado beira o caos. Ficará uma situação anômala.
JOSÉ IVO SARTORI
Sobre a situação do RS caso a Assembleia não aprove a adesão ao regime de recuperação fiscal
Seus opositores dizem que o regime engessaria o próximo governante, pois o que pode e o que não pode ser feito já estaria definido.
As políticas sociais e de infraestrutura de qualquer governante continuarão preservadas. Agora, é melhor isso do que não ter recurso nenhum e ter um déficit operacional muito mais elevado. Tem governo mais engessado do que o nosso? Sou o único governador que não teve oportunidade de fazer empréstimo. Se não aderir ao regime de recuperação fiscal, o Estado não vai poder fazer financiamento algum.
Hoje, já não se pagam as parcelas da dívida com a União por força de liminar da Justiça. Se for aprovado o regime, o senhor vai continuar não pagando por 36 meses (prorrogáveis por mais 36), mas dinheiro novo não vai entrar nos cofres, a não ser por empréstimos. O senhor vai tentar novamente colocar à venda ações do Banrisul para conseguir pagar os salários em dia?
Evidente. A venda de ações não tira a autonomia do banco, mas tem de ter dinheiro na mão.
Em dezembro, o governo não conseguiu vender as ações devido ao baixo valor. O que faz acreditar que desta vez estarão valorizadas?
Não temos nada claro. Vamos ver como se projeta no mercado. Mas a qualquer preço, não vamos vender. Ponto.
O que seria o Estado ideal para o senhor? Passa pela concentração das atividades em saúde, segurança e educação?
É a linha mais correta. E a infraestrutura e as políticas sociais também. Mas tem de ter abertura para mexer na infraestrutura. Por isso, abrimos a possibilidade das concessões e esperamos que, até a metade do ano, a gente já possa definir alguma coisa para dar um primeiro passo. Estamos muito viciados, historicamente, no sentido de que tudo tem de ser nosso, tudo tem de ser para gente.
O caminho são as parcerias público-privadas e as concessões?
Exato. Vou reafirmar aquilo que sempre disse categoricamente, durante todo o período eleitoral: que eu não tinha receio de fazer parcerias.
Mas por que está demorando tanto?
A cultura histórica te impede de fazer rápido. Esses dias, reunido com uns 20 empresários, disse a eles: “Queria que vocês assumissem o poder público só por uns quatro meses para saber que bom que é, como acontecem as coisas rápido, como é só ter vontade, disposição...”. Não é bem assim! Nunca foi. Aprendi isso cedo, quando Pedro Simon me deu uma chance de ser secretário de Estado.
A renovação do aumento do ICMS, que vigora até 31 dezembro de 2018, é uma exigência para aderir ao regime de recuperação fiscal. O senhor vai propor a renovação antes ou após a eleição?
Depois da eleição é que não vou propor. Ganhe quem ganhar. Espero que essa também seja a discussão durante a campanha eleitoral.
Para vigorar em 1º de janeiro de 2019, o aumento de ICMS precisa estar aprovado até 3 meses antes do final do ano. Ainda durante a campanha o senhor vai propor?
Não chegamos a conversar diretamente sobre isso, mas é uma necessidade, não só por causa do regime de recuperação fiscal. Se levantar essa discussão agora, vou contaminar a outra discussão. Vou criar um ambiente de terror. Se quisesse fazer isso, teria feito agora na convocação extraordinária, que tem pouco debate. A questão do ICMS foi absorvida pela sociedade de uma forma ou de outra. Foi a primeira vez que vi empresários e servidores públicos com a mesma opinião, todos contrários, mesmo que alguns fossem beneficiados. Sou daqueles que pensam que sem unidade não vamos ter força política para negociar com o governo federal. Um dos maiores exemplos que o Rio Grande deu para o Brasil foi quando Arena e MDB, juntos, oposição e situação, cumpriram o papel de trazer o Polo Petroquímico.
Na época eram só dois partidos.
Mas o que eu vou fazer, né? Embora hoje todos os partidos sejam iguais.
Todos os partidos são iguais?
Estou te dizendo, né? Acho que tem muitas semelhanças. Tanto é verdade que existe mais partido do que opção político-ideológica. A opção político-ideológica parece que envelheceu, a qualidade diminuiu e não fizemos as reformas importantes que o Brasil precisava, inclusive a política e a eleitoral.
Com esse quadro dramático, o que pode motivar alguém a querer ser governador?
Sempre tem, né? Sempre tem alguém que acha que vai poder fazer uma bancada de deputados maior...
Foi isso que também lhe moveu?
Não, não foi isso. Fui livremente coagido pelo partido a aceitar a candidatura.
Hoje o senhor está prestes a ser livremente coagido a aceitar a candidatura à reeleição. O PMDB tem pressionado por uma definição sua. Quando será?
Quem falou em candidatura? Só se foi pelo jornal.
Não se preocupem comigo. Não estou aí na oferta ou na procura de alguma vaga.
JOSÉ IVO SARTORI
sobre disputar as eleições em 2018
Pelo jornal e nas conversas com líderes do seu partido. Quando o senhor vai decidir se será candidato à reeleição?
Já disse várias vezes que não ia falar sobre eleição.
O calendário eleitoral pressiona por definição.
As convenções só acontecem em julho. Se fosse falar sobre eleição, com certeza não teria convocado a Assembleia Legislativa para votar.
Por que não teria convocado? O que impediria?
Porque todos pressionam para não precisar decidir sobre nada. Problemas eleitorais, relacionamento com a sociedade... Teria perdido a capacidade de tomar atitude.
Na hipótese de o senhor concorrer ao Senado, como já se cogitou no PMDB, teria de sair do cargo de governador no final de março. O senhor poderá ser candidato ao Senado?
Não tenho que falar sobre isso, não posso falar nada. Minha obrigação é ir até o último dia de governo fazendo aquilo que eu disse, aquilo que precisa ser feito. Vou continuar fazendo, mesmo que tenha dificuldade.
O Senado é 100% descartado pelo senhor?
Ninguém falou disso entre nós, nem no partido, nem no governo.
Então, não tem margem para essa possibilidade?
Não tenho a capacidade política do ex-senador Pedro Simon, que, tenho certeza, faz muita falta no Senado. Pelo menos, teríamos alguém para verbalizar as grandes incongruências políticas que estamos vivendo no país. Não se preocupem comigo. Não estou aí na oferta ou na procura de alguma vaga.
Se o projeto de recuperação fiscal for adiante, é um incentivo para o senhor se candidatar à reeleição ou ao Senado?
Acredito, de uma forma quase cristã, que não é uma figura que vai salvar o Estado. Não sou salvacionista. Estou fazendo a minha parte e quero continuar fazendo. Tenho 42 anos de vida pública, sempre tive humildade suficiente de não pedir absolutamente nada. Continuo com a mesma humildade, a mesma simplicidade que aprendi com o meu pai, de não me meter onde não devo antes da hora. Acho que todo homem tem a sua vaidade. Acho que tenho pouca vaidade.