O que a chegada oficial do inverno, às 00h32min desta segunda, e o aniversário de 700 anos de morte do poeta italiano Dante Alighieri, em 2021, tem em comum? Nada, até depararmos com a foto abaixo, de 80 anos atrás. Foi quando a neve cobriu o busto do autor de A Divina Comédia na praça homônima, assim como boa parte de Caxias do Sul.
Conforme destacado por este colunista em uma matéria de junho de 2018, o fenômeno ocorreu em 28 e 29 de maio de 1941 e motivou dezenas de registros dos fotógrafos atuantes na cidade, em especial de Giacomo e Ulysses Geremia.
Mas foi Reno Mancuso (1919-1974) provavelmente o único a enquadrar o busto de Dante em meio aos canteiros tomados de branco da praça. São dele também os demais registros desta página, que podem ser conferidos no blog www.caxiaspormancuso.blogspot.com.
Elegantíssima noiva
A neve de 80 anos atrás estampou a capa da edição de 1º de junho do semanário A Época. A notícia “Caxias sob o espetáculo deslumbrante de mais uma nevada” é um primor em expressões, adjetivos e construções rebuscadas, características daquele tempo. Confira:
“A alma emotiva da nossa população viveu, na manhã de quinta-feira última, horas de imenso deslumbramento. É que a cidade amanheceu coberta de vasto e espesso lençol de neve. Já na tarde de quarta-feira, 28 de maio, se observara queda brusca de temperatura, acompanhada de gélido chuvisqueiro.
Pelas 21h daquele dia puderam inúmeras pessoas observar o início da nevada, que, em quantidade cada vez maior, ia se dissolvendo sob a ação da chuva. Pelas 23h, porém, com a interrupção desta, começou o nosso solo a mostrar a camada alvíssima de neve. E o espetáculo maravilhoso prosseguiu madrugada adentro. Às 6h, a nossa cidade oferecia aspecto inolvidável. É que se não divisava, sob as primeiras barras do dia 29, aqui, outra coisa que não a brancura belíssima da neve.
Uma camada média de 25 centímetros cobria e tomava as formas de todas as coisas que estavam ao alcance da vista extasiada: telhados, ruas, calçadas, árvores, automóveis, etc, formando um conjunto encantador. E as encostas montanhosas da cidade não apresentavam aspecto diferente: tudo era branco! Dir-se-ia que a nossa cidade, qual elegantíssima noiva, ostentava altiva o véu virginal, decidida ao cortejo nupcial. E, com efeito, como se fora uma noiva, ela nunca se apresentara, antes, tão deliciosamente bela.
Mas o espetáculo grandioso deveria ter curta duração: é que pelas 6h30min, insistente e indesejada chuvinha iniciava a sua ação destruidora. E, no seu maléfico afã, ia a pouco e pouco minorando aquele quadro sem par. Contudo, puderam os caxienses – e os visitantes, extasiados! – viver aquele ambiente polar até a tardinha, quando se dissiparam os últimos contornos daquela efêmera beleza!”
Jornal A Época (1º de junho de 1941)
Um símbolo desde 1914
A herma de Dante Alighieri foi inaugurada na praça em 15 de novembro de 1914. Naquele mesmo dia, mais um monumento era entregue aos caxienses: o busto de Júlio de Castilhos, localizado na outra extremidade, mais próximo à Rua Dr. Montaury. Foi uma homenagem ao patriarca republicano gaúcho e governador do Estado – que acabou por nomear a principal avenida da cidade.
Participe
Você possui fotos das ocorrências de neve em 1941/1942, 1965 e 1975? Envie suas contribuições para o e-mail rodrigolopes33@gmail.com, com identificação do local e um breve relato com suas lembranças. Os registros serão publicados durante o mês de julho.