Alvo de inquietação no Palácio Piratini, o rombo na Previdência do Estado consumiu quase um terço da arrecadação disponível em 2018. Nos últimos 10 anos, devido à insustentabilidade do sistema, o dinheiro drenado para cobrir aposentadorias de servidores cresceu 52% em termos reais (descontada a inflação) e somou, em valores corrigidos, a marca de R$ 99 bilhões. A cifra é maior do que toda a dívida do Rio Grande do Sul.
Em tese, as contribuições dos funcionários públicos em atividade deveriam ser suficientes para financiar os benefícios dos inativos, mas a matemática não fecha há anos. Para garantir que os aposentados recebam o que têm direito, o Estado é obrigado a aportar recursos extras (além da contribuição patronal).
Só no ano passado, esse valor chegou a R$ 11,65 bilhões, recorde histórico, equivalente a 30,8% da receita corrente líquida, isto é, de tudo o que o Estado arrecada, descontadas as transferências legais obrigatórias. O montante ficou acima da cifra orçada, em 2018, para áreas como saúde (R$ 4,1 bilhões), educação (R$ 9,1 bilhões) e segurança (R$ 10,9 bilhões).
Parte do problema se explica pelo fato de que, nos anos de 1970 e 1980, o Estado fez contratações em massa para ampliar a oferta de serviços públicos. O erro foi ter demorado a adotar ajustes capazes de dar sustentabilidade ao sistema.
Em 2011, o ex-governador Tarso Genro (PT) deu o primeiro passo, lançando um fundo de capitalização. Em 2015, José Ivo Sartori (MDB) avançou ao criar um plano de previdência complementar. Apesar de importantes, as medidas contemplam novos servidores e levarão anos para surtir efeito. Tarso e Sartori também elevaram o desconto nos salários dos servidores. Era de 11% até 2012, passou para 13,25% na gestão petista e subiu para 14% na administração seguinte. Ainda assim, o cenário segue piorando.
O agravamento se deve à crescente diferença entre a quantidade de servidores atuantes, que financiam o sistema, e o volume de inativos. Em meados de 2015, o grupo dos que não trabalham superou, pela primeira vez, o contingente ativo, pressionando as finanças do Estado.
Desde então, o desencaixe segue se ampliando. De acordo com o último Boletim de Pessoal, divulgado em outubro de 2018 pela Secretaria Estadual da Fazenda, os servidores que usufruem da aposentadoria representavam 54% do quadro, considerando todos os poderes. No Executivo, havia 125,9 mil profissionais em exercício, frente a 158,1 mil fora de ação.
– O caso do Rio Grande do Sul é extremo, drástico. Entre 2014 e 2017, o número de ativos caiu, em média, 5% ao ano, mais do que nos outros Estados. Já o crescimento médio dos inativos foi de 3%. É um dos poucos Estados que gasta mais com aposentados do que com quem ainda está trabalhando, e isso vai continuar. O déficit previdenciário também vai seguir crescendo. É uma realidade que vai acompanhar os gaúchos, no mínimo, por mais 10 anos – diz Cláudio Hamilton dos Santos, coordenador de Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Por falta de recursos e pelos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (que restringe gastos com pessoal), o governo não consegue repor todas as vagas na velocidade exigida. A saída para o impasse, na avaliação de Santos, depende do Congresso e de alterações que podem ser feitas em nível estadual, como revisão de planos de carreiras e terceirização de serviços.
– A reforma pode ajudar, se conseguir postergar a enorme saída de servidores do quadro de ativos. Isso tem a ver com o aumento da idade mínima para se aposentar. É fundamental alterar as aposentadorias especiais – reforça o economista.
A modalidade citada por Santos contempla categorias numerosas, como professores e policiais, que têm prerrogativa de se retirar mais cedo do que os demais servidores.
No caso do Rio Grande do Sul, magistério e segurança respondem por 80% da folha do Executivo. PMs deixam a ativa, em média, com 48,3 anos. Professores, com 51 anos.
Por ser um tema sensível e passível de desgaste, o governador Eduardo Leite aposta na União para que as mudanças avancem no Congresso.
Alíquota suplementar é alternativa em discussão
Desde que assumiu o comando do Palácio Piratini, Leite está à frente de um movimento nacional, com outros governadores, para apoiar a reforma da Previdência elaborada no Palácio do Planalto. O grupo deseja que as novas regras sejam vinculadas automaticamente a Estados e municípios – sem necessidade de passar pelo crivo das assembleias legislativas – e reivindica mudanças amplas, incluindo servidores civis e militares.
Na última terça-feira, ao discursar na abertura do ano legislativo, na Capital, Leite falou sobre custos do déficit e planos no horizonte.
– Esse dinheiro (usado para cobrir o rombo na Previdência) foi retirado dos impostos pagos pela população, que deveriam retornar ao povo gaúcho em serviços, investimentos, saúde, educação e segurança, e que foram drenados por um sistema previdenciário que não se sustenta. Nosso governo vai, sim, tratar da reestruturação essencial da máquina pública para que caiba no orçamento – disse.
Entre as alterações sugeridas pelos governadores à União, estão a revisão das aposentadorias especiais, a definição de nova idade mínima para solicitar o benefício e a possibilidade de aplicação de alíquota suplementar para reforçar a contribuição do funcionalismo. Em caso de aprovação, o percentual e o prazo de duração da medida poderão variar de Estado para Estado, dependendo da gravidade da situação de cada um. No caso do Rio Grande do Sul, ainda não há nada definido.
Ex-secretário da Fazenda e amigo pessoal de Leite, o economista Aod Cunha tem acompanhado o debate. Ele é conselheiro da Comunitas, organização da sociedade civil que promoveu, no fim de janeiro, o encontro entre um grupo de governadores – entre eles Leite, João Doria, de São Paulo, Ronaldo Caiado, de Goiás, e Helder Barbalho, do Pará – e integrantes do governo federal para tratar do assunto.
– É um momento importante para aprofundar convergências e demonstrar apoio, porque a reforma precisa ser feita e alguns pontos são muitos difíceis para um governador tocar sozinho. Como existem temas específicos que são mais importantes para os Estados do que para o governo federal, a mobilização dos governadores é fundamental.
Um exemplo é a alíquota suplementar acima de 14%. Não digo que vai acontecer, mas é um dos pontos em discussão. O fato é que há uma janela de oportunidade aí, e o Eduardo tem sido um líder – diz Aod.
Na última terça-feira, em reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, Leite afirmou que seu apoio à reforma da Previdência é "incondicional". Ele reiterou a decisão de promover o ajuste das contas do Estado, que inclui medidas como alterações nos planos de carreira e no estatuto dos servidores públicos estaduais.
Sindicato cobra revisão das isenções fiscais
A possibilidade de modificações no sistema previdenciário, em especial nas aposentadorias especiais, é alvo de resistência no funcionalismo. O benefício é considerado uma compensação justa pelas atividades exercidas por professores e policiais e por sua importância para a sociedade.
Em reunião com o governador Eduardo Leite, na Federação Sindical dos Servidores Públicos do Estado (Fessergs), na última quarta-feira, o presidente da entidade, Sérgio Arnoud, deixou clara a posição contrária à reforma da Previdência e à intenção do Palácio Piratini de mexer em planos de carreira – entre os quais, o do magistério. Arnoud elogia a disposição de Leite ao diálogo, mas diz que o governo deve trabalhar para ampliar a capacidade de arrecadação e desviar o foco dos servidores:
– Temos salários congelados há cinco anos (exceto na segurança pública) e já perdemos um quarto do poder aquisitivo. Além disso, não há inchaço da máquina pública. Em alguns setores, a defasagem de quadros chega a 50%. Isso prejudica a prestação de serviços. A alternativa é melhorar as receitas, combatendo a sonegação e revisando as isenções fiscais, coisa que não é feita há muito tempo.