O Guaíba atingiu nesta sexta-feira (3) o maior nível já registrado, superando o recorde histórico de 1941. Às 21h da sexta, a régua instalada na Usina do Gasômetro registrou 4m77cm, passando em um centímetro a marca de 4m76 da cheia de 83 anos atrás que, na época, devastou o centro de Porto Alegre. Cerca de uma hora depois, às 22h, o nível passou para 4m80cm. Por volta das 4h deste sábado (4), a marca subiu para 4m96cm na régua da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), registrada no Sistema Hidrometeorológico Nacional.
A chuva constante que atinge o Rio Grande do Sul nesta semana provoca mortes e estragos em diferentes cidades do Estado.
O fenômeno é resultado da combinação de áreas de baixa pressão com um canal de umidade que estacionou sobre o território gaúcho.
O aeroporto Salgado Filho suspendeu as operações por pelo menos 24 horas. No RS, 42 pessoas morreram e cerca de 32,2 mil pessoas estão fora de casa. As provas do Concurso Nacional Unificado foram adiadas em razão do desastre climático.
Além dos alagamentos no Centro, a sexta-feira foi marcada pelo rompimento de uma comporta na Avenida Sertório, que fez com que as águas do Guaíba invadissem áreas do Quarto Distrito. As duas pontes do Guaíba estão interditadas por tempo indeterminado.
Guaíba pode chegar a 5 metros?
Segundo o professor do Instituto de Pesquisa Hidráulicas (IPH) da UFRGS, Fernando Mainardi Fan, há uma projeção de que a água alcance de 5m a 5m50cm se a bacia continuar no atual ritmo de elevação. A proteção da Mauá foi construída para suportar uma cota de até 6m.
O pesquisador do IPH reitera que, devido à atual velocidade da subida, a cidade deve estar preparada para evacuação quando chegar à cota de 5m e, com 5m50cm, a retirada da população já deve estar concluída. Ele estima que, em caso de inundação, a água possa levar até uma semana para baixar.
— Os valores máximos (do nível da água do Guaíba) que estamos prevendo para ocorrer entre sábado e domingo são em torno de 5 metros. Quinta-feira, tínhamos uma perspectiva um pouco mais pessimista, de chegar nos 5,5m — afirmou..
Segundo o especialista em hidrologia, a cheia do Guaíba deve se manter no domingo (6), a depender da chuva. Ele também destacou que os cuidados deverão ser seguidos para que haja o menor prejuízo possível à população.
O hidrólogo da Sala de Situação do Estado, Pedro Luiz Camargo, lembra que o sistema de contenção de cheias da Capital foi projetado há mais de cinco décadas e afirma que a estrutura tem capacidade para suportar o volume de água atual.
— Acreditamos que a estrutura foi bem dimensionada e vai cumprir sua função. A situação das comportas que é mais crítica — diz.
Em entrevista coletiva, o governador Eduardo Leite apontou que o sistema de proteção contra cheias da Capital está sob estresse e pediu que as pessoas se afastem das proximidades de áreas alagadas. Embora tenha reafirmado que "confia na resposta" da estrutura, Leite garantiu que as equipes do Exército e da Defesa Civil estão mobilizadas para atuar rapidamente em caso de problemas.
— Mesmo onde há sistema de proteção, peço que as pessoas deixem esses locais. Por mais que a gente confie neles (bloqueios), sempre há preocupação de que possam não resistir ou que algum ponto específico tenha alguma ruptura — alertou Leite, em entrevista concedida no sexto andar do Comando Militar do Sul (CMS).
Vento deve mudar no domingo
O vento que sopra no Rio Grande do Sul, atualmente com componentes de sul, deve mudar de direção no domingo (5), deixando de atrapalhar o escoamento do Guaíba.
— Estamos com um vento que vem do oceano para o continente, um vento leste ou sudeste. O vento nesse sentido empurra a água da Lagoa dos Patos em direção ao continente. Assim, o Guaíba não consegue seguir o curso natural, que é entrar na Lagoa dos Patos e ir para o oceano, saindo pelo porto de Rio Grande — explica Henrique Repinaldo, meteorologista do Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (CPPMet/UFPel).
De acordo com o meteorologista, a água até consegue percorrer o trajeto necessário, mas de uma forma muito lenta, o que não ajuda a escoar o volume represado. Contudo, a culpa da situação atual dos níveis no Guaíba não está na conta do vento. A direção das rajadas é vista como um fator adicional.
A estimativa é de que o vento sudeste tenha entrado com a frente fria que se deslocou na quinta-feira (2). A partir de domingo, esse sistema se enfraquece, permitindo o ingresso de vento com componentes de norte, como é chamado. A previsão é que as rajadas venham da direção norte ou nordeste.
Repinaldo prevê, porém, que as rajadas sejam fracas. Ou seja, a intensidade do vento vindo de nordeste não deve ser forte o suficiente para representar uma melhora significativa no escoamento do Guaíba e da Lagoa dos Patos. O vento deve deixar de atrapalhar o curso natural da água, mas para reduzir o volume mesmo, é necessário que o Jacuí baixe e que a chuva diminua.
Abastecimento de luz e água
- Há 321 mil pontos sem energia elétrica em todo o Rio Grande do Sul nesta sexta-feira (3).
- Na área da CEEE Equatorial, são ao menos 49 mil pontos afetados.
- Na área da RGE, são 232 mil pontos sem luz, a maioria em locais inundados e sem acesso
- Ainda há 40 mil pontos da Certel sem energia
- Voltou a operar, embora com intermitências, o sistema de abastecimento de água Moinhos de Vento, que abrange 21 bairros de Porto Alegre
- As ilhas seguem sem abastecimento de água potável, pelo desligamento de uma estação de tratamento.
Dique do Arroio Feijó
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, informou que o dique do Arroio Feijó estaria com vazamento. A ameaça foi anunciada em coletiva de imprensa com o governador, Eduardo Leite, e o comandante do Comando Conjunto Sul da Operação Taquari 2, general Hertz Pires do Nascimento, no final da tarde desta sexta-feira (3).
— Acabo de ser informado que nós temos um grande dique atrás da Fiergs, todo o Arroio Feijó, e esse dique começou a vazar água agora — disse o prefeito, ao vivo — (A região) envolve umas 12 vilas populares.
Após a breve declaração, Melo deixou a entrevista.
— Aqui é um ponto de atenção muito grande para as cheias. É uma contenção do Rio Gravataí, do Arroio Feijó. Eu recebi, no meio da coletiva, uma mensagem do secretário dizendo de que tinha havido um pequeno extravasamento. Eu diligentemente vim para cá. Realmente houve ele, mas foi contido, porque estamos com várias máquinas atuando e também com restos de asfalto fazendo isso. E saio daqui tranquilo de que não haverá rompimento. Tinha três engenheiros comigo aqui, sendo o secretário, um da Fiergs e outro da Smsurb. E eles me garantem que pode extravasar? Talvez sim, mas com a contenção acho que não. Mas rompimento, não. Uma coisa é rompimento e outra é extravasamento — explicou o prefeito para a Rádio Gaúcha.
A água que extravasou chegou a começar a inundar no bairro Sarandi, especificamente na Vila Nova Brasília. Moradores confirmaram a GZH que a água estaria passando por cima da estrutura.
— Quero tranquilizar as comunidades da Minuano, Vila Brasília, da Farroupilha, da Asa Branca, da Elizabeth e tantas outras que seguem esse canal que, em caso de extravasamento, é onde essa água corre. Está tudo sob controle, a prefeitura está aqui, assim como estamos em outros locais. Eu não poderia deixar de vir aqui, in loco, verificar e sair tranquilo para outras demandas — afirma Melo.
O Arroio Feijó, que serve de limite entre os municípios de Alvorada, Viamão e Porto Alegre, é um afluente do Rio Gravataí.