Está difícil falar de amenidades neste diário. No sábado, minha filha me convenceu a assistir Divertida mente, vi um pouco do show dos maiores artistas do planeta confinados e fui dormir com a alma leve. Sonhei colorido com um concerto em praça pública (Freud explica) e acordei com a sensação de que as palavras coronavírus e covid-19 também tinham tirado folga no fim de semana. Imaginei que o presidente Jair Bolsonaro, livre do ministro Luiz Henrique Mandetta, se comportaria como uma pessoa normal no primeiro domingo com o Ministério da Saúde sob comando de Nelson Teich. Doce e breve ilusão.
Bolsonaro rompeu mais um limite na sua série de ataques à democracia e, feito uma vivandeira desvairada, foi se refestelar em uma manifestação contra o Congresso em frente a uma instituição militar, o quartel-general do Exército, o emblemático Forte Apache.
Deslumbrado com os fanáticos que carregavam cartazes e gritavam “mito, mito, mito”, pediam intervenção militar “com Bolsonaro no poder” e atacavam o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, o presidente acenou para os manifestantes aglomerados, esfregou o nariz, tossiu e até discursou. Fez jus ao apelo de Pandemito, que ganhou na internet, com um discurso amalucado, dizendo que não quer “negociar nada”, como se os outros poderes estivessem querendo forçá-lo a alguma negociação escusa.
Fiquei com a sensação de que o presidente está testando a solidez das instituições e provocando Rodrigo Maia, a quem cabe aceitar ou não um dos muitos pedidos de impeachment que repousam sobre sua mesa e os que chegarão nos próximos dias. Com que objetivo? De mentes doentias como a de Bolsonaro & Filhos pode-se esperar qualquer coisa.
Talvez a ideia por trás das provocações seja unir sua tropa de choque e adotar medidas inspiradas no malfadado AI-5. Não acredito que os generais embarquem nessa aventura, mas os lunáticos do exército virtual, que têm o ex-astrólogo Olavo de Carvalho como guru e chamam João Doria e Ronaldo Caiado de comunistas, acham que podem implantar uma nova ditadura no Brasil.
O que Bolsonaro fez foi tão grave que mereceu o repúdio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, de ministros do STF e dos principais governadores.
Vinte dos 20 dos 27 governadores divulgaram carta de apoio ao Congresso, na qual afirmam que as declarações do presidente afrontam princípios democráticos. Na carta, os governadores afirmam que a saúde dos brasileiros deve estar acima de interesses políticos e que é possível conciliar a necessidade de proteger a saúde da população e a economia.
O teatro do absurdo não seria completo sem uma participação do filho problema, o vereador Carlos Bolsonaro, cabeça do gabinete do ódio, também conhecido como usina de destruição de reputações. Carlos postou um vídeo de uma fileira de marmanjos atirando ao mesmo tempo na direção de um inimigo imaginário.
Manifestações como a de Brasília se repetiram em outras capitais. Não eram numerosas, mas chamavam atenção pela violência. Em Porto Alegre, um baderneiro conhecido pelas confusões que cria em jogos de futebol agrediu covardemente uma mulher. São abundantes os vídeos que mostram o ataque, mas o covarde correu a postar um comentário na internet dizendo que não participou da manifestação. A polícia e a Justiça não terão dificuldades para enquadrar o bandido.
Em outra cena de violência desmedida, manifestantes tentaram agredir o repórter fotográfico Jefferson Botega, que registrava o embate entre bolsonaristas defensores de um novo AI-5 e um pequeno grupo que protestava contra o presidente - entre eles estava uma mulher nua, enrolada na bandeira do Brasil .
O fim de semana politicamente sombrio terminou com o balanço oficial indicando 2.462 mortes pela covid-19 no Brasil e novas imagens que atestam o colapso do sistema de saúde de Manaus.