Cinco meses depois da aprovação na Assembleia Legislativa, a lei que permite a compensação de dívidas tributárias por precatórios começa ser colocada em prática no Rio Grande do Sul. Além da expectativa de reduzir pela metade a conta do Estado com precatoristas, a troca de um passivo por outro tende produzir três efeitos: a regularização de empresas em débito com o Fisco, o aquecimento do mercado paralelo de títulos e a perspectiva de negócios milionários para corretoras especializadas na compra e venda desses papéis.
Assinado nesta quarta-feira (21) pelo governador José Ivo Sartori, o decreto que regulamenta a norma deve ser publicado hoje no Diário Oficial do Estado. A partir daí, as pendências inscritas na dívida ativa – aquela que o Estado tem a receber de devedores – poderão ser compensadas em até 85% de seu valor. Os outros 15% terão de ser honrados em dinheiro, sendo que 3% serão revertidos para o pagamento de mais precatórios.
Na prática, os devedores – em sua maioria empresas com ICMS pendente – poderão quitar os débitos usando títulos próprios ou de terceiros, adquiridos de credores fartos de esperar. Hoje, há 57 mil precatórios na fila do Estado, somando R$ 12,3 bilhões (nove folhas de pagamento do Executivo).
— Com esse encontro de contas, a fila vai andar mais rápido — garante o secretário estadual da Fazenda, Giovani Feltes.
Na Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a estimativa é de redução de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões no estoque, a ser zerado até 2024. A cifra foi calculada com base em informações da Associação das Empresas Credoras de Precatórios do Estado (AECP), que representa mais de 40 companhias e foi chamada pelo governo para conversar.
— Quem tem visão de mercado sabe que não adianta criar um grande produto, se não há compradores. Por isso, quando elaboramos a regulamentação, fomos ouvir os interessados em aderir — explicou o vice-governador José Paulo Cairoli, que coordenou as tratativas.
Advogado da associação e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado, Genaro José Baroni Borges diz que a abertura ao diálogo foi positiva. Segundo ele, muitas empresas adquiriram títulos há anos e buscaram a compensação pela via judicial, mas não tiveram sucesso. Agora, a expectativa é a melhor possível.
— A decisão do Estado de autorizar a compensação traz duas vantagens: as empresas inadimplentes irão se regularizar, e isso é bom para a economia, porque hoje muitas têm restrições de crédito, e os precatórios tendem a se valorizar no mercado, o que é bom para as coitadas das pensionistas — argumenta Borges.
O caixa do Estado poderá receber cerca de R$ 700 milhões com a operação. A título de comparação, o rombo nas contas em 2017 foi de R$ 1,7 bilhão. No Piratini, os benefícios da medida são considerados maiores do que as eventuais perdas. Segundo o procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel, trata-se de "mais um passo" para resolver o problema histórico dos precatórios. Estados que já fizeram leis semelhantes, como Santa Catarina e Rio de Janeiro, conseguiram abater suas dívidas em mais de 70%.
Corretora projeta transações de R$ 5 bilhões
Antes mesmo da aprovação da lei, em outubro passado, corretoras especializadas começaram a se preparar para a operação. É o caso da Sul Investimentos, que tem sede em Porto Alegre e é uma das maiores corretoras de compra e venda de precatórios do Brasil. Conforme o presidente da companhia, Cláudio Curi Hallal, a regulamentação "era o que o mercado esperava".
— Pretendemos compensar R$ 5 bilhões em precatórios (no RS), sendo R$ 4 bilhões em novos negócios, que estão em andamento, e R$ 1 bilhão em casos mais antigos. Temos uma parceria grande com advogados especializados nas áreas previdenciária e tributária e já intermediamos 35 mil operações de compra de precatórios no Brasil, sendo cerca de 4 mil no Estado — afirma Hallal.
O empreendedor conta que a corretora cobra 10% do valor total compensado, pelo serviço jurídico prestado e pela auditoria dos créditos, o que, segundo ele, dá maior segurança aos clientes. Hallal lembra que, no passado, os precatórios não tinham valor no mercado _ chegavam a ser vendidos por nem 10% de seu valor. Hoje, paga-se de 40% a 45% do título e a tendência é o percentual aumentar com a elevação da demanda. Conforme a PGE, em alguns casos, o percentual tem chegado a 60%, semelhante ao aplicado pela Câmara de Conciliação.
Entenda o programa
Como vai funcionar a troca de dívidas?
Com o programa Compensa-RS, os devedores de tributos do Estado com débitos inscritos em dívida ativa (aquela que o Estado tem a receber) poderão regularizar a situação usando precatórios vencidos (dívidas do Estado com pessoas e empresas).
Quais as condições para a adesão ao programa?
As principais são: o precatório deve ser do Estado, de suas autarquias ou fundações e tem de estar vencido; o débito tributário precisa estar inscrito em dívida ativa até 25 de março de 2015 e não pode ser objeto de impugnação ou recurso; o devedor não pode gerar novas dívidas de ICMS enquanto tramita o pedido de compensação.
Toda a dívida poderá ser compensada?
Não. O débito inscrito em dívida ativa poderá ser compensado em até 85% de seu valor atualizado. O restante terá de ser pago aos cofres públicos.
Será preciso fazer algum pagamento em dinheiro?
Sim. Como condição para a adesão, o devedor terá de pagar, de cara, 10% do débito em dinheiro, em até três parcelas. Os 5% restantes poderão ser parcelados em até 60 vezes.
Será possível fazer a operação via internet?
Sim, no site da Procuradoria-Geral do Estado (www.pge.rs.gov.br), clicando em Compensa-RS ou no site da Secretaria da Fazenda do RS (www.sefaz.rs.gov.br), clicando em "Compensação de Débitos com Precatórios".
O devedor precisa ser o credor original do precatório?
Não necessariamente. Serão aceitos tanto precatórios próprios como de terceiros, desde que cedido.
O precatório precisa ter o mesmo valor da dívida a ser compensada?
Não. O interessado poderá indicar mais de um débito para compensar com o precatório ou usar mais de um precatório na operação, se for o caso.
Será aplicado algum deságio ao precatório?
Não. O precatório será aceito por 100% de seu valor líquido (considerando os descontos legais obrigatórios).
DÍVIDA DO ESTADO COM PRECATÓRIOS*
Fila para pagamento: 57.518 precatórios
Valor devido pelo Estado: R$ 12,3 bilhões
*Apenas precatórios do Tribunal de Justiça do Estado, a partir de dados consultados no site do órgão em 11 de março de 2018.
DÍVIDA ATIVA DO ESTADO
Total: R$ 43,8 bilhões
Em fase de cobrança administrativa: R$ 8,3 bilhões
Em fase de cobrança judicial: R$ 35,5 bilhões
Créditos que ainda não estão inscritos em dívida ativa: R$ 6,7 bilhões