Esclarecimento: na época da publicação desta nota, o conjunto Choppard com diamantes era avaliado em R$ 16,5 milhões, que é o valor citado no título. Mais tarde, a Polícia Federal fez uma perícia e corrigiu esse valor para R$ 5,08 milhões.
O caso do presente de joias com diamantes da Arábia Saudita ao Brasil - sem contar o segundo, que teria entrado ilegalmente e cujo destino é ainda incerto - é um daqueles que se deve estudar para saber o que não deve ser feito.
A extensa e documentada apuração do jornal O Estado de S. Paulo não deixa dúvidas sobre as sucessivas tentativas de tratar um bem público como se privado fosse.
Não foi "distração" ou "confusão" momentânea, nem pode ser alegada ignorância de regras, já que a Receita Federal - neste caso, um modelo positivo de comportamento, ao resistir a pressões difíceis de enfrentar - esclareceu qual deveria ter sido o destino do presente ainda em 2021.
E como mostra nova atualização publicada nesta terça-feira (7), a derradeira manobra foi feita em 29 de dezembro passado, mais de um ano depois da entrega das joias e véspera da viagem de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos. Por meio de um ofício assinado pelo então ajudante de ordens da Presidência, Mauro Cid, um primeiro-sargento da Marinha foi enviado para tentar retirar o pacote.
Indicado pelo governo, o então superintendente da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, queria liberar as joias "no grito" - o militar encarregado da missão impossível chegou a tentar passar o telefone ao funcionário da Receita encarregado da guarda dos objetivos com o chefe do órgão no outro lado da linha. Em vez de ceder à pressão, que não era pequena, o servidor encarregado, Marco Antônio Lopes Santana optou por seguir as regras. Solicitou que o caso fosse encaminhado ao responsável pela alfândega de Guarulhos.
Para o cidadão comum brasileiro, é reconfortante saber que o Fisco que o aperta todos os dias na hora de pagar as compras, uma vez ao ano na hora de declarar o Imposto de Renda e representa um desincentivo ao descaminho "miúdo" - aquele que vem em malas do Exterior - também ruge quando há um leão com juba maior no alvo.
O comportamento de manual do funcionário não evitou que passasse, na bagagem de outro integrante da comitiva que foi ao encontro de Estado, outro pacote que inclui relógio, caneta e abotoaduras - também da marca suíça Chopard, uma referência em artigos de luxo - supostamente destinado ao então presidente.
Não se conhece o valor desse conjunto, mas os dois casos apontam para algo mais grave do que a tentativa de se apropriar de um presente que deveria ser do Estado, não do governante de turno: a mistura entre o público e o privado que marcou a gestão anterior terá se restringido a esse episódio? Não parece provável, dada a insistência com que o presente foi reclamado. Então, não é só por R$ 16,5 milhões.