Alvo de debates acirrados, a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal – que promete suspender o pagamento da dívida com a União por até seis anos em troca de uma série de exigências – está longe do consenso na campanha eleitoral. Dos oito candidatos ao governo do Rio Grande do Sul, três são favoráveis ao acordo com a União, quatro rejeitam a proposta e um não respondeu à pergunta de GaúchaZH.
O programa de ajuste foi criado por lei, pelo governo federal, em maio de 2017. O primeiro e único Estado a aderir, até agora, foi o Rio de Janeiro. No caso do Rio Grande do Sul, as tratativas começaram no início do ano passado. A Assembleia aprovou a lei que autoriza o Estado a assinar o contrato, um protocolo chegou a ser firmado, mas as negociações travaram nas contrapartidas impostas pela Secretaria do Tesouro Nacional.
Para aderir ao plano e garantir a carência na dívida (que hoje se dá por meio de liminar judicial), o Estado precisa cumprir um conjunto de requisitos e obrigações, como privatizar estatais e oferecer ativos como garantia à União. Além disso, deve restringir nomeações de servidores, congelar salários do funcionalismo (exceto pela reposição da inflação) e reequilibrar as contas no prazo estipulado (três anos, prorrogáveis por mais três).
Em troca, a União autoriza o governo estadual a parar de pagar as parcelas da dívida no período do contrato, o que garantirá fôlego de cerca de R$ 11 bilhões nos primeiros três anos. A questão é que as somas não pagas terão de ser honradas de qualquer forma no futuro – a União não perdoará as pendências – e, sobre elas, incidirão juros e correção. Estima-se que as parcelas mensais devam aumentar em cerca de R$ 100 milhões, em comparação com o valor que teriam, sem a mudança.
Os defensores da adesão reconhecem que os custos são altos, mas argumentam que não há outra saída, no curto prazo, para amenizar a crise e recolocar as contas nos eixos. Eles temem que a liminar caia e que o Estado seja obrigado a voltar a pagar o que deve.
Já os críticos argumentam que os benefícios são questionáveis, consideram as condições excessivas, temem o engessamento dos futuros governos e fazem a ponderação de que, hoje, mesmo sem pagar as parcelas, o Estado também está em dificuldades.
O principal partidário da adesão nos moldes atuais é o governador e candidato à reeleição José Ivo Sartori (MDB), que transformou o tema em bandeira de campanha.
Eduardo Leite (PSDB) e Mateus Bandeira (Novo) também são favoráveis, mas sugerem pelo menos uma alteração. Jairo Jorge (PDT), Julio Flores (PSTU), Miguel Rossetto (PT) e Roberto Robaina (PSOL) discordam do plano em discussão e propõem alternativas. Procurado, Paulo de Oliveira Medeiros (PCO) não se manifestou.
O que eles pensam:
O senhor é a favor ou contra a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal da União nos moldes em que o acordo está sendo proposto hoje? Por quê?
Eduardo Leite (PSDB)
Tem de haver o regime de recuperação fiscal. Tem de ser firmado o contrato. É a solução possível. Mas entendo que a melhor alternativa é que isso seja feito entre os novos governos. Acredito que um presidente com maior credibilidade – e torço para que seja Geraldo Alckmin (PSDB) – consiga espaço fiscal para negociar em melhores condições com os Estados. O ponto que mais me preocupa é a restrição em torno da nomeação de novos servidores, especialmente na área da segurança pública. Não podemos apenas repor os que se aposentam. Temos de buscar aumento de efetivo.
Jairo Jorge (PDT)
- Afirmou que a guerra fiscal que prejudica o Rio Grande do Sul, a partir do deslocamento de agroindústrias para outros Estados, exige um novo pacto federativo e uma reforma tributária. Ele entende que o governador do Rio Grande do Sul precisa "liderar" o processo. Ao citar que 20 mil famílias abandonaram a produção de leite, avaliou que "o governo não pode assistir de braços cruzados". Avaliou que a Lei Kandir é necessária porque torna os exportadores gaúchos, sobretudo os de soja, mais competitivos no mercado mundial. Ao mesmo tempo, disse que o governo "tem de buscar as compensações da Lei Kandir, não pode ficar parado". Propôs implantar no Estado projeto semelhante ao que adotou no período em que foi prefeito de Canoas, com a chamada lei do gatilho, que reduz a carga de impostos sempre que a arrecadação registra crescimento.
- Destacou que 70 % dos alimentos que chegam à mesa das pessoas provem da agricultura familiar. Por isso, defendeu o fortalecimento da pesquisa e da extensão rural fornecidas pela Emater. Para as famílias do interior, citou o "projeto futuro", que seria uma tentativa de evitar que os jovens abandonassem a vida no campo rumo às cidades polo, causando quebra de sucessão em pequenas e médias unidades de produção rural. Para isso, salientou a necessidade de investimentos em internet e tecnologia no campo. Avaliou como importante o apoio a startups em biotecnologia que criem soluções à produtividade e à geração de renda dos produtores. Também destacou a relevância de levar energia trifásica ao campo.
José Ivo Sartori (PMDB)
- Disse que a guerra fiscal se fixou no país porque não existe um verdadeiro pacto federativo. Se declarou defensor da rediscussão do pacto entre os Estados para que ele seja uma "coisa verdadeira". Atual governador, disse ser "intransigentemente contra a guerra fiscal". Ponderou que, para minorar os efeitos deletérios desta política que leva Estados a entrarem em competição e reduzirem drasticamente suas alíquotas de tributos para atrair empresas, é fundamental criar ambiente de maior unidade entre os governadores, com a discussão de um plano de desenvolvimento de todas as regiões do país de forma integrada. Afirmou que este modelo de integração é o que o seu governo se propôs a fazer para atender as regiões menos desenvolvidas do Rio Grande do Sul.
- Disse que o seu governo alterou recentemente algumas regras do Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf), que permite a comercialização de produtos de origem animal além dos limites do município de origem. As alterações foram feitas com o objetivo de acelerar a adesão das prefeituras ao programa. Citou o apoio do governo a medidas como o Pró-Oliva, destinado a fomentar e consolidar a olivicultura no Rio Grande do Sul. Para Sartori, o cultivo de oliva é "um caminho novo que será importante, somos os maiores produtores de oliveiras do país". Destacou que licenças ambientais estão sendo emitidas em 40 dias — contrapondo comentários de que seria algo demorado — e valorizou a inauguração de cinco delegacias destinadas a combater o abigeato, crime que mais prejudica a economia do campo.
Julio Flores (PSTU)
- Afirmou que a sua proposta é, sim, cobrar impostos, sobretudo os progressivos: "Quanto maior o faturamento de uma empresa, maior o imposto a ser cobrado". Disse que pretende acabar com a Lei Kandir, que, segundo ele, "beneficia grandes empresários e fazendeiros". Para o socialista, isenções de impostos devem ser direcionadas às classes trabalhadores. Ele avaliou que, no atual modelo tributário, são as pessoas mais simples que acabam pagando, proporcionalmente, as maiores cargas tributárias. "Nossa proposta é inverter completamente essa lógica", disse Flores. Ainda citou o montante de R$ 15 bilhões de isenções fiscais concedidas anualmente no Rio Grande do Sul — o valor inclui incentivos estaduais e federais, inclusive aqueles que incidem sobre os produtos da cesta básica.
- Propôs a expropriação dos latifúndios e terras destinadas ao agronegócio. Defende o fortalecimento da pequena propriedade, "que responde pela produção de 70% dos alimentos". Afirmou ser necessária uma reforma agrária que não se limite a distribuir terra para os produtores que não as tem, mas que também alcance um modelo de "fazendas coletivas, desestimulando a propriedade privada no campo". Para o candidato, a reforma agrária, somada à redução da jornada de trabalho, "resolveria parte do problema do desemprego". Contudo, Flores avaliou que o interesse do capitalismo é manter uma massa de desempregados "que continue pressionando os salários para baixo".
Mateus Bandeira (Novo)
- Enfatizou a alternativa das concessões à iniciativa privada como forma de atrair investimentos que reduzam a precariedade da infraestrutura rodoviária. Indicou a intenção de serem estabelecidos prazos limites para que a máquina pública emita as licenças ambientais requeridas por produtores e investidores. Entende ser necessário "muito rigor no combate à criminalidade", não só com as atuais delegacias especializadas em abigeato, mas também com a revisão do estatuto do desarmamento. Para Bandeira, é importante que o produtor rural possa ter direito ao porte de arma para se defender. O candidato do Novo também declarou disposição para rever métodos de fiscalização no campo. Para ele, muitas vezes é privilegiado um viés "punitivo".
- Pretende melhorar os critérios de fiscalização para que o pequeno produtor possa comercializar a sua produção em todo o Estado. Também se mostrou defensor das políticas de extensão e pesquisa rural. Avaliou que o Estado pratica o excesso de impostos e de intervenção pública, o que "atrapalha o pequeno produtor". Neste caso específico, se debruçou sobre os pequenos produtores de tabaco. Diz que o Estado adota altíssima carga tributária que afetam os preços do produto final. Diante disso, ele diz que as pessoas que consomem fumo acabam buscando opções mais baratas, como os cigarros contrabandeados do Paraguai, menos tributados, de menor qualidade e ainda mais nocivos à saúde. "Hoje o contrabando é a principal fonte de receita do crime organizado. É excesso de intervenção que destrói empregos na indústria do tabaco", avaliou Bandeira.
Miguel Rossetto (PT)
- Definiu os "efeitos deletérios da guerra fiscal nas finanças" como "insustentáveis". Disse que sua equipe de governo está trabalhando em propostas que vislumbrem a redução da alíquota interestadual de impostos, o que, na avaliação do candidato, traria "avanço extraordinário". Rossetto chegou a citar a redução dos atuais patamares tributários, de 12% e de 7%, para a casa dos 4%. Ele afirmou que o Rio Grande do Sul precisa ser reposicionado na política nacional. Rossetto destaca que o Estado é credor de R$ 4 bilhões ao ano junto à União por conta das isenções previstas na Lei Kandir. Para Rossetto, é necessária articulação capaz de buscar esses recursos.
- Destacou a "relação construída pelo nosso partido e pelos nossos governos" com a agricultura familiar. "Eles nunca foram tão respeitados", completou o candidato. Citou a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário no governo de Luiz Inácio Lula da Silva e a "multiplicação por dez" do Pronaf. Destacou como prioridades os investimentos em extensão rural e pesquisa. Enfatizou a intenção de tornar o Rio Grande do Sul, cada vez mais, em um produtor de alimentos saudáveis, orgânicos e agroecológicos. Afirmou que irá avançar para que o Sistema Unificado Estadual de Sanidade Agroindustrial Familiar, Artesanal e de Pequeno Porte (Susaf) "seja efetivamente implantado, simplificando a liberação dos produtos da agroindústria". Assegurou o projeto de levar internet e escola para a juventude rural. Criticou o atual governo por "comemorar o fechamento de escolas no campo".
Roberto Robaina (PSOL)
- Avalia que a guerra fiscal permite que empresas façam "chantagem" com os Estados. Para o candidato, é fundamental discutir mecanismos de aumento da receita. Caso contrário, o Estado perde sua capacidade de ser indutor do desenvolvimento econômico. Defendeu uma reforma tributária "geral". Requer que a União ressarça o Estado por cerca de R$ 50 bilhões em perdas em consequência da Lei Kandir, que, na avaliação do candidato, é uma legislação que precisa ser revogada. Disse compreender que a medida traria impacto ao agronegócio, mas ponderou que uma solução possível seria a criação de um imposto nacional sobre as exportações. Esse tributo permitiria aos Estado ter parte da arrecadação, substituindo o atual modelo em que os governo estaduais perdem e deixam de ser ressarcidos.
- Entende que a soja, atualmente, é visto como um produto de "receita certa, o mais fácil de ser vendido". Em consequência disso, acredita o candidato, o avanço das plantações de soja traz ao Rio Grande do Sul uma tendência de diminuição da produção de alimentos, como o arroz e o feijão. Para Robaina, um segundo passo da preferência à soja seria a desindustrialização do Estado, se referindo as unidades dedicadas a beneficiar os produtos alimentícios do campo. "A agricultura do Estado está cada vez mais se tornando uma monocultura", avaliou o candidato. Diante disso, ele ponderou que a sociedade precisa avaliar se quer centralizar sua produção em um programa de exportação de soja. Ele afirmou acreditar em uma política de industrialização, mais alinhada com a produção de alimentos no campo.