Epicentro das enchentes que devastaram o Vale do Taquari em setembro e em novembro de 2023, Muçum reviveu nesta quinta-feira (2) o pesadelo de ver as ruas da cidade tomadas por uma correnteza lamacenta. Com 748mm de chuva registrados desde segunda-feira (29), segundo dados da prefeitura, o Rio Taquari alcançou 25m88cm, destruindo 80% da zona urbana e provocando deslizamentos em cadeia no entorno do município.
Isolados após a queda de pontes e bloqueio de rodovias, os 4,6 mil habitantes não têm como deixar a região nem receber socorro.
— Estamos com o gabinete de crise montado no hospital da cidade, que é o lugar mais alto, mas estamos encurralados. Não tem como sair por cima, por causa dos deslizamentos, nem por baixo, porque o rio alagou tudo — desabafa o prefeito Mateus Trojan (MDB).
Até o final da manhã, a prefeitura contabilizava 220 desabrigados acolhidos em espaços públicos e milhares de pessoas refugiadas nas casas de parentes ou amigos. A zona rural permanece isolada e sem comunicação. Não há energia elétrica nem sinal de celular na região.
Na enchente de setembro, o Rio Taquari subiu até a marca de 26,11 metros em Muçum, matando 18 pessoas no município. Outros dois moradores arrastados pelas águas nunca foram encontrados. Dois meses depois, a cidade foi novamente assolada por uma enxurrada que deixou marcas de água na altura de 23 metros.
Desta vez, choveu mais, mas em um espaço maior de tempo, sem repetir a violência mortífera. Até agora, não há registros de óbitos.
— O rio ainda não subiu tanto como em setembro, mas tem muita água para descer. Os alertas meteorológicos foram melhores, então deu para quase todo mundo sair de casa a tempo, embora a gente não tivesse projeção de que iria chover tanto — diz Trojan.
Espremida entre o Rio Taquari e os morros que delimitam o lado oeste da Serra gaúcha, Muçum registrou mais de 30 deslizamentos desde segunda-feira, conforme levantamento da Defesa Civil e da Secretaria Municipal de Obras.
A cidade está ilhada, em colapso. Tudo foi destruído de novo.
MATEUS TROJAN
Prefeito de Muçum
Tentando gerenciar o caos a partir de uma sala acanhada do Hospital Nossa Senhora Aparecida, único lugar com energia graças a um gerador, o prefeito resume o sentimento geral dos moradores de Muçum, uma cidade que não conhecia desemprego nem miséria até enfrentar as três enchentes que se sucederam nos últimos oito meses.
— A cidade está ilhada, em colapso. Vamos precisar de comida, água, maquinário, gente. Precisamos de tudo, absolutamente tudo. Estávamos num momento de virada de chave, com o comércio se reerguendo, os espaços públicos sendo reconstruídos. Agora, tudo foi destruído de novo. Não consigo imaginar como recuperar a autoestima, o pertencimento, se nós mesmo não conseguimos nos motivar diante de mais um desastre natural — lamenta Trojan.