É difícil encontrar uma crise política vivida no país nas últimas décadas que não tenha uma participação teatral do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB).
Da votação da anistia, em 1985, quando destruiu a machadadas um painel com os nomes dos parlamentares ausentes, à recente postagem em que, armado com um fuzil, sugere ao presidente Jair Bolsonaro um golpe no Supremo Tribunal Federal (STF), Jefferson sempre demonstrou rara aptidão para o protagonismo, seja com atos violentos ou palavras afiadas.
Nesta quarta-feira (13), mais uma vez exibiu a verve incendiária ao conclamar, em entrevista à Rádio Gaúcha, uma quartelada contra a mais alta instância da Justiça no país.
Aos 66 anos, Roberto Jefferson Monteiro Francisco está de volta à ribalta política após anos de ostracismo. Vítima de um câncer no pâncreas, enfrentou várias recidivas que o afastaram do cotidiano do partido e do Congresso. Em seguida, foi abatido por uma forte depressão. Para surpresa inclusive de correligionários, ressurgiu em uma live transmitida em 19 de abril, na qual denuncia um suposto “golpe parlamentarista” que estaria sendo urdido pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Duas semanas depois, postou a fatídica foto portando um fuzil.
Advogado criminalista, Jefferson ganhou notoriedade nos anos 1980, ao participar do programa popularesco O Povo na TV. Exibida pelo SBT, a atração vespertina era campeã de audiência e tinha nele um jovem defensor das causas judiciais de pessoas pobres. Em 1983, aos 29 anos, se elegeu deputado com 85.638 votos. Só deixaria o Congresso no sexto mandato consecutivo, em 2005, cassado pelos próprios pares no episódio do mensalão.
Todavia, muito antes de delatar aquele que parecia ser o maior escândalo de corrupção do país, Jefferson já causava controvérsia em plenário. Em 3 de fevereiro de 1988, em plena Constituinte, apareceu empertigado em um terno de linho branco e revólver na cintura, disposto a “resolver na porrada” uma discussão anterior com o então deputado gaúcho Jorge Uequed (MDB).
Jefferson queria que Uequed esclarecesse uma suposta menção ao seu nome em uma lista de pessoas envolvidas com falcatruas na Companhia Brasileira de Alimentos (Cobal). Uequed negou que tivesse feito referência à presença do colega na lista e o caso ficou por isso mesmo.
A partir desse episódio, não era incomum Jefferson circular armado pela Casa — nenhuma novidade para quem praticava tiro desde a juventude e chegou a possuir 125 armas, de todos os tipos e calibres. Só diminuiu a coleção após o mensalão, por conta da dificuldade de renovar as licenças na Polícia Federal.
Na Câmara, defendeu o armamentismo e também os jogos de azar, tendo inclusive advogado para grandes bicheiros do Rio, seu Estado natal. Sua produção legislativa, contudo, contrasta com a onipresença no debate político. Em 22 anos de mandato apresentou 78 projetos e aprovou apenas dois, um deles permitindo aos advogados assistirem seus clientes em depoimentos à CPIs, um dos mais palcos em que ele próprio mais brilhou.
Em 1992, liderando a tropa de choque que tentava impedir o impeachment do então presidente Fernando Collor, Jefferson interrogou uma das testemunhas-chave do processo, o motorista Eriberto França.
— O senhor vai querer me dizer que está agindo só por patriotismo? — indagou, ao descobrir que França estava desempregado.
— E o senhor acha isso pouco? — rebateu o motorista.
Seis anos mais tarde, Jefferson voltaria a usar a oratória em prol de políticos encrencados. Durante votação de processo de cassação de três parlamentares do Acre acusados de vender por R$ 200 mil o voto em favor da emenda que permitiu a reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República, ele foi o único a defender os colegas na tribuna. Todos acabaram absolvidos.
Delator do mensalão em 2005, acabaria preso, condenado a sete anos e 14 dias na prisão. Deixou a cadeia em maio de 2015, após cumprir apenas 14 meses e 23 dias da punição. No ano seguinte, duas semanas após ter a pena perdoada pelo STF, surgiu no Congresso defendendo o impeachment de Dilma Rousseff.
Desde então, Jefferson estava recluso, mas não inativo. No grupo de WhatsApp do partido, defende com vigor o governo Bolsonaro e orienta a bancada a se distanciar do centrão, buscando protagonismo próprio. Há quem diga que seu interesse é recuperar o comando da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), perdido após a demissão do gaúcho Ronaldo Nogueira. Jefferson refuta qualquer cobiça por cargos e verbas. Diz que age por patriotismo.