O ex-presidente Jair Bolsonaro contou com a ajuda de um ilustre apoiador para arrumar um lugar onde guardar suas caixas de presentes recebidos durante seu mandato, como as joias de diamantes, e que não queria entregar para a União. Conforme apurado pelo jornal O Estado de S. Paulo, dezenas de caixas com pertences foram despachadas para uma propriedade do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet.
O local escolhido para guardar os presentes é conhecido como Fazenda Piquet, e fica localizado no Lago Sul, uma das regiões mais nobres de Brasília. A reportagem apurou ainda que tudo que foi destinado à propriedade de Piquet saiu pelas garagens privativas do Palácio do Planalto e também do Palácio da Alvorada, a residência oficial dos presidentes da República.
A data inicial para envio das caixas foi registrada no dia 7 de dezembro do ano passado, quando Bolsonaro começava a organizar a sua saída dos palácios, após a derrota na eleição presidencial. Apesar do pedido ter ocorrido nesta data, houve atraso na remessa, e os itens só seriam encaminhados à casa de Nelson Piquet no dia 20 de dezembro do ano passado, uma terça-feira, às 9h. Faltavam apenas 11 dias para o fim do mandato do ex-presidente. Na semana seguinte, Bolsonaro mandaria um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para tentar resgatar a caixa de diamantes que era destinada a Michelle Bolsonaro, como seu próprio ministro Bento Albuquerque reafirmou ao jornal O Estado de S. Paulo.
As informações apuradas pela reportagem mostram que houve o claro objetivo de Bolsonaro em ficar com os itens de maior valor, uma vez que apenas estes foram enviados para a propriedade de Nelson Piquet, enquanto outros itens, como cartas e livros, por exemplo, foram despachados para o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro e a Biblioteca Nacional do Rio. Para estes itens, portanto, o entendimento foi que seriam bens do Estado brasileiro, enquanto as joias foram tratadas como bens pessoais.
A reportagem procurou Nelson Piquet para questioná-lo sobre os motivos de guardar, em sua propriedade, os bens que o ex-presidente alega que são dele, apesar deste entendimento contrariar a lei e o que determinou o Tribunal de Contas da União (TCU) em 2016. Não houve resposta até a publicação desta matéria.
Piquet é um cabo eleitoral ativo de Bolsonaro e esteve presente em atos golpistas realizados em 2022. Em novembro do ano passado, um mês antes de alocar os presentes do então presidente, o ex-piloto brasileiro participou das manifestações bolsonaristas contra a derrota Bolsonaro na disputa à reeleição. Um vídeo do tricampeão mundial de Fórmula 1 ao lado de um apoiador do presidente circulou nas redes sociais, onde ele dizia: “Vamos botar esse Lula filho de uma p* para fora”, se referindo ao atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-piloto chegou a fazer uma doação de R$ 501 mil para a campanha de Bolsonaro. A informação, registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), veio a público no fim de agosto, transformando o corredor e empresário no maior doador “pessoa física” da campanha do presidente à época.
Ainda em agosto, a empresa de Piquet, a Autotrac Comércio e Comunicações, recebeu um aditivo de cerca de R$ 6,6 milhões, correspondente a um contrato assinado em 2019, sem licitação, com o Ministério da Agricultura, já no governo atual. A parceria veio apesar de a empresa dever R$ 6,3 mil em impostos.
Terceiro pacote de joias
Na noite de segunda-feira (27), foi revelado que Bolsonaro ficou com um terceiro pacote de joias dadas pelo regime da Arábia Saudita quando deixou o mandato, no fim de 2022. A reportagem apurou que o estojo inclui um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes. A caixa de madeira clara, que traz o símbolo verde do brasão de armas da Arábia Saudita, contém uma caneta da marca Chopard prateada, com pedras encrustadas.
Há um par de abotoaduras em ouro branco, com um brilhante cravejado no centro e outros diamantes ao redor. Compõe o conjunto, ainda, um anel em ouro branco com um diamante no centro e outros em forma de “baguette” ao redor, uma “masbaha”, um tipo de rosário árabe, feito de ouro branco e com pingentes cravejados em brilhantes. Há informações de que, como ocorreu com a segunda caixa de joias levada a Bolsonaro, esta possa estar entre os bens guardados na Fazenda Piquet.
O relógio Rolex da terceira caixa é encontrado na internet pelo preço de R$ 364 mil. Os demais itens, quando comparados a peças similares, somam, no mínimo, R$ 200 mil. Isso significa que esta terceira caixa de presentes está estimada em mais de R$ 500 mil, na hipótese mais conservadora.
A reportagem apurou que este conjunto de joias, diferentemente das outras duas caixas enviadas a Bolsonaro, foi recebido em mãos pelo próprio ex-presidente, quando esteve com sua comitiva em viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019.
O ex-presidente afirmou que deve retornar ao Brasil na quinta-feira (30), às 7h, para “trabalhar com o Partido Liberal” e “fazer política”. A expectativa é de que ele preste esclarecimentos sobre todas as joias que recebeu irregularmente e as que tentou receber.
Como mostrou a reportagem, Bolsonaro mobilizou não apenas ministérios, mas também militares, a chefia da Receita Federal é até um voo da Força Aérea Brasileira para tentar retirar o conjunto de diamantes detido pela alfândega. A Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF) investigam os fatos, que podem resultar em crime de peculato, que ocorre quando um funcionário público se utiliza do cargo para ficar com algum bem que deveria ser público. A pena prevista é de dois a doze anos de prisão, além de multa.