A cúpula militar brasileira tem pisado em ovos. Não gosta da forma como o presidente Jair Bolsonaro age, mas partilha de muitas de suas ideias e acredita que ele é patriota. Está, em resumo, num brete político.
Em relação à forma de atuação, o repúdio é quase total, sobretudo no alto escalão fardado. O fato de Bolsonaro ter participado de atos em que seus apoiadores pedem fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), em frente a quartéis do Exército, compromete os militares com algo que eles dizem não existir: uma suposta simbiose entre governo e as Forças Armadas.
— Claro que não pegou bem, pegou muito mal. O presidente age de forma contraditória ao desdenhar do vírus, enquanto 25 mil militares das Forças Armadas estão mobilizados para combater a pandemia. Ele usa da boa imagem dos militares para tentar recuperar força política — resume um general da reserva, muito influente entre seus pares.
Para esse militar, o foco deveria ser o combate ao vírus, seja com isolamento vertical (só de grupos de risco, como prega Bolsonaro) ou com mais restrições (como recomendam os sanitaristas). Foi o que pregou o Comandante do Exército, o general gaúcho Edson Pujol, em sua Ordem do Dia comemorativa do Dia do Exército, no domingo (19).
— Só que o presidente prefere recorrer a seus apoiadores de uma forma similar à de Hugo Chávez, inclusive vestindo vermelho. Esse apelo direto às massas não é visto com bom tom nos quartéis, até porque pode terminar em pancadaria, como em Porto Alegre — sintetiza o general da reserva.
Na capital gaúcha, um grupo de apoiadores do presidente reunidos em frente ao QG do Exército, na Rua dos Andradas, expulsou a socos manifestantes que gritavam “Fora Bolsonaro”. Um cenário que não agrada aos militares profissionais, mas que tem seus fãs. Um comissário da Polícia Civil, aposentado, diz que entende a escalada de agressões:
— A direita está aprendendo com a esquerda a radicalizar. Chega de dar a outra face, agora é na mesma moeda.
Unanimidade mesmo, entre militares e policiais consultados por GaúchaZH, é a necessidade de tirar de cena os filhos do presidente. No domingo (19), Carlos Bolsonaro tuitou um vídeo em que atiradores, vestidos com camisetas pró-Bolsonaro, fazem dezenas de disparos de pistolas em alvos num estande de tiro. Enquanto atiram, gritam vivas ao Mito Bolsonaro.
A cena alarmou um oficial graduado que votou em Bolsonaro e trabalhou durante muitos anos no serviço secreto do Exército (S2). Ele se diz também assustado com a presença do presidente nos protestos. Por razões institucionais (tentar um amálgama entre sua imagem e a dos quartéis, em pleno Dia do Exército) e pelo mau exemplo na questão sanitária, ao não usar máscara e tossir enquanto discursava para os manifestantes.
— Eu não vejo com bons olhos, politicamente. Lembro sempre do tripé que o General Vilas Bôas, então Comandante do Exército, repetia: legalidade, legitimidade e não ser mais um fator de desestabilização. Resumo: não contem com o Exército para ruptura constitucional. Já fui taxado de petista por isso. E eu sou conservador filosoficamente, capitalista e democrata por natureza — pondera esse oficial.
O general gaúcho Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi ministro de Bolsonaro, discorda dos manifestantes pedirem fechamento do Congresso em frente a um quartel. O militar acredita que democracia se faz com disputas civilizadas, equilíbrio de poderes e aperfeiçoamento das instituições.
— Exército é instituição de Estado e não pode participar de disputas de rotina. Tem prestígio porque é exemplar, honrado e um dos pilares da democracia – resumiu o general da reserva.
Aconselhado por ministros militares e civis, Bolsonaro amenizou o discurso na segunda-feira (20). Discordou publicamente de um apoiador que pediu fechamento do STF.
— Não tem de fechar nada. Dá licença aí, aqui é democracia, aqui é respeito à Constituição.
Mas, se o “bate-afaga” errático do presidente desagrada, muitos integrantes das Forças Armadas acreditam nas intenções dele, com predominância do médio oficialato. E partilham de parte do seu ideário, ainda mais no que se refere ao repúdio a políticos e desconfiança quanto à liberalidade dos juízes.
Esses fardados compreendem quando um dos alvos prediletos dos manifestantes é o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia (DEM). Eles partilham de críticas feitas pelo próprio Bolsonaro na última quinta-feira, que disse repudiar “a velha política” representada por Maia.
A frase de Bolsonaro foi resposta à decisão da Mesa Diretora da Câmara, que deu 30 dias de prazo para que o presidente apresente os resultados de seus exames para coronavírus. Assunto tabu no Palácio do Planalto.
Foi em busca de solidariedade dos quartéis ao seu “emparedamento” por parte do Congresso que o presidente desdenhou de atos do Legislativo. Sabe que, assim como seus fãs mais exaltados, muitos fardados também têm dos políticos uma péssima imagem, calcada na corrupção.
Embora solidários ao presidente quando ele é acossado pelos políticos tradicionais, esses militares do alto escalão não desejam ver uma escalada de confrontos de rua no país. Isso pode ocorrer, por exemplo, caso Rodrigo Maia autorize prosseguimento a um processo de impeachment. Nesse caso, diz um general, parte dos ministros-militares ficaria até o fim com Bolsonaro.
O oficialato médio das Forças Armadas e PMs também, por certa afinidade de objetivos e jeitos com Bolsonaro, com ênfase nas questões de segurança pública. Ajuda também o fato de mais de mil militares estarem com cargos no governo. Já na cúpula dos quartéis há quem lembre que, se o presidente for afastado, o substituto é outro militar: o general Hamilton Mourão. Um dos seus, afinal.