No dia 3 de março, foi revelado que uma comitiva do então governo do presidente Jair Bolsonaro, liderada por um ministro, tentou ingressar no Brasil, em outubro de 2021, com conjunto de joias avaliado em cerca de R$ 16,5 milhões, que seriam um presente do governo da Arábia Saudita para o ex-presidente e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
A Receita Federal apreendeu os objetos no aeroporto de Guarulhos, pois os itens precisavam ser declarados ao ingressar no Brasil e não poderiam ser considerados itens pessoais, caso contrário, deveria se pago imposto de importação. Sem esclarecer a destinação, até os últimos dias de seu governo, Bolsonaro tentou reaver as joias, sem sucesso.
Além disso, um segundo pacote também foi trazido ao Brasil e recebido no Palácio da Alvorada. Posteriormente, também foi revelada a existência de um terceiro pacote de joias, recebido pelo próprio presidente Jair Bolsonaro em uma viagem de outubro de 2019.
Confira a seguir o que já se sabe sobre o caso:
Quais são as joias envolvidas no caso?
O primeiro pacote, apreendido pela Receita Federal em Guarulhos, contém um conjunto com colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes. Os itens são avaliados em R$ 16,5 milhões e são da marca suíça Chopard.
Um segundo pacote, que não foi apreendido no aeroporto, contém um relógio, uma caneta, abotoaduras, um anel e um masbaha (peça semelhante a um rosário, mas muçulmano) da marca suíça de diamantes Chopard. Foram trazidos ao país por comitiva do Ministério das Minas e Energia, em outubro de 2021, no retorno de um evento no país do Oriente Médio.
Também já foi revelada a existência de um terceiro pacote. O conjunto incluía um relógio de ouro branco da marca Rolex, um anel de ouro branco, uma caneta da marca Chopard, um par de abotoaduras de ouro branco e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) — todos com diamantes cravejados. Os itens são avaliados em mais de R$ 500 mil.
Para quem eram as joias?
Segundo integrantes da comitiva que viajou ao Oriente Médio em outubro de 2021, as joias dos primeiros dois pacotes seriam um presente do regime saudita para o então presidente e a então primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Já o terceiro pacote também teria sido um presente ao ex-presidente, que recebeu os itens pessoalmente.
Quem fez parte das comitivas?
Na comitiva que recebeu os dois primeiros pacotes, estavam o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e um militar que atuava como assessor, Marcos André Soeiro, que tentou ingressar no Brasil com as joias em sua mochila.
Bolsonaro e Michelle não estavam neste grupo, mas o ex-presidente estava na viagem de outubro de 2019, a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, quando recebeu o terceiro pacote revelado.
O que a legislação prevê em relação a presentes de chefes de Estado?
Nesta situação, as joias seriam consideradas como item pessoal, portanto, tinham de ser declaradas, como faz qualquer viajante. A lei determina que, para entrar no país com mercadorias acima de US$ 1 mil, o passageiro precisa pagar imposto de importação equivalente a 50% do valor do produto.
Quando o passageiro omite o item — como foi o caso do assessor do governo — tem de pagar multa adicional de 25% do valor. Ou seja, se quisesse reaver as joias, Bolsonaro teria de pagar cerca de R$ 12 milhões.
Existe uma forma em que não seria necessário pagar imposto na chegada com as joias: bastaria que elas fossem declaradas como um presente para o Brasil. Nesse caso, porém, os itens ficariam com o Estado brasileiro, não com Michelle ou com Jair Bolsonaro.
Em nota divulgada pela Receita Federal, o órgão informou que a incorporação de um presente do tipo trazido do Exterior ao patrimônio da União "exige pedido de autoridade competente, com justificativa da necessidade e adequação da medida, como por exemplo a destinação de joias de valor cultural e histórico relevante a ser destinadas a museu", o que não foi cumprido no caso.
Como o governo tentou reaver as joias?
O governo Bolsonaro teria escalado três ministérios (Relações Exteriores, Minas e Energia e Economia) para tentar recuperar as joias, que seguem retidas pela Receita Federal.
Apurações de diversos órgãos de imprensa indicam que o governo Bolsonaro tentou reaver o pacote apreendido em oito oportunidades, ao menos, inclusive a poucos dias do fim do seu mandato presidencial, em 29 de dezembro de 2022, quando um militar foi enviado especialmente ao aeroporto de Guarulhos para tentar liberar o pacote junto à Receita Federal. A tentativa foi flagrada em vídeo.
Naquele mesmo dia, o gabinete do então presidente solicitou que os itens fossem cadastrados no sistema federal como "acervo privado", já que, segundo a justificativa, tratava-se de um presente do regime saudita.
Uma servidora da Presidência da República relatou à Polícia Federal que havia recebido ordens para lançar com antecedência as joias apreendidas, antes de serem liberadas pela Receita, e que, posteriormente, outro servidor teria determinado que os ofícios enviados ao Departamento de Documentação Histórica fossem excluídos do sistema, já que a operação para resgate das joias havia fracassado.
O que afirma Jair Bolsonaro sobre o caso?
Em entrevista a jornalistas na saída da Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC), um dos maiores eventos conservadores dos Estados Unidos, Jair Bolsonaro afirmou que não pediu nem recebeu os itens de luxo.
— A legislação diz que poderia usar, mas não se desfazer do bem. Agora eu estou sendo crucificado por um presente. Alguns jornais disseram que tentei trazer joias ilegais para o Brasil, não existe isso — declarou o ex-presidente na ocasião.
Bolsonaro ainda negou ter enviado um avião da FAB para tentar liberar as joias. O jornal O Estado de S. Paulo afirma ter localizado a solicitação à FAB para levar o chefe da Ajudância de Ordens do Presidente da República, primeiro-sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva. O documento dizia que a viagem de Silva era "para atender a demandas do Senhor Presidente da República naquela cidade", com retorno "em voo comercial no trecho Guarulhos para Brasília".
Contudo, segundo afirmado em matéria do Estadão, Jair Bolsonaro teria recebido pessoalmente um dos pacotes de joias da Arábia Saudita que chegou ao Brasil. Ao jornal, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente, disse que o estojo com as joias está com Bolsonaro. De acordo com a apuração, documentos oficiais comprovam que o pacote foi entregue no Palácio da Alvorada, com um recibo indicando que as joias de diamantes foram recebidas pelo funcionário Rodrigo Carlos do Santos, às 15h50min do dia 29 de novembro de 2022.
Bolsonaro confirmou, em entrevista, que parte dos presentes encaminhados pelo príncipe da Arábia Saudita em 2021 foi incorporada ao acervo privado dele. Segundo o ex-presidente, foram enviados estojo com uma caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e um terço, e não teria havido "nenhuma ilegalidade" no episódio. No dia 24 de março, um advogado do ex-presidente entregou o segundo pacote de joias em agência da Caixa localizada na Asa Sul, região central de Brasília, e no dia 4 de abril, devolveu o terceiro pacote revelado.
O que afirma Michelle Bolsonaro?
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro fez uma postagem afirmando que "não estava sabendo" que tinha "tudo isso", referindo-se às joias de diamantes avaliadas em R$ 16,5 milhões que o governo Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o país.
"Quer dizer que, eu tenho tudo isso e não estava sabendo? Meu Deus! Vocês vão longe mesmo hein?! Estou rindo da falta de cabimento dessa impressa (sic) vexatória", publicou Michelle nos stories do Instagram.
O que Bento Albuquerque e o assessor alegam?
Em entrevista, Albuquerque afirmou que as joias seriam destinadas para Michelle Bolsonaro, esposa do ex-presidente.
— Isso era um presente. Como era uma joia, a joia não era para o presidente Bolsonaro, né... deveria ser para a primeira-dama Michelle Bolsonaro. E o relógio e essas coisas, que nós vimos depois, deveria ser para o presidente, como dois embrulhos — informou Albuquerque sobre o caso.
Depois, em nota, a assessoria do ex-ministro Bento Albuquerque afirmou que as joias eram “presentes institucionais destinados à representação brasileira integrada por Comitiva do Ministério de Minas e Energia – portanto, ao Estado brasileiro. E que, em decorrência, o Ministério de Minas e Energia adotaria as medidas cabíveis para o correto e legal encaminhamento do acervo recebido”.
Em depoimento à Polícia Federal no dia 14 de março, o ex-ministro admitiu que não informou aos fiscais da Receita Federal do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, que portava um estojo de joias dado por autoridades da Arábia Saudita ao Estado brasileiro. Albuquerque, no entanto, disse aos investigadores que só abriu a caixa no dia seguinte, no ministério, onde os itens ficaram guardados por aproximadamente um ano.
Os sauditas se manifestaram sobre o caso?
Não. A Embaixada da Arábia Saudita, em Brasília, ainda mantém em silêncio. Não houve manifestações públicas em canais oficiais, em seu site ou em redes sociais. Apesar de tentativa de contato por e-mail, a representação saudita não respondeu ao pedido de esclarecimentos. Os telefonemas também não foram atendidos.
Devolução de alguns itens
O advogado Paulo Amador da Cunha Bueno entregou, no dia 24 de março, o segundo conjunto de joias que foi recebido ilegalmente pelo ex-presidente. O estojo é composto por relógio com pulseira em couro, par de abotoaduras, caneta rosa gold, anel e um masbaha (uma espécie de rosário islâmico) rose gold, todos da marca suíça Chopard. O site da loja vende peças similares que juntas somam, no mínimo, R$ 400 mil.
Bueno levou o conjunto para uma agência da Caixa localizada na Asa Sul, região central de Brasília, seguindo determinação do Tribunal de Contas da União (TCU).
A defesa de Bolsonaro também entregou um fuzil e uma pistola presenteados pelos Emirados Árabes. Os itens foram dados ao presidente em 2019, quando Bolsonaro voltou do Oriente Médio, em um avião da Força Aérea Brasileira. As armas chegaram à PF nas mãos do segundo-tenente Osmar Crivelatti, que foi assessor de Bolsonaro durante o governo. O advogado Bueno também estava presente no ato da entrega.
A defesa do ex-presidente também devolveu o terceiro kit de joias que recebeu da Arábia Saudita, incluindo o relógio Rolex de ouro branco cravejado de diamantes, na terça-feira (4).
Ajuda de Nelson Piquet
O ex-presidente Jair Bolsonaro contou com a ajuda de um apoiador para arrumar um lugar onde guardar suas caixas de presentes recebidos durante seu mandato, como as joias de diamantes, e que não queria entregar para a União. Conforme apurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, dezenas de caixas com pertences foram despachadas para uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet.
O local escolhido para guardar os presentes é conhecido como Fazenda Piquet, e fica localizado no Lago Sul, uma das regiões mais nobres de Brasília. A reportagem apurou ainda que tudo que foi destinado à propriedade de Piquet saiu pelas garagens privativas do Palácio do Planalto e também do Palácio da Alvorada, a residência oficial dos presidentes da República.
Confira a cronologia do caso até agora
- 26/10/2021 - Chegada da comitiva do governo federal ao Brasil e apreensão de um pacote de joias avaliadas em R$ 16,5 milhões no aeroporto de Guarulhos pela Receita Federal. Bento Albuquerque tenta pessoalmente a liberação das joias, sem sucesso
- 29/11/2022 - Entrega no Palácio da Alvorada de um segundo pacote de joias, que teria sido conferida diretamente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro
- 29/12/2022 - Após algumas tentativas infrutíferas de liberar as joias junto à Receita Federal nos meses anteriores, um sargento da Marinha é enviado pela Presidência para Guarulhos em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para tentar mais uma vez a liberação do pacote
- 3/3/2023 - O Estadão publica a primeira matéria que revela a apreensão das joias pela Receita Federal em 2021, trazendo o caso à tona. Ainda na noite do dia 3, Michelle Bolsonaro faz uma postagem em suas redes sociais ironizando o suposto presente
- 4/3/2023 - Jair Bolsonaro, ainda nos Estados Unidos, se manifesta pela primeira vez sobre o caso, afirmando que não tentou trazer as joias para o Brasil e que estava "sendo crucificado por um presente que não recebeu"
- 6/3/2023 - Flávio Dino envia um ofício à Polícia Federal pedindo a abertura de um inquérito para investigar o caso, o que ocorre ainda na noite do dia 6. A Receita Federal também emite uma nota informando que irá investigar o segundo pacote de joias
- 7/3/2023 - A Controladoria-Geral da União informa que também irá instaurar uma investigação preliminar sumária (IPS) com o objetivo de analisar a conduta de autoridades públicas no caso
- 8/3/2023 - Em nova entrevista, Bolsonaro confirma o recebimento de parte dos itens enviados pelas autoridades da Arábia Saudita, alegando, contudo, que "não teve nenhuma ilegalidade" no episódio
- 9/3/2023 - TCU proibe o ex-presidente Jair Bolsonaro de usar, dispor e alienar o conjunto de brilhantes que já estão em seu poder
- 13/3/2023 - Defesa de Bolsonaro diz que vai entregar segundo estojo de joias para o TCU
- 14/3/2023 - Ocorre o depoimento do ex-ministro Bento Albuquerque à Polícia Federal
- 15/3/2023 - TCU decide que Bolsonaro deve devolver as joias que recebeu
- 24/3/2023 - Advogado de Bolsonaro entrega à Caixa um dos pacotes de joias que estava com ex-presidente
- 27/3/2023 - Revelado que o ex-presidente recebeu um terceiro pacote de joias da Arábia Saudita, em viagem ocorrida em outubro de 2019
- 28/3/2023 - Divulgado que Bolsonaro guardou joias e outros presentes em fazenda de Nelson Piquet, em Brasília
- 04/4/2023 - Advogado de Bolsonaro devolve o terceiro pacote revelado
- 05/4/2023 - Depoimento de Jair Bolsonaro e Mauro Cid à Polícia Federal sobre o caso.