Quem diria? O ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), corrupto confesso e condenado no processo do mensalão, virou o novo ídolo da ala bolsonarista que elegeu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), como o inimigo da vez. Em uma transmissão ao vivo pela internet, na noite de domingo, Jefferson acusou Maia de preparar um golpe contra Jair Bolsonaro.
Para refrescar a memória dos que esqueceram o passado de Jefferson, convém lembrar que ele só rompeu com o governo Lula e denunciou o esquema do mensalão porque foi prejudicado nos seus interesses. Mas confessou que recebia dinheiro e redistribuía entre os parlamentares que seguiam seu comando, para votar a favor dos projetos do governo.
O ex-deputado é um ícone da velha política, tão criticada pelo presidente. Como serve ao objetivo de desgastar Maia, ganhou luzes nas redes sociais bolsonaristas, que esqueceram o discurso anticorrupção.
A suposta trama envolveria o presidente do Senado, o governador de São Paulo, João Doria, e a oposição. Ora, Maia tem a caneta na mão e os pedidos de impeachment na gaveta. Tem dito que até aqui não há indícios de que Bolsonaro tenha cometido crime de responsabilidade. Não significa que amanha ou depois o próprio Bolsonaro não ofereça os motivos.
Como se tivesse descoberto a pólvora, Jeffferson disse que “o pedido de impeachment fica na gaveta aguardando um momento oportuno”. Sim, Maia pode aceitar um dos pedidos já encaminhados, sem precisar encomendar nada ao presidente da OAB. E se um dia resolver levar adiante um pedido de impeachment, a decisão sobre afastar o presidente ou não se dará por no mínimo 308 votos (três quintos da casa), como ocorreu com Dilma Rousseff em 2016 e Fernando Collor em 1992.
O crime de responsabilidade atribuído a Dilma era frágil. Serviu como pretexto legal, mas caiu pelo conjunto da obra: governo desgastado, incapacidade de dialogar com o Congresso e pressão das ruas.
Jefferson, como profeta, não passa de um espertalhão querendo sair do ostracismo. Joga sua tese para a torcida bolsonarista e, se Bolsonaro der causa a um processo de afastamento, dirá que ele avisou.
O delator do mensalão disse que, para justificar o impeachment, Rodrigo Maia está colocando as próprias pautas à frente das pautas do governo na Câmara e “tomando a agenda política das mãos do presidente Bolsonaro.” Só faltou lembrar que foi Maia quem assumiu a pauta da reforma da Previdência, por exemplo, por incapacidade de articulação de Bolsonaro.
O pacote completo de Roberto Jefferson incluiria a aprovação de uma emenda constitucional para permitir a reeleição de Maia na presidência da Câmara, hoje proibida. De novo, é importante lembrar que emendas só são aprovadas com 308 votos na Câmara e 54 no Senado. Se Bolsonaro acha que esse risco é real, deve mobilizar seus aliados para impedir a mudança na Constituição, mas a teoria conspiratória funciona melhor quando a política é substituída pela máquina de espalhar boatos nas redes sociais.
Maia, que para ingênuo não serve, já percebeu que o jogo de Bolsonaro é forçar a barra para se sair de vítima. Por isso, em vez de morder a isca, reage aos arroubos do presidente com certo desdém. Repete que o inimigo do Brasil é o coronavírus e que a vida deve ser a prioridade de quem ocupa cargos públicos.