Correção: o nível do Rio Taquari em Muçum chegou a 23m no início da madrugada de domingo (19), e não a 2m30cm como publicado entre 13h20min e 15h37min desta segunda-feira (20). O texto já foi corrigido.
Dois meses depois de uma cheia devastadora para o muncípio, Muçum volta a sofrer com a inundação do Rio Taquari em suas áreas mais baixas. Desde a rodovia RS-129, é possível ver, entre deslizamentos de terra e trechos bloqueados, casas com marcas da água, que chegou a 23m no início da madrugada de domingo (19) — 5m acima da cota de inundação, que é de 18m. Na tarde desta segunda-feira (20), o nível do rio recuou para 9m54cm, mas o fornecimento de água potável e de energia elétrica ainda estavam suspensos em grande parte da cidade.
Os estragos das enxurradas de setembro ainda não foram totalmente reparados, e a população novamente organiza um mutirão de limpeza para ajudar pessoas que precisam de doações para recomeçar a vida. Pelas ruas, o cenário é de roupas penduradas em grades e troncos de árvores — doações guardadas desde setembro no ginásio municipal, arrastadas para fora dele pela chuva mais recente.
— Só ouvimos as pessoas falarem em ir embora. Ninguém mostra uma solução, então achamos que nesta cidade não tem mais como viver — lamenta Geci Oliveira, 36 anos.
A casa onde Geci mora com o marido, Erick dos Santos, 29, e os três filhos — Evaldo, 20, Gabriel, 15, e Adryan, três — foi invadida pela água do Taquari no final de semana. Segundo eles, o rio trouxe menos barro e menos água do que em setembro, mas provocou medo e tristeza semelhantes. Erick conta que perdeu o emprego em setembro em decorrência dos repetidos dias em que precisou se ausentar do trabalho para resolver a mudança da família. Eles achavam que tinham encontrado um local seguro e mais estruturado para recomeçar, até verem a água chegando novamente à calçada na noite de sexta (17).
— Recém estávamos começando a remontar a nova casa alugada. Recebemos doações de cama, roupa, pia e fogão. Vamos tentar limpar os colchões e roupas, mas a maior chance de aproveitar é o fogão e a pia — avalia.
Reunidos na varanda, os cinco aproveitavam o sol para secar os colchões e bases embarradas na manhã desta segunda. Tênis e brinquedos tingidos de marrom confundiam o caçula da família, que recebeu a reportagem apontando para cada item e mostrando que sabia os nomes das cores de cada um deles. Com um rodo em mão, "brincando" de limpar o chão embarrado durante a pausa dos adultos, Adryan resumiu:
— A água levou tudo.
Ele, a mãe, o pai, os irmãos e outras 175 pessoas passaram o final de semana no CTG Sentinela da Tradição, em um ponto mais alto da cidade, de acordo com a prefeitura de Muçum. Não havia registros de feridos ou de mortos até a manhã desta segunda-feira.
A duas quadras da casa desta família, o diretor da Escola Estadual de Ensino Médio General Souza Doca, Jamir Joanella, 58, tinha a camiseta, as calças jeans e as botas com manchas de barro. Ele e a vice-diretora Charlene Vigolo, 42, chegaram ao prédio às 7h30min para recomeçar a limpeza e a reforma necessárias desde setembro para auxiliar a comunidade.
— Não perdemos tanto porque ainda nem tínhamos recebido o que foi prometido em setembro — disse Charlene, que também trabalha na rede municipal.
Eles afirmam que a única vez em que tinham visto a água ultrapassar o meio-fio em 12 anos de trabalho na escola tinha sido em 2020. Neste 2023, menos de três meses separaram duas enchentes de diferentes proporções, mas igualmente desoladoras para os trabalhadores.
— Acho que essa limpeza vai durar mais umas duas semanas. Tem colega que perdeu a casa. Voltaram abalados, até choravam nestes dois últimos meses, e agora perderam tudo de novo — comenta o diretor.
Nas inundações de setembro, 45 dias sem aulas foram necessários para limpar, trocar as estruturas destruídas pela água, angariar mobiliário doado e recomeçar o calendário letivo — que ainda está defasado desde a pandemia.
— Nosso auditório estava ficando lindo, temos sala de brinquedo com muita doações que recebemos de setembro, mas agora foi tudo pro barro de novo. Sem falar na biblioteca e na informática, que, até agora, parecem o maior prejuízo desta vez — detalha Jamir, ao lado de uma montanha com centenas de livros e uma estrutura onde 20 classes escolares embarradas secavam sob o sol.
Na entrada de cada sala do segundo andar, era possível ler mensagens de carinho para os alunos que encontravam na escola uma estrutura menos abalada do que a própria casa inundada. Ao lado do portão, um tecido vermelho que não foi atingido pela água ainda mostra, em letras brancas, o incentivo: “Que nunca nos falte coragem para recomeçar”.