Depois de duas semanas de espera e muita ansiedade nos bastidores, o temor da equipe da Secretaria Estadual da Fazenda que elaborou o pedido de adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal se confirmou. Na manhã desta quinta-feira, a Secretaria do Tesouro Nacional concluiu, em parecer preliminar publicado em seu site, que o governo do Rio Grande do Sul não conseguiu atender um dos três requisitos básicos para se habilitar ao programa: provar sua falência financeira, com base no tamanho do comprometimento da arrecadação com a folha e a dívida.
A seguir, veja quais foram os três requisitos exigidos, qual deles não foi cumprido, segundo avaliação da STN, e por quê.
1º requisito: ATENDIDO
Exigência: possuir receita corrente líquida anual menor do que a dívida consolidada ao final do exercício financeiro de 2016.
Avaliação da STN: os dados disponíveis no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), mantido pelo órgão e alimentado pelo próprio Estado, confirmam que a receita corrente líquida foi 2,12 vezes maior do que a dívida em 2016, conforme indicado pelo governo gaúcho.
Receita corrente líquida: R$ 34,65 bilhões
Dívida consolidada: R$ 73,79 bilhões
Dívida 112,95% superior à RCL
2º requisito: NÃO ATENDIDO
Exigência: apresentar montante de despesas líquidas com pessoal, com juros e amortizações, que, somados, representem, no mínimo, 70% da receita corrente líquida (RCL) do exercício financeiro de 2016.
Avaliação da STN: discordou do valor dos gastos com pessoal apresentado pelo Estado, por ser diferente do que está registrado no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi).
Motivos da divergência
1) Historicamente, o governo do RS sempre declarou ao Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), mantido pela STN, despesas de pessoal com base em critérios estabelecidos pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), seu órgão fiscalizador.
2) Esses quesitos não contabilizam uma série de dispêndios, como gastos com pensões, assistência médica, auxílio-refeição, auxílio-transporte, auxílio-creche, bolsa de estudos, auxílio-funeral, abono de permanência e o imposto de renda retido na fonte da remuneração dos servidores.
3) Até então, a metodologia vinha ajudando os governadores gaúchos, porque mantinha as despesas com pessoal dentro do limite da Lei de Responsabilidade Fiscal, de no máximo 60% da receita. Em dezembro de 2016, o percentual ficou em 52,39%, segundo o relatório de gestão fiscal consolidado, disponível no site da Secretaria Estadual da Fazenda.
4) Agora, a estratégia acabou se voltando contra o governo do RS. Isso porque, para conseguir atingir o requisito exigido, o valor apurado com base nos critérios do TCE é insuficiente para comprovar a falência financeira do Estado.
5) Os técnicos do Estado argumentaram, no pedido de pré-acordo, que, nesse caso, deveria ser adotada a metodologia da STN, que contabiliza todos os gastos até então desconsiderados e obedece às determinações do artigo 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Com isso, os gastos aumentariam cerca de R$ 4 bilhões em relação ao valor apurado com base nos critérios do TCE, atingindo R$ 22,58 bilhões.
6) A tentativa não deu certo. Em seu parecer, a STN concluiu que "o Estado adotou valor diferente do publicado no Siconfi", usado como fonte oficial de dados pela secretaria, que considerou o valor de R$ 18,35 bilhões. Dessa forma, o percentual de comprometimento ficaria restrito a 57,98%, abaixo do exigido.
Dados apresentados pelo Estado no plano
Soma das despesas líquidas com pessoal: R$ 22,58 bilhões
Juros e amortização da dívida: R$ 1,74 bilhão
Total: R$ 24,3 bilhões
Receita corrente líquida: R$ 34,65 bilhões
Comprometimento da receita: 70,2%
Dados apresentados pela STN, ao checar as informações do Estado
Soma das despesas líquidas com pessoal: R$ 18,35 bilhões
Juros e amortização da dívida: R$ 1,74 bilhão
Total: R$ 20 bilhões
Receita corrente líquida: R$ 34,65 bilhões
Comprometimento da receita: 57,98%
3º requisito: ATENDIDO
Exigência: apresentar valor total de compromissos maior do que a disponibilidade de caixa em 2016
Avaliação da STN: os dados do Siconfi, segundo a STN, bateram com os apresentados pelo Estado. Conforme os números, o valor das obrigações em 2016 foi de R$ 19,38 bilhões, acima, portanto, das disponibilidades de caixa e recursos livres, que ficaram em R$ 3,39 bilhões.
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O que acontece agora?
De acordo com o decreto que regulamenta lei do regime de recuperação fiscal, em caso de rejeição, o Estado pode reapresentar o pedido de pré-acordo "a qualquer tempo à Secretaria do Tesouro Nacional" para nova avaliação.
Apesar disso, o governo do Estado deve usar uma outra estratégia: recorrer à Câmara de Conciliação criada junto à Advocacia-Geral da União (AGU) em outubro para destravar as negociações entre o governo do RS e a STN.
O corpo técnico da Secretaria Estadual da Fazenda entende que o pedido já tem todos os argumentos possíveis em defesa dos números apresentados pelo Estado. É unânime, no governo, a avaliação de que não podem ficar de fora do cálculo das despesas com pessoal itens como pensões, assistência médica, auxílio-refeição, auxílio-transporte e auxílio-creche.
Os técnicos do Estado também argumentam que a receita corrente líquida de 2016 (R$ 34,65 bilhões) foi "distorcida" pelo ingresso de recursos extraordinários obtidos com a venda da folha do servidores ao Banrisul (R$ 1,28 bilhão). Descontando esse valor, a receita seria, segundo eles, de R$ 33,37 bilhões.
Outro ponto controverso tem relação com os gastos com a dívida. Os auditores lembram que os valores despendidos em 2016 foram menores devido a uma liminar do Supremo Tribunal Federal que suspendeu os pagamentos e a um acordo com a União para parcelamento em 24 vezes desse passivo. Com isso, o desembolso com juros e amortização foi reduzido em R$ 2 bilhões no ano.
Todas essas informações estão no plano apresentado pelo Piratini à STN e, no entendimento do governo, deveriam ter sido levadas em conta pelo órgão do Ministério da Fazenda, já que, se levadas ao pé da letra, representariam comprometimento de 79% da receita.
Ao levar o caso para a AGU, o governo de José Ivo Sartori espera obter a compreensão da advogada-geral da União, Grace Maria Fernandes Mendonça, que em um primeiro encontro, realizado em setembro, se mostrou preocupada com a situação do Rio Grande do Sul. Nos bastidores, Sartori e os secretários também apostam na força política do ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilho, para reverter o quadro.