Ao receber a tiros uma equipe da Polícia Federal (PF) neste domingo (23), ferindo dois agentes da corporação, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) traduziu em violência armada o ocaso de uma carreira política marcada por polêmicas e destemperos verbais. O presidente do PTB sempre adotou comportamento mercurial, mas ao usar fuzil e granada contra policiais, atingiu o mais alto grau da investida agressiva que vinha escalando.
Os policiais foram até a casa de Jefferson, em Comendador Levy Gasparian (RJ), para cumprir decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. O magistrado restabeleceu a prisão preventiva do ex-deputado após receber várias notícias de que ele vinha descumprindo as condições da prisão domiciliar, sobretudo a de não participar de redes sociais.
Jefferson foi preso em agosto do ano passado, em função de ameaças armadas a integrantes do STF. Há 10 anos em tratamento de câncer no pâncreas, ele obteve em janeiro o relaxamento da prisão em função da saúde delicada. Desde então, está em prisão domiciliar, usando tornozeleira eletrônica.
A tutela jurídica, todavia, não reduziu os arroubos de Jefferson. Na sexta-feira (21), ele havia divulgado vídeo chamando a ministra Cármen Lúcia de “bruxa”, Cármen Lúcifer”, “prostituta” e “vagabunda arrombada”, em protesto pelo voto dela a favor da punição à Jovem Pan por supostas irregularidades na cobertura das eleições.
Aos 69 anos e com quatro décadas de vida pública, Roberto Jefferson Monteiro Francisco jamais foi exemplo de moderação. Com uma verve treinada em quase 200 julgamentos em tribunais do júri, o advogado criminalista fluminense ganhou notoriedade nos anos 1980, ao levar para a TV a defesa das causas judiciais de pessoas humildes. Ele era uma das principais atrações do programa popularesco O Povo na TV, exibido às tardes pelo SBT.
Catapultado pela audiência e pelo apoio de outro polêmico político fluminense, Tenório Cavalcanti, Jefferson se elegeu deputado em 1982. A parceria com Tenório, que circulava pela Baixada Fluminense com uma capa preta e uma submetralhadora alemã a tiracolo, foi fundamental para alcançar os 85.638 votos que lhe dariam o primeiro de seis mandatos consecutivos de deputado federal.
Na Câmara, Jefferson logo se notabilizou pela truculência. Em 1985, destruiu a machadadas um painel com os nomes dos parlamentares ausentes na votação da anistia. Mais tarde, trocaria a arma branca pela de fogo. Em plena Constituinte, revólver à mostra na cintura de um terno de linho branco, apareceu na Casa disposto a “resolver na porrada” uma querela com o então deputado gaúcho Jorge Uequed (MDB).
Desde então, raro era o dia em que não circulava armado pelos corredores do Congresso, onde passou a defender tanto a pauta armamentista — chegando a acumular 125 armas em sua coleção particular — quanto a liberação dos jogos de azar, legislando em favor de antigos clientes, como grandes bicheiros cariocas. Sua presença ostensiva nos debates contrastava com sua produção parlamentar. Em 22 anos de mandato, apresentou 78 projetos e aprovou apenas dois, o principal permitindo a advogados assistirem os clientes em CPIs, um dos palcos em que ele próprio mais brilhou.
Participações em CPIs
Em 1992, liderando a tropa de choque que tentava impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor, Jefferson interrogou uma das testemunhas-chave do processo, o motorista Eriberto França.
— O senhor vai querer me dizer que está agindo só por patriotismo? — indagou, ao descobrir que França estava desempregado.
— E o senhor acha isso pouco? — rebateu o motorista.
Foi em outra CPI, a do Mensalão, que ele alcançou o auge da popularidade ao denunciar, em 2005, o esquema de compra de votos no Congresso. Durante depoimento aos próprios pares, ele mirou o maior desafeto político da época, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, e disparou uma frase que entrou para o folclore político nacional:
— Vossa Excelência desperta em mim os instintos mais primitivos.
Jefferson acabaria cassado e preso, condenado a sete anos e 14 dias na prisão. Deixou a cadeia em maio de 2015, após cumprir apenas 14 meses e 23 dias da punição. No ano seguinte, duas semanas após ter a pena perdoada pelo STF, surgiu no Congresso defendendo o impeachment de Dilma Rousseff.
Desde então, Jefferson vivia no ostracismo, tratando o câncer e uma depressão. Ressurgiu durante a pandemia, como apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL). Numa live pela internet, denunciou um suposto “golpe parlamentarista” que estaria sendo urdido pelo Congresso contra o presidente. Duas semanas depois, postou foto portando fuzil e conclamou Bolsonaro a substituir os 11 ministros do STF. Na sequência, em entrevista à Rádio Gaúcha, defendeu uma quartelada contra os “nove velhinhos e duas ovelhinhas do STF”, sustentando que “a toga não é mais forte que o fuzil”. No mesmo período, desferiu ataques homofóbicos ao então governador Eduardo Leite, provocando uma debandada no PTB gaúcho, liderada pelo vice Ranolfo Vieira Júnior.
Candidatura barrada
Depois da prisão, em agosto de 2021, pouco se teve notícia do ex-deputado. Este ano, porém, lançou-se candidato à Presidência, aspiração logo barrada pela Justiça Eleitoral. Como substituto, apresentou o controverso Padre Kelmon, cuja participação na campanha ficou marcada pelas dobradinhas com Bolsonaro nos debates eleitorais.
A uma semana da eleição, Jefferson mais uma vez ocupa as páginas políticas e policiais, agora protagonizando não mais suas tradicionais diatribes, mas um atentado a forças de segurança. Certa feita, rememorando em entrevista a própria trajetória, fez um desabafo:
— Andei em má companhia e virei bandido. Mas mantive o código da ética. Você vai me perguntar: “Roberto, você se acha menos inteligente que o Valdemar da Costa Neto?”. Não sou. “Você se acha menos inteligente que o José Dirceu?” Não sou. Só não tenho a coragem deles. Eu tenho limite.
Pelo que se viu neste domingo, são bem elásticos os limites de Roberto Jefferson.