Depois de um início de ano com indicadores positivos, a reversão das expectativas na economia brasileira atingiu em cheio as finanças do RS, que fechou o primeiro semestre com rombo de R$ 1,55 bilhão, alta de 146,5% em relação ao mesmo período de 2017.
Com a queda nas projeções de crescimento do país e o impacto da greve dos caminhoneiros, a estimativa da Secretaria da Fazenda é de que o déficit financeiro – ou seja, tudo o que ficar para ser pago em 2019, inclusive o 13º salário dos servidores – chegue a R$ 4 bilhões no fim de 2018, sem contar as parcelas suspensas da dívida com a União.
Se confirmado, o resultado será pior do que o de 2017, quando faltaram R$ 3,6 bilhões para honrar todos os compromissos. A perspectiva reduz as chances do governador José Ivo Sartori (MDB) de voltar a remunerar o funcionalismo em dia e já se reflete em mudanças de estratégia política.
A normalização dos pagamentos vinha sendo considerada vital por integrantes do MDB para viabilizar a tentativa de reeleição, tanto quanto a adesão ao regime de recuperação fiscal, outra iniciativa que patina.
— Tinha gente no partido que dizia o seguinte: se Sartori voltar a pagar a folha em dia e assinar o acordo com a União, está reeleito em primeiro turno. Também diziam que, se isso não acontecesse, ele não seria nem candidato. Até agora, não foi possível atingir os dois objetivos, mas Sartori segue candidatíssimo. O discurso é que mudou. Ele vai dizer aos eleitores que fez o possível para reequilibrar as contas e vai pedir voto de confiança para dar continuidade ao esforço — relata uma fonte próxima ao governador.
Na Fazenda, o secretário Luiz Antônio Bins, auditor fiscal aposentado conhecido pelo perfil técnico, limita-se a analisar os números e argumenta que a situação poderia ser pior sem o ajuste fiscal. Bins atribui os dados negativos a uma série de fatores, entre eles a conjuntura econômica.
Em março, o Banco Central chegou a prever crescimento econômico de 2,9% no Brasil em 2018. Desde a paralisação nas rodovias, em maio, a projeção caiu para 1,5%. Na prática, segundo Bins, isso poderá significar em torno de R$ 500 milhões a menos em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS).
– A situação do Estado já era difícil antes. Com a piora do cenário, ficou ainda mais complicada – afirma o secretário.
Para Ely José de Mattos, professor de Economia da PUCRS, não há dúvidas de que o contexto nacional contribuiu para agravar o quadro. Mattos afirma que “qualquer que fosse o governo, estaria vivendo as mesmas dificuldades”.
– O problema do Estado é estrutural. Não há muito para onde correr – afirma o pesquisador.
Se a receita saiu prejudicada, os gastos cresceram. A principal explicação do governo para isso são a legislação eleitoral (que limita algumas despesas ao primeiro semestre) e os reajustes concedidos aos servidores da segurança pública. Também pesou nas contas a decisão do governador de contratar novos agentes.
Falta de sintonia entre poderes
Para conseguir recursos extraordinários, o governo leiloou ações do Banrisul – operação que gerou polêmica e está sob investigação – e chegou a anunciar a intenção de abrir o capital da Banrisul Cartões. Acabou desistindo ao ver que o mercado não pagaria o valor desejado. Também buscou a chancela da Assembleia para antecipar créditos de ICMS com deságio, mas a proposta não teve apoio, assim como o pedido de plebiscito para a venda de estatais.
– As propostas do governo não avançaram por questões de mercado e de calendário eleitoral – ressalta Flávio Pompermayer, da Junta de Coordenação Financeira da Fazenda.
O economista Fábio Pesavento, da ESPM-Sul, lamenta a falta de sintonia entre Executivo e Legislativo. Na avaliação dele, a consulta sobre privatizações deveria ter avançado e o debate em torno do duodécimo (transferência obrigatória de verbas aos demais poderes) nunca poderia ter saído de pauta.
Em 2016, o Piratini tentou modificar as regras do repasse, mas foi impedido pela Assembleia. Se a nova regra estivesse valendo, estima-se que R$ 700 milhões anuais deixariam de ser transferidos para Legislativo, Judiciário e Ministério Público, o que amenizaria o déficit.
– O governo poderia ter feito mais se não dependesse tanto da Assembleia – conclui Pesavento.
Parlamentares como Pedro Ruas (PSOL) discordam. O deputado afirma que Sartori conseguiu aprovar a maioria dos projetos apresentados, mas não teve capacidade para manter a base aliada unida nem para ouvir as sugestões da oposição – entre elas, a revisão de isenções fiscais, que consomem R$ 9 bilhões ao ano.
– A crise financeira existe, não é fictícia, mas, além de não dialogar com a Assembleia, Sartori aprofundou o problema. Vender o Estado não é a solução – opina Ruas.