A chuva constante que atinge o Rio Grande do Sul nesta semana provoca mortes e estragos em diferentes cidades do Estado. O fenômeno é resultado da combinação de áreas de baixa pressão com um canal de umidade que estacionou sobre o território gaúcho.
No decorrer dos dias, o evento climático extremo foi avançando pelo Estado, afetando com maior intensidade determinadas regiões, como Metropolitana, Central, Norte e Noroeste.
Abaixo, entenda como foi esse avanço ao longo da última semana:
Sexta-feira (26)
De acordo com Henrique Repinaldo, meteorologista do Centro de Pesquisas e Previsões Meteorológicas da Universidade Federal de Pelotas (CPPMet/UFPel), o evento teve início na última sexta-feira de abril (26), com pancadas de chuva mais localizadas na metade sul do RS. Na data, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) já possuía dois alertas de perigo ativos, sendo um laranja e um amarelo.
Entre sexta e sábado, os municípios da Metade Sul registraram volumes expressivos de chuva. Repinaldo cita como exemplo Pelotas, que acumulou 100 milímetros de água nesses dois dias, sendo que essa era a quantidade esperada para todo o mês de abril na cidade.
Sábado (27)
A instabilidade se espalhou pelo Estado no sábado, atingindo com grande volume de chuva diferentes cidades da Região Metropolitana — inclusive Porto Alegre — e do Vale do Rio Pardo, por exemplo. Granizo e vento forte deixaram milhares de pessoas sem luz e provocaram destelhamentos no início da tarde em municípios como Candelária, Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires.
O meteorologista explica que a chuva se intensificou em função do deslocamento de uma frente quente da metade norte do RS em direção ao Uruguai na madrugada de sábado, e da posterior entrada de uma frente fria no Estado.
— Teve um contraste térmico, porque a frente fria avançou e estava bastante calor. O choque das massas acabou gerando essa condição de chuva mais intensa, até com granizo — esclarece Patrícia Cassoli, meteorologista da Climatempo.
Domingo (28)
A frente fria seguiu percorrendo o território gaúcho no domingo, passando a atuar mais na Metade Norte. Conforme Repinaldo, ela se deslocou em direção ao oceano e organizou um canal de umidade sobre o Estado:
— Esse canal traz umidade da Amazônia, passa pela Bolívia e pelo Paraguai, e se direciona para o RS. Mas, no domingo, a chuva foi menos importante, com pancadas bem isoladas, ficando mais na fronteira com Santa Catarina.
Contudo, havia alertas do Inmet para chuva, vento intenso e queda de granizo entre a noite de domingo e quase toda a segunda-feira (29). O especialista destaca que a instabilidade se manteve porque o Rio Grande do Sul estava — e ainda está — entre uma massa de ar quente úmido que domina o restante do Brasil e uma massa de ar frio e seco vinda do Uruguai e da Argentina.
Segunda-feira (29)
Na segunda-feira, a instabilidade atingiu primeiro o norte do Estado, na fronteira com Santa Catarina, mas logo começou a se espalhar de forma mais generalizada pelas regiões Noroeste, Norte e Metropolitana. Houve períodos de trégua, mas choveu bastante em todas as áreas, especialmente no Norte.
— O canal de umidade se estabeleceu e se manteve. Além disso, se formaram áreas de baixa pressão que favoreceram a formação de instabilidades e esse canal atua como uma fonte de alimentação constante para isso — diz Repinaldo.
Terça-feira (30)
A madrugada de terça-feira iniciou com a atuação de sistemas mais localizados na faixa central do Estado. Patrícia afirma que houve a chegada de uma nova frente fria ainda mais intensa, que ampliou a força da chuva. Durante o dia, houve registros de desabamento de pontes, deslizamentos, bloqueios em rodovias, milhares de pessoas aguardando resgate ou desabrigadas, rompimento de adutoras, desabastecimento de água e mortes.
De acordo com Repinaldo, Santa Maria e outras cidades da área central registraram os maiores acumulados de chuva, mas as tempestades afetaram também a Região Metropolitana e parte da Serra. Em Esteio e em Cachoeirinha arroios transbordaram, deixando famílias ilhadas e fora de casa.
Em São Sebastião do Caí foi decretada situação de emergência devido à cheia do Rio Caí. O nível das águas ultrapassou a cota de inundação e alcançou os 14m78cm por volta das 18h de terça. Pela manhã, o Rio Pardo também já havia ultrapassado sua cota.
— Geralmente, um canal de umidade não permanece muito tempo, porque entra uma frente fria e leva esse canal para os Estados do Sudeste. O normal é a chuva passar pelo RS e seguir seu caminho, não é comum permanecer tantos dias seguidos sobre o mesmo lugar, mas temos um bloqueio atmosférico, causado pela massa de ar quente do restante do Brasil — enfatiza o meteorologista.
O governador Eduardo Leite pediu ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que enviasse imediatamente mais helicópteros da Força Aérea Brasileira (FAB) para ajudar em resgates de pessoas ilhadas.
Quarta-feira (1º)
O feriado do Dia do Trabalho foi de chuva constante, com sistemas em toda a metade Norte, incluindo a região metropolitana de Porto Alegre. A quarta-feira iniciou com um total de cinco mortes registradas pela Defesa Civil estadual, além de 18 desaparecidos — números que foram aumentando no decorrer do dia. No início da tarde, Porto Alegre já contabilizava 57 pessoas fora de casa.
As principais regiões afetadas pelas enchentes eram Metropolitana, Central, Vale do Rio Pardo, Vale do Taquari e serra gaúcha. Em algumas localidades, como na cidade de Segredo, no Vale do Rio Pardo choveu quase três vezes o esperado para o mês inteiro de abril em apenas 24 horas. Por isso, havia alertas para o risco iminente de transbordamento de rios em várias outras partes do Estado.
Sinimbu, também no Vale do Rio Pardo, estava completamente sem energia elétrica, com prédios destroçados, centenas de pessoas fora de casa e moradores de áreas rurais incomunicáveis. Com estradas bloqueadas, a cidade ficou ilhada por mais de 24 horas e teve sua área central inundada.
Quinta-feira (2)
Na quinta-feira, o cenário meteorológico era praticamente o mesmo. A diferença foi que o canal de umidade se moveu um pouco mais para o norte do Estado, afetando com mais intensidade os municípios da área que faz divisa com Santa Catarina. O dia iniciou com ao menos 18 mortes, 21 desaparecidos e 114 municípios afetados.
— O maior volume de chuva foi no Extremo Norte, com chuva constante. Nas demais regiões, foi de intensidade fraca a moderada. Mas choveu em todo o RS. Nesses dias, todas as regiões experimentaram dias fortes de chuva, mas a metade Norte é toda conectada por rios. Às vezes, não chove em uma cidade, mas chega água escoada de outras, o que agrava a situação — comenta Repinaldo.
Em Alvorada, o Arroio Feijó transbordou durante a madrugada, alagando ruas e fazendo com que pessoas fossem retiradas de casa. No final da manhã, o presidente Lula desembarcou em Santa Maria. Em seu pronunciamento, afirmou que o governo federal trabalhará sem parar com o objetivo de ajudar a reconstruir o que foi afetado pelas enchentes.
— Da parte do governo federal não faltará nenhum esforço para reconstruir o que foi destruído, estaremos aqui 100%. Não vamos permitir que faltem recursos. Não vai faltar dinheiro para a questão da saúde, dos alimentos, dos transportes — disse.
Em Porto Alegre, o Guaíba superou a cota de inundação às 13h15min, ao atingir os 3m01cm. Também no início da tarde, a Usina Hidrelétrica (UHE) 14 de Julho, entre Bento Gonçalves e Cotiporã, rompeu parcialmente por conta do aumento de vazão do rio, impactando na elevação do nível do Taquari e na bacia do Antas.
Já Muçum reviveu o pesadelo de setembro e novembro: o Rio Taquari alcançou 25m88cm e destruiu 80% da zona urbana, além de provocar deslizamentos em cadeia no entorno do município. Isolados após a queda de pontes e bloqueio de rodovias, os 4,6 mil habitantes não têm como deixar a região nem receber socorro. Às 21h45min, o número total de mortes já havia subido para 31 mortes e, de desaparecidos, para 60.
Em Porto Alegre, a elevação contínua faz o Guaíba atingir seu maior nível desde 1941.
Sexta-feira (3)
Na manhã desta sexta-feira, o canal de umidade havia se deslocado mais para o Norte, causando chuva principalmente em Santa Catarina, após ser “empurrado” por uma frente fria. Em Porto Alegre, o dia começou sem chuva, mas a previsão é de retorno da instabilidade, afirma o meteorologista:
— É meio indefinido até onde vai regressar em direção ao sul do Estado. Aparentemente, não deve ser uma chuva tão generalizada, mas há núcleos que podem ser mais intensos no Norte, Serra e Região Metropolitana. Diante da situação, qualquer chuva pode acabar provocando mais estragos.
No final da manhã, a água do Guaíba alcança as ruas do Centro Histórico. As pontes do Guaíba foram fechadas e um grupo de hidrólogos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS publicou um alerta de risco no qual recomenda que as autoridades preparem evacuação em diversos bairros de Porto Alegre, diante do “desenvolvimento de um cenário crítico nas próximas horas e dias”.
Além disso, cerca de 90% do município de Eldorado do Sul foi afetado pela água e há 10 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas na cidade. Os bairros mais atingidos foram Cidade Verde, Vila da Paz, Picada, Parque Eldorado, Bom Retiro, Sans Souci, Assentamento Irga e Chácara.
Em Arroio do Meio, o cenário descrito pelo prefeito Danilo Bruxel é semelhante ao de uma “guerra”. A prefeitura estima que mais de 50% da população está fora de suas casas e mais de 90% da cidade está sem fornecimento de energia elétrica e outros serviços.
No decorrer de cinco dias, cidades do RS registraram mais da metade do acumulado de chuva que costuma ser previsto para um ano inteiro, conforme Repinaldo. A média anual costuma girar em torno de mil a 1,3 mil milímetros, mas Fontoura Xavier soma um total de 684 milímetros. Caxias do Sul, Faxinal do Soturno, Nova Palma, Bento Gonçalves e Soledade também registram totais acima de 500 milímetros, destaca o especialista.