O ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por quatro tentativas de homicídio, após ferir dois policiais federais que cumpriam mandado de prisão na sua residência em Levy Gasparian, no interior do Rio de Janeiro, no domingo (23).
Jefferson, que cumpria prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica desde janeiro, foi alvo de uma operação da PF a pedido do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes determinou o retorno do ex-deputado ao regime fechado depois que ele divulgou novos ataques ao processo eleitoral e a integrantes da Corte. O ex-deputado reagiu com tiros de fuzil e arremessou granadas contra os policiais federais.
Veja a seguir, ponto a ponto, dos motivos que embasaram o pedido de prisão ao episódio do último domingo, que culminou com a rendição do ex-parlamentar e seu indiciamento.
Por que Jefferson foi preso
Em despacho de 10 páginas (veja a íntegra neste link) assinado no sábado (22), o ministro do STF Alexandre de Moraes afirma que ordenou a prisão preventiva de Roberto Jefferson em razão de ao menos seis episódios ocorridos nos últimos três meses em que o ex-deputado teria afrontado as condições de cumprimento da prisão domiciliar.
Conforme Moraes, o ex-deputado recebeu visita e repassou orientações a dirigentes do PTB, concedeu entrevista à rádio Jovem Pan e divulgou notícias fraudulentas contra ministros do STF. No dia 21 deste mês, ele ainda descumpriu a ordem de não utilizar redes sociais, suas ou deterceiros, ao atacar a ministra Cármen Lúcia e chamá-la "prostituta", "arrombada" e "vagabunda", em vídeo publicado na conta da filha, Cristiane Brasil, no Twitter.
A decisão de prendê-lo no fim de semana foi tomada pois, a partir desta terça-feira (25), ele não poderia mais ser detido, como determina a lei eleitoral, segundo a qual ninguém pode ser preso a não ser em flagrante cinco dias antes das eleições.
Durante a noite de domingo, Moraes determinou nova prisão contra Jefferson por tentativa de homicídio, em razão dos ataques contra os policiais.
Resistência e reação violenta à prisão
Roberto Jefferson reagiu com tiros de fuzil e granadas à chegada dos agentes da PF à sua residência para cumprimento do mandado de prisão. Jefferson divulgou vídeos pelas redes sociais, no domingo,no qual confirmava ter trocado tiros com os policiais.
— Eu não vou me entregar. Eu não vou me entregar porque acho um absurdo. Chega, me cansei de ser vítima de arbítrio, de abuso. Infelizmente, eu vou enfrentá-los — disse Jefferson em vídeo gravado dentro de casa.
Em outro vídeo, o para-brisa de um veículo da PF aparece estilhaçado, enquanto ele afirma:
— Mostrar a vocês que o pau cantou. Eles atiraram em mim, eu atirei neles. Estou dentro de casa, mas eles estão me cercando. Vai piorar, vai piorar muito. Mas eu não me entrego.
A policial Karina Miranda foi ferida de raspão na cabeça e na perna, enquanto o delegado Marcelo Vilela foi atingido por estilhaços na cabeça. Ambos foram encaminhados ao hospital, e os exames detectaram que os ferimentos foram sem gravidade.
Em nota enviada à imprensa, a PF confirmou que "durante a diligência, o alvo do mandado reagiu à ordem de prisão anunciada pelos policiais federais" e informou que os dois policiais "foram feridos por estilhaços de granada arremessada pelo alvo". Também acrescentou que ambos foram "levados imediatamente ao pronto socorro" e, após o atendimento médico, "foram liberados e passam bem".
Negociação, rendição e transferência para Bangu
Após oito horas de negociação, que contou com a participação do ministro da Justiça, Anderson Torres, Jefferson se entregou na noite de domingo. O ministro se deslocou de Brasília até Juiz de Fora (MG), cidade próxima à casa de Jefferson, por ordem do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Jefferson chegou ao Presídio de Benfica, na zona norte do Rio de Janeiro, no início da madrugada desta segunda-feira (24), 14 horas depois de o político resistir à voz de prisão dada pelos agentes da Polícia Federal.
Após a audiência, a Justiça decidiu manter Jefferson preso. Na noite desta segunda-feira, o ex-deputado federal foi transferido para o presídio Pedrolino Werling (Bangu 8), no Complexo de Gericinó, em Bangu.
Depoimento
Logo após sua prisão, no domingo, Jefferson disse, em depoimento à Polícia Federal, que atirou cerca de 50 vezes com um fuzil calibre 55.6, contra policiais federais que foram prendê-lo. Ele disse ter entre 20 e 25 armas adquiridas legalmente e disse que dispara 500 tiros por semana para treinar .
Jefferson alegou ter mirado os disparos nos carros da PF, além de admitir ter jogado três granadas, sendo uma em frente à viatura policial, uma atrás do veículo, "quando os policiais saíram", e mais uma dentro da casa "para assustar" o agente que havia entrado na residência.
Indiciamento
Jefferson foi indiciado pela PF por quatro tentativas de homicídio. A assessoria de imprensa da Superintendência da PF no Rio de Janeiro explica que o indiciamento é referente aos dois agentes feridos com estilhaços durante a resistência do ex-deputado à prisão e outros dois que estavam numa viatura, mas não chegaram a ser atingidos.
Questionamentos sobre erro na operação
Em entrevista ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, nesta segunda-feira (24), o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Marcus Firme dos Reis, avaliou que pode ter havido erro na análise prévia da operação para cumprir mandado de prisão na casa de Roberto Jefferson. Reis vê possível erro na preparação para a operação, já que Roberto Jefferson publicava, constantemente, vídeos com armas de fogo por meio das contas de aliados nas redes sociais.
Ainda na noite de domingo, a Polícia Federal divulgou nota afirmando "que agiu com toda a técnica e protocolos exigidos para a resolução de crises, culminando com a rendição do preso".
Outro ponto a ser investigado após a operação é o número de "pessoas estranhas" que aparecem nas imagens dentro da casa do ex-deputado. Uma delas é o ex-candidato à Presidência pelo PTB, partido de Jefferson, Padre Kelmon, que teria intermediado a entrega das armas do ex-deputado à PF.
Armamento pesado em casa
Com Roberto Jefferson, a Polícia Federal apreendeu, no domingo, uma coleção de munições de grosso calibre acondicionadas em caixas. O arsenal confiscado incluiu o fuzil 762, com mira telescópica, que ele usou para atacar os policiais federais, e uma pistola.
Questionado sobre a posse de armas por um preso em regime domiciliar, Marcus Firme dos Reis avalia que houve erro também neste sentido e que o fato será investigado.
— O controle de armas é feito pela própria Polícia Federal e também pelo Exército, a depender do calibre da arma. Eu não sei bem quais eram as armas que estavam lá. Por ter sido num domingo e ter acontecido todos esses fatos, nós ainda estamos com as informações meio truncadas e não sabemos os detalhes — explicou o agente à Rádio Gaúcha, ressaltando que, se confirmada a utilização de um fuzil por Jefferson, a fiscalização seria responsabilidade do Exército.
Registro vencido
O g1 revelou que o registro de Caçador, Atirador e Colecionador (CAC) de Jefferson estava suspenso e que ele não poderia ter ou transportar armas fora de Brasília. Segundo a reportagem, o endereço de Jefferson, que consta no sistema do próprio Exército, é de Brasília e não há guia de tráfego que autorizaria transporte de qualquer item do ex-deputado para o Rio de Janeiro.
Nesta segunda-feira (24), o Exército instaurou um processo administrativo para apurar por que Jefferson armazenava armas no Rio de Janeiro. O processo deve levar ao cancelamento do registro da licença de CAC do ex-deputado.
Cinegrafista agredido
O cinegrafista Rogério de Paula, 59 anos, da Inter TV Serramar, afiliada da Rede Globo, foi agredido quando estava em frente à casa do ex-deputado Roberto Jefferson por simpatizantes dele e do presidente Jair Bolsonaro. O cinegrafista passou por exames e seu quadro de saúde é estável. Ele saiu da UTI na manhã desta segunda, mas segue internado no quarto comum do Hospital Nossa Senhora da Conceição, em Três Rios.
Também na segunda-feira, a Câmara de Vereadores de Três Rios (RJ) exonerou o assessor parlamentar Diogo Lincoln Resende, flagrado agredindo o cinegrafista. O agressor também será investigado por lesão corporal.
O que disse Bolsonaro
O ex-deputado é aliado político do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro. No domingo, Bolsonaro disse não ter amizade nem uma única foto ao lado de Jefferson, mas foi desmentido logo após a declaração, quando as redes sociais foram tomadas por imagens dos dois juntos.
Bolsonaro se pronunciou em vídeo publicado no Twitter sobre a prisão de Roberto Jefferson, afirmando que o "tratamento a quem atira em policial é o de bandido". Ainda na postagem, Bolsonaro chama o ex-deputado de "criminoso".
O que disse Lula
O candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, disse que “não é um comportamento adequado, nem normal” o ataque de Roberto Jefferson contra os agentes da PF, e que a reação teria sido motivada pela criação de uma "parcela raivosa da sociedade brasileira" durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.