Criado pelo governo do Rio Grande do Sul para permitir que devedores do Estado quitem pendências usando precatórios, o programa Compensa-RS – lançado em 21 de março pelo governador José Ivo Sartori – encerrou a primeira etapa, na última sexta-feira (27), com 35 pedidos de compensação. Em fase de análise, os pedidos partiram de 31 empresas, com débitos de R$ 168 milhões.
Para aderir à iniciativa, as companhias ofereceram precatórios de R$ 206 milhões, mas, como esses títulos podem ser usados para abater no máximo 85% da soma devida, o valor a ser utilizado será limitado a R$ 143 milhões. Os 15% restantes terão de ser bancados em dinheiro, sendo que parte da quantia, por lei, deve ser depositada no ato do requerimento. Até agora, isso significou o ingresso de R$ 5,8 milhões no Tesouro.
O resultado ainda é incipiente diante do tamanho das cifras envolvidas: são R$ 37,1 bilhões em dívida ativa (aquela que o Estado tem a receber dos maus pagadores e que pode ser compensada) e R$ 12,4 bilhões em precatórios (títulos que o Estado tem a pagar aos credores). A expectativa é de que, até 2024, o encontro de contas ajude o governo a recuperar recursos de difícil cobrança e reduza pela metade a fila de precatoristas.
Na avaliação do subsecretário adjunto da Receita Estadual, Luís Fernando Crivelaro, o Compensa-RS começou dentro do esperado. Iniciada em abril, a primeira etapa priorizou 56 organizações, que, no passado, tentaram usar precatórios para pagar impostos quando ainda não havia previsão legal para isso. Agora, para estimular a adesão ao programa, o governo decidiu dar desconto em juros e multas para esse grupo (veja os detalhes abaixo).
— Convidamos essas empresas a aderir e, em cerca de um mês, mais da metade delas correspondeu ao chamado, o que consideramos positivo. As demais podem não estar em atividade, podem ter vendido seus precatórios ou simplesmente não tiveram interesse. Mesmo assim, a possibilidade de compensação segue aberta — afirma Crivelaro.
Entre os estabelecimentos que decidiram se inscrever, há de tudo um pouco: de cooperativas e revendas de veículos a fábricas de calçados e peças. Agora, cabe à Procuradoria-Geral do Estado (PGE) analisar os pedidos e validar as transações.
— Temos de verificar se essas empresas preenchem os requisitos. Uma só companhia, por exemplo, apresentou 180 precatórios para compensação. Nossa tarefa é examinar cada um deles para ter certeza de que não há irregularidades, porque estamos lidando com dinheiro público — explica a procuradora Natália Fantoni, da força-tarefa do Compensa-RS na PGE.
Programa entra em nova fase
com 841 certidões emitidas
Enquanto os primeiros pedidos de compensação são avaliados, a segunda etapa do programa começa nesta quarta-feira (2), voltada a um conjunto maior de devedores. O número exato não foi informado pela Secretaria da Fazenda, mas são milhares de contribuintes que declararam ICMS devido em sua contabilidade e nunca pagaram.
Esse grupo tem até 2 de agosto para aderir, se quiser garantir abatimento de juros. Depois disso, embora a possibilidade de negociação prossiga até 2024, o benefício perde a validade.
Chefe substituto da seção de cobrança da Receita Estadual, Mário de Oliveira Palma reconhece que, ao oferecer desconto, o Estado abre mão de recursos, mas argumenta que a estratégia é uma forma de estimular a regularização e, assim, reduzir o estoque da dívida ativa e a conta de precatórios.
— Quanto mais o tempo passa, mais difícil e custoso é cobrar os devedores e conseguir algum retorno aos cofres públicos. No caso das dívidas mais antigas, é ainda mais complicado, por isso a compensação é uma alternativa importante — pondera Palma.
Um indicativo de que a segunda etapa deve ter interessados é o número de certidões expedidas pela Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios do Tribunal de Justiça do Estado. Até a última sexta-feira (27), conforme a juíza à frente do órgão, Alessandra Bertoluci, foram emitidos 841 documentos do tipo, envolvendo títulos no valor bruto de R$ 320,8 milhões.
Esses certificados servem para atestar a propriedade e o valor atualizado dos precatórios e são exigidos de quem pretende se candidatar à negociação.
— Pela grande procura, estamos otimistas em relação aos resultados. O Rio Grande do Sul é um dos últimos Estados a viabilizar a compensação, e isso pode tirar da fila de pagamento dos precatórios centenas de credores não originários, que estão ali apenas aguardando um negócio. O fato é que muitas empresas esperavam por isso e foram comprando títulos ao longo dos anos. Solucionar esse impasse é importante para virar a página e seguir em frente — sintetiza Alessandra.
ENTENDA O PROGRAMA
Como funciona?
Com o programa Compensa-RS, os devedores do Estado (em sua maioria empresas) que têm débitos inscritos em dívida ativa (aquela que o Estado tem a receber) podem regularizar sua situação usando precatórios vencidos (dívidas que o Estado tem a pagar). As empresas podem ser donas desses títulos na origem ou podem comprá-los de precatoristas.
Dívida do Estado com precatórios: R$ 12,4 bilhões
Dívida ativa do Estado: R$ 37,1 bilhões (débitos registrados até 25 de março de 2015, condição imposta pelo Compensa-RS)
Quais as condições para aderir?
As principais são: o precatório deve ser do Estado, de suas autarquias ou fundações e tem de estar vencido; o débito tributário deve estar inscrito em dívida ativa até 25 de março de 2015 e não pode ser objeto de impugnação ou recurso; o devedor não pode gerar novas dívidas de ICMS enquanto tramita o pedido de compensação.
Toda a dívida pode ser compensada?
Não. O débito inscrito em dívida ativa pode ser compensado em até 85% de seu valor atualizado. O restante tem de ser pago aos cofres públicos.
Até quando pode ser feita a compensação?
Até 31 de dezembro de 2024, data-limite para que Estados e municípios zerem a dívida de precatórios. Empresas que declararam ICMS e não pagaram, podem aderir até o dia 2 de agosto se quiserem garantir desconto nos juros. Depois disso, não há mais o benefício.
É preciso fazer algum pagamento em dinheiro?
Sim. Como condição para a adesão, o devedor tem de pagar, de imediato, até um dia depois de pedir a compensação, 10% do débito em dinheiro, em até três parcelas. Os 5% restantes podem ser parcelados em até 60 vezes.
O devedor precisa ser o credor original do precatório?
Não necessariamente. São aceitos tanto precatórios próprios como de terceiros, que tenham sido adquiridos pelos interessados em fazer a compensação.
O precatório precisa ter o mesmo valor da dívida a ser compensada?
Não. O interessado pode indicar mais de um débito para compensar com o precatório ou usar mais de um precatório na operação, se for o caso.
É aplicado algum deságio ao precatório?
Não. O precatório é aceito por 100% de seu valor líquido (considerando os descontos legais obrigatórios).
Como deve ser feita a operação?
Via internet. É preciso acessar o sistema Compensa-RS no site da Procuradoria-Geral do Estado ou no site da Secretaria da Fazenda do RS, onde também é possível obter mais informações e tirar dúvidas.
Qual é a vantagem da compensação?
Além de receber 15% de dívidas de difícil cobrança em espécie, a principal vantagem para o Estado é abater os precatórios, que somam R$ 12,4 bilhões – o montante pode ser reduzido em 50%. Para as empresas devedoras, é uma forma de regularizar a situação sem desembolsar todo o valor em espécie e, consequentemente, com custo menor.
Tenho um precatório e estou sendo procurado por empresas para vendê-lo. Quando vale a pena fazer negócio?
Depende. O primeiro passo é conversar com o seu advogado para avaliar sua situação. Isso inclui verificar posição na fila e avaliar disposição e condições para esperar. O pagamento integral pode demorar anos, a ponto de o precatorista não receber o dinheiro em vida. Se o precatório não for de natureza alimentar (casos que envolvem pensões e salários, por exemplo), a perspectiva é pior. Outra questão a ser levada em conta é o deságio envolvido. Hoje, as empresas pagam, em média, de 40% a 45% do título (o índice varia). Embora a tendência seja de aumento, o percentual ainda é menor do que o oferecido pela Câmara de Conciliação (60%). Nesse caso, então, é mais vantajoso fechar acordo com o Estado, mas isso não depende apenas da vontade do precatorista, já que ele tem de ser convocado a negociar. Se precisa de dinheiro com urgência, está no fim da fila e não tem perspectiva imediata de ser chamado para conciliar, então, vender o precatório pode ser a alternativa.
AS ETAPAS DA COMPENSAÇÃO
As empresas têm até o fim de 2024 para negociar a troca de dívidas, mas, para estimular e acelerar o programa, o Estado decidiu dar desconto sobre multas e juros para dois grupos específicos de devedores, em duas etapas. Depois disso, a troca continua sendo possível, mas sem os benefícios.
1ª fase: encerrada em 27 de abril
- Envolveu empresas que, no passado, tentaram usar precatórios para abater ICMS, quando ainda não havia previsão legal para o programa.
- Essas companhias foram autuadas, com a cobrança do ICMS devido, multa e juros. Os casos foram parar na Justiça.
- Agora, o Estado deu prazo a esse grupo (56 empresas) para pedir a compensação com redução da multa para 25% do valor do imposto devido e dos juros em 40%.
Resultados
- Das 56 empresas nessa situação, 31 se inscreveram e fizeram 35 pedidos de compensação, com débitos de R$ 168 milhões (já considerada a redução de multa e juros).
- R$ 142,8 milhões (85%) poderão ser compensados com precatórios, sendo que as empresas ofereceram títulos de R$ 206 milhões (o que não for usado continuará como crédito das companhias).
- R$ 16,8 milhões (10%) serão pagos em até três vezes ao Estado (R$ 5,8 milhões já foram depositados) e o restante será quitado em até 60 parcelas.
2ª fase: de 2 de maio a 2 de agosto
- Vale para empresas com débitos de ICMS declarados à Receita Estadual, mas não pagos.
- Agora, terão até 2 de agosto para pedir a compensação por precatórios com desconto de 20%, 25% ou 30% sobre os juros aplicados, dependendo a condição de pagamento escolhida. Depois disso, perdem a vantagem.
Fontes: Secretaria Estadual da Fazenda, Procuradoria-Geral do Estado e Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios do Tribunal de Justiça do Estado