Oitenta e três anos e quatro dias separam a manchete estampada na edição de 11 de maio de 1941 do semanário caxiense “A Época” (foto abaixo) das chamadas sobre a enchente veiculadas em dezenas de jornais do Estado e do Brasil neste 15 de maio de 2024. Sem tirar nem pôr, ela resume a triste realidade de hoje: “O Rio Grande do Sul vive os dias mais angustiantes e catastróficos da sua história”.
Essa breve comparação serve também para destacarmos a solidariedade, a empatia e a mobilização da comunidade caxiense naqueles tempos. Confira parte do texto original de 11 de maio de 1941, destacando os reflexos da inundação por aqui e algumas das ações em prol dos afetados.
Detalhe: tal como agora, os deslizamentos de terra em Galópolis e no Vale do Caí também fizeram vítimas em 1941:
“Caxias, pela sua situação topográfica, diretamente pouco sofreu com a enchente. Entretanto, indiretamente, não deixou de ser atingida. Prejuízos materiais de relativa importância são conhecidos pelo interior da nossa comuna. Como já havíamos dito, os maiores danos são os causados na Estrada Federal (BR-116). Sabemos que, além da armação de ferro da ponte sobre o Rio Caí, o aterro de São Leopoldo esteve submerso e está arrombado. Ao que nos consta, o dr. Irineu Braga, chefe no Estado do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, solicitou a vinda aqui do dr. Iedo Fiúza, diretor do mesmo, que, parece, se encontra na Capital da República. E ainda em relação a essa rodovia, temos a registrar a lamentável ocorrência que roubou a vida a um trabalhador e feriu outros seis, provocada pela erosão de um morro perto de Galópolis, mais sobre o Rio Caí”.
ROUPAS PARA OS DESABRIGADOS
Conforme destacado em 1941, uma grande comissão de auxílio aos flagelados foi organizada em Caxias, visando angariar fundos. Entraram em cena o prefeito Dante Marcucci, o presidente da Liga da Defesa Nacional Núcleo Caxias, Olmiro de Azevedo; o Comando do 9º Batalhão de Caçadores, na figura do major Serôa da Motta; o delegado regional de Polícia, Francisco da Rosa Macalão; o bispo Dom José Barea e o presidente da Associação Comercial, Otoni Minghelli.
Também contribuíram com somas em dinheiro a Escola Complementar, dirigida pela senhora Rosalba Hypólito; a Metalúrgica Abramo Eberle, o Lanifício Gianella, o Departamento dos Viajantes Comerciais, a Sociedade Operária São José e vários funcionários do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Já as alunas e irmãs do Ginásio São José confeccionaram roupas para os desabrigados da Capital e diversas outras cidades atingidas.
Outra iniciativa solidária foi a organização de um baile pelo Grupo Escolar Maguari, então dirigido pela senhora Clari Bracagioli. Realizado no Recreio Guarany, o encontro teve parte da renda revertida em favor das vítimas.
FLA-JU
Duas partidas amistosas em benefício dos flagelados da enchente foram disputadas entre o Esporte Clube Juventude e o Grêmio Esportivo Flamengo (S.E.R. Caxias). A primeira delas ocorreu em 11 de maio de 1941, na lendária Quinta dos Pinheiros, onde o Ju venceu por 3x2. Informações sobre a segunda partida não foram localizadas nos jornais da época.
PREÇOS ABUSIVOS
Tal como visto em 2024, as cheias e o racionamento de 1941 também expuseram a ganância de alguns comerciantes. Confira um dos trechos da reportagem de 11 de maio de 1941 do semanário “A Época”:
“A Subcomissão de Tabelamento de Preços, constituída pelo prefeito municipal, Dante Marcucci, e pelos senhores Adelmar Faccioli, Rivadávia Guimarães e Ernesto Muzzel, esteve reunida, baixando uma lista de preços. Foi medida acertada e que já se impunha, pois, é desagradável ter que se anunciar isto. Alguns chefes de armazéns, destituídos de qualquer escrúpulo e muito cretinamente, estavam praticando abusos, vendendo, por exemplo, manteiga a 16$000 o quilo. Isto de um lado. Por outro, é lisonjeiro notar-se que o comércio em geral vende muitos produtos por preços inferiores aos estabelecidos pela Subcomissão de Tabelamento. Estes, por certo, contarão com a simpatia de todos. E, como complemento indispensável, o delegado fez distribuir um aviso, no qual advertia pena de prisão para todoss aqueles que violassem os preços fixados. Isto fez com que a própria manteiga voltasse a ser vendida por 12$000, conforme estabelecido”.
ÁLBUM NA LIVRARIA SALDANHA
Editado pela Livraria do Globo, em Porto Alegre, o Álbum da Enchente de 1941 (foto acima) trouxe dezenas de imagens de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande invadidas pelas águas.
Por aqui, o suplemento especial da Revista do Globo podia ser encontrado na lendária Livraria Saldanha, na esquina da Av. Júlio de Castilhos com a Rua Visconde de Pelotas.