De partidos diferentes, com estratégias políticas antagônicas e propostas distintas para recuperar o Estado, os últimos três governadores com mandatos concluídos no Rio Grande do Sul – Germano Rigotto (MDB), Yeda Crusius (PSDB) e Tarso Genro (PT) – finalizaram suas gestões com algo em comum: contas no vermelho, despesas crescentes e reduzida capacidade de investimentos. Recorrentes na história, os problemas persistem no governo de José Ivo Sartori (MDB) e desafiam o futuro inquilino do Palácio Piratini.
Nos oito anos em que Rigotto e Tarso estiveram à frente do Estado, os gastos foram maiores do que as receitas. Yeda equilibrou a contabilidade e registrou resultados orçamentários positivos por três anos, mas o saldo voltou a ficar negativo no final da jornada – e assim segue até hoje, sem trégua. Raras vezes, os três conseguiram investir acima de 5% da receita em obras, instalações, equipamentos e material permanente. Quando isso ocorreu, foi graças a verbas extraordinárias, provenientes de financiamentos ou da venda de patrimônio.
Elaborada a partir de um pedido de dados à Secretaria Estadual da Fazenda, a radiografia das finanças estaduais entre 2003 e 2014 contempla ainda aplicações em saúde, educação e segurança e desembolsos com pessoal e custeio a cada quatro anos.
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Os resultados da atual administração não estão incluídos, porque o governo ainda está em andamento. Apesar disso, a tendência é de que a gestão de Sartori, afetada por dois anos de recessão e pelo agravamento da crise, também termine com rombo. O déficit orçamentário (diferença entre receitas realizadas e despesas executadas) pode chegar a R$ 3 bilhões em 2018. Se isso se confirmar, será o segundo pior resultado anual desde 2003 (o pior foi em 2015, no primeiro ano do governo Sartori).
Com valores corrigidos pela inflação, o mosaico de números apresentado revela o contexto de cada época, as dificuldades e soluções encontradas pelos gestores para lidar com os obstáculos e a evolução das contas públicas ao longo de mais de uma década.
Rigotto e a briga contra a crise
Há quase 16 anos, Germano Rigotto (MDB) assumiu o governo do Estado anunciando cortes e alertando, em cadeia de rádio e TV, para a "maior crise da história recente do setor público", marcada por cofres raspados, compromissos pendentes e despesas cada vez mais rígidas.
— Esse quadro nos preocupa, mas não nos desencoraja — disse o então governador, no pronunciamento oficial.
O cenário mostrou-se pior do que o projetado. Com a economia abalada por estiagens e safras frustradas, a gestão acabaria atolada em dificuldades do início ao fim. Em busca de alternativas, Rigotto foi o primeiro a usar os depósitos judiciais (verbas de pessoas e empresas em litígio na Justiça) e a pagar o 13º dos servidores via empréstimo do Banrisul. Pressionou pela renegociação da dívida com a União e pelos ressarcimentos da Lei Kandir (que isenta de ICMS produtos destinados à exportação), sem atingir os resultados esperados.
Em fevereiro de 2004, Rigotto atrasou a folha de pagamento e, em dezembro, apelou para aumento de ICMS. No ano seguinte, o Estado amargou queda de 2,7% no PIB. Embora o governo tenha conseguido acumular superávit primário (espécie de poupança para pagar os juros da dívida), sucumbiu às circunstâncias.
— A gente sempre imagina que pode resolver tudo, mas quando senta na cadeira não é bem assim. Os fatores legais e conjunturais pesam. Já nos primeiros dias de gestão, as contas foram bloqueadas porque havia atraso na dívida. Eu era como aquele tesoureiro que precisa administrar o caixa e não tem dinheiro. Mesmo assim, conseguimos dar continuidade ao ajuste que vinha sendo feito desde o início do Plano Real — diz Paulo Michelucci, secretário da Fazenda à época.
Yeda e a política do déficit zero
Em 2007, Yeda Crusius (PSDB) sucedeu Germano Rigotto (MDB) com o firme propósito de atingir o déficit zero e reequilibrar as contas. O fracasso na tentativa de prorrogar o aumento do ICMS dificultou, mas não impediu o intento.
No primeiro ano de gestão, em meio a grandes embates políticos e a duras críticas do funcionalismo, a folha passou a ser parcelada, o pagamento de fornecedores atrasou por 13 meses, os depósitos judiciais continuaram sendo sacados e o 13º salário voltou a ser pago com empréstimo.
Para debelar a crise, o governo ampliou cortes, congelou contratações, segurou reajustes enquanto pôde, proibiu gastos ordinários por cem dias. Abriu o capital do Banrisul e, ajudado pelo bom momento da economia, com o PIB gaúcho crescendo 6,1%, elevou receitas. Resultado: fechou o ano no azul.
— Desde o início, partimos da premissa de que a despesa corrente tinha de caber na receita corrente, sem subterfúgios. Foi o que fizemos — lembra Aod Cunha, titular da Fazenda até janeiro de 2009.
A folha voltou a ser paga em dia, assim como o 13º salário, e Yeda assinou contrato com o Banco Mundial para reestruturar parte da dívida. Em 2008 e 2009, o equilíbrio se manteve, mas, no ano seguinte, a situação mudou outra vez. Embora o governo tenha deixado dinheiro no caixa único e registrado superávit primário ao final dos quatro anos, em 2010 – ano eleitoral marcado por fortes pressões – as despesas executadas voltaram a superar as receitas realizadas, com resultado orçamentário negativo. A política do déficit zero acabou ficando pelo caminho.
— O grande problema foi não termos conseguido apoio para aprovar a lei de responsabilidade fiscal estadual em 2008. Para manter o ajuste, a sociedade precisa estar convencida disso. Infelizmente, não enxergou esse valor — conclui Aod.
Tarso e a meta do Estado forte
Em 2011, Tarso Genro (PT) substituiu Yeda Crusius (PSDB) com a meta de recuperar as funções do Estado – que, na avaliação dele, haviam se deteriorado sob o jugo do rigor fiscal. Isso incluiria recompor os salários defasados dos servidores.
— Era preciso retomar as estruturas públicas e potencializar o funcionalismo, que estava muito desmotivado — diz Odir Tonollier, então secretário da Fazenda.
Ficou decidido que não se falaria em crise. A equipe buscaria saídas para ampliar receitas (sem elevar ICMS), para fazer o Rio Grande crescer no ritmo do Brasil e para revisar o contrato da dívida.
Ao longo do mandato, Tarso encaminhou a renegociação do passivo (concluída em 2017, por Sartori), usou o que restava da margem de endividamento para novos financiamentos e conseguiu, de fato, elevar as receitas. Só que as despesas cresceram mais, em praticamente todas as áreas (inclusive saúde, educação e segurança), com reajustes salariais, parte deles escalonada até 2018.
De 2011 a 2013, registrou superávit primário, mas gastou mais do que arrecadou nos quatro anos. Para não parcelar a folha, sacou depósitos judiciais até o limite e deixou contas em atraso.
Tonollier defende o governo e atribui o desequilíbrio financeiro a imprevistos, em especial a explosão de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs), decorrente de reajustes salariais concedidos e não pagos na gestão de Antônio Britto (então MDB, de 1995 a 1998). Isso se refletiu em sequestros judiciais de valores, sobre os quais não havia controle.
— Não fosse isso, a situação seria diferente. O nosso déficit foi igual ao valor que tivemos de desembolsar por causa do passivo das leis Britto — afirma.