Com o propósito de contribuir para o debate sobre a retomada do desenvolvimento do Estado, ZH solicitou a lideranças empresariais, sindicais e políticas artigos analíticos e propositivos a partir da seguinte questão: O Rio Grande tem saída? Como? A série, iniciada em junho com opiniões de representantes de entidades empresariais, teve continuidade em julho com sindicalistas e lideranças classistas e em agosto com parlamentares. Em setembro, é a vez de governantes.
*Tarso Genro, governador do Estado de 2011 a 2014
É nos momentos de crise, não nos momentos de normalidade, que as pessoas, os grupos políticos, os técnicos e os gestores públicos, mostram na sua plenitude as suas grandezas e misérias. A grave situação financeira do Estado é um exemplo desta situação limite, pois nela a crise chegou na sua maturidade e expôs, de forma cristalina, o que vínhamos advertindo desde os debates eleitorais que nos levaram ao governo: todas as saídas são arriscadas, não há solução de curto prazo, não existem saídas "simples" e a forma de encará-las depende, não só de escolhas determinadas por opções ideológicas e programáticas, como da capacidade política e técnica de implementá-las.
Sempre que se aponta uma solução para uma determinada situação de crise, está se apontando, também, uma repartição de danos e está se selecionando consequências sociais e econômicas que os gestores técnicos e políticos vão ter que responder, mais cedo ou mais tarde. Não há saídas neutras nem saídas que contentem a todos, rapidamente. Por isso, o gestor político faz "escolhas" e apresenta à sociedade suas razões, para ter base social, parlamentar e apoio político para executá-las.
Nosso governo, diante de um desequilíbrio estrutural histórico, liderou uma mobilização nacional para a renegociação da dívida com a União. Naquele momento o RS devia R$ 44 bilhões, depois de pagar por 15 anos uma dívida que começara com R$ 34 bilhões, em valores corrigidos. Assim, a dívida saiu da condição de impagável para uma condição de redução progressiva de seu saldo, que chegará, ao final do prazo contratual, com um montante entre R$ 17 a R$ 22 bilhões menor do que na situação anterior. Os efeitos positivos da alteração são imediatos, pois geram espaço fiscal para novas operações de créditos, sem aumentar o endividamento e com juros menores.
Já com a Previdência Pública, diante do déficit crescente, constituímos um Fundo Previdenciário para os novos servidores, com aumento de alíquota para torná-lo sustentável, desonerando o tesouro no futuro.
Da nossa parte, certo ou errado, apresentamos a estratégia que executamos: utilização do caixa único e dos depósitos judiciais; pagamento de contrapartidas à União para receber vultosos recursos para projetos sociais e econômicos e uso do espaço fiscal para captar financiamentos para investimentos e para financiar o pagamento da própria dívida. Agora, é possível utilizar o novo espaço fiscal, através da redução do montante final da dívida (Lei Complementar 148, duramente conquistada), para obter novos financiamentos.
No plano econômico-social optamos por democratizar os incentivos fiscais, de molde a atrair mais empresas e expandir a cooperação; implementar um grande programa de microcrédito e estimular a agricultura familiar e o empreendedorismo agrícola e rural; desenvolver uma vasta política industrial regional, com aceleração das relações internacionais; recuperar as funções públicas do Estado com a recuperação de salários e de recursos para a saúde, segurança e educação.
Os efeitos destas políticas têm escassa capacidade de impressionar no imediato, pois atuam sobre o médio e longo prazo. Por isso, seria fundamental a continuidade. Como elas não debelam ansiedades do momento, abre-se espaço para os apologistas do neoliberalismo, que prometem melhorias imediatas com menos Estado. Além de não dizerem como fazer, não cumprem.
A nossa ideia-síntese era e é a seguinte: sair da crise crescendo, não depositar sobre os ombros dos mais fracos soluções ilusórias de curto prazo, gerando novas dívidas para o futuro, seja através de dívidas sociais, seja lesando direitos que, mais tarde, serão cobrados com juros e correções (como ocorreu com a Lei Britto). "Remédios amargos" já foram tentados em outros governos e não tiveram êxito. Aliás, o "efeito colateral" gerou alto custo social e econômico para o Estado. O remédio amargo azedou, porque já havia perdido a validade desde a crise mundial de 2008. A coragem está justamente em traçar novos caminhos.