O informante da polícia de Novo Hamburgo Paulo Sérgio Lehmen alegou em depoimento dado em fevereiro deste ano à Corregedoria da Polícia Civil, obtido com exclusividade por GaúchaZH, que fez uma "investigação mental" durante uma "viagem astral" para descobrir indícios do suposto ritual satânico no caso das crianças que tiveram parte dos corpos encontrados na cidade do Vale do Sinos, em 4 de setembro de 2017. Para ajudar na apuração, ele disse que procurou o delegado Moacir Fermino e revelou as visões, tanto é que foi mencionado pela autoridade policial como um "profeta".
- Lehmen fala, durante depoimento, que fez uma "viagem astral":
No entanto, o informante confessou que ficou surpreso ao saber da prisão de pessoas apenas com base no que mentalizou e alegou que foi pressionado a encontrar provas materiais para mantê-las na cadeia. Além disso, confirmou ter "plantado" testemunhas. Uma delas apontou um dos suspeitos só para se vingar de dívida e outra, o próprio filho de Lehmen, apenas para fazer uma ligação entre o bruxo Sílvio Rodrigues e os demais suspeitos.
Lhemen foi preso no dia 7 de fevereiro deste ano e agora responde ao processo em liberdade. O caso sobre crimes contra a administração da Justiça, entre eles falsidade ideológica, está na 2ª Vara Criminal do Foro de Novo Hamburgo e já foi realizada a primeira audiência. A segunda vai ocorrer no dia 16 de outubro, quando devem ser ouvidas quatro testemunhas de acusação, sendo duas delas policiais do Vale do Sinos.
Os três réus — o delegado Moacir Fermino, o inspetor Marcelo Cassanta e Lehmen — podem ser interrogados pela primeira vez pelo Judiciário neste dia. Antes disso, falaram apenas à Corregedoria da Polícia Civil.
Em seu depoimento, na época na condição de testemunha, Lehmen disse que foi o responsável por ter começado toda a história sobre crianças usadas no ritual e que levou inocentes à prisão. Ele afirmou ser formado em Física e que faz viagens astrais. Simplesmente para ajudar na apuração policial, realizou uma mentalização para descobrir os suspeitos e o motivo dos homicídios, anotando tudo em uma folha. Em novembro do ano passado, Lehmen acionou Fermino, já que o conhecia há anos por meio da política, e repassou todas as informações — anotadas em um caderno pelo delegado.
—Ele (Fermino) até disse que poderia ser uma ilusão, mas para mim era um indício do crime. O que não pensava era que o Moacir fosse, antes de fazer toda a investigação, decretar as prisões — relatou Lehmen.
Em dezembro de 2017, ele soube das prisões e disse que ficou surpreso, pensando até que tinha se concretizado tudo o que mentalizou. A partir deste momento, o interrogado afirmou que passou a ser pressionado a buscar provas. E revelou que errou ao ter "plantado" testemunhas em duas ocasiões. Uma delas, conhecida como Jorge, foi procurada e quis testemunhar para entrar no sistema de proteção, recebendo salário e moradia. No entanto, teria exigido que a polícia incluísse uma pessoa como suspeita, no caso Márcio Bustolin, porque teria uma dívida com ele envolvendo um veículo.
Informante fala durante depoimento que "plantou" testemunhas:
A segunda testemunha, o próprio filho de Lehmen, surgiu a pedido do delegado para que houvesse uma ligação entre o bruxo Sílvio e os outros seis homens considerados, na época, suspeitos. Havia uma grande ansiedade, segundo o informante, para ter provas e evitar a soltura dos detidos. O investigado ressaltou também que instruiu uma terceira testemunha a reconhecer uma das sete pessoas apontadas no suposto ritual, inclusive a dar detalhes do que havia aparecido na viagem astral, como por exemplo, tipo de carro, entre outros dados.
Além disso, duas pessoas que tinham várias ocorrências policiais registradas na delegacia onde Fermino era titular em Novo Hamburgo, também foram incluídas entre os sete suspeitos do ritual macabro.
— O Moacir disse que queria botar os dois na cadeia a todo custo, mas não sei o porquê — disse Lehmen sobre as prisões de Jair da Silva e Paulo Ademir da Silva.
Sobre a suposição das vítimas serem da Argentina, o interrogado destacou que apenas "ligou os pontos" pelo fato de uma das pessoas que apareceram na investigação mental ser do país vizinho. Segundo ele, este homem, durante uma conversa, teria dito que levaria um caminhão roubado para cidade argentina. Apesar desta informação, não avançou mais sobre a existência de outras provas, apenas visões.
Delegado diz que informante fez com que acreditasse na história
Em seu depoimento à Corregedoria da Polícia Civil, Moacir Fermino explicou a relação com Paulo Lehmen. Segundo ele, os dois se conheceram em uma campanha política do delegado para vereador em 2000. No entanto, o delegado trocou de partido e se afastou do seu antigo cabo eleitoral.
"Há 12 anos que eu não via mais o Paulo e aí o Paulo me liga, dizendo que tinha tudo sobre as crianças. Eu disse: “Olha, isso não pertence a nós, isso é homicídio quem está investigando, nós pegamos outros crimes, roubo, latrocínio, tudo.' E ele: 'Não, eu não confio em ninguém, eu confio no doutor e quero passar tudo que eu tenho'" detalhou Fermino, sobre seu contato com Lehmen.
O delegado disse ainda que encaminhou um relatório com todas as informações de sua testemunha ao delegado titular da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo, Rogério Baggio, que era o responsável pela investigação do esquartejamento das crianças. Fermino disse que o seu colega "não fez nada" com as informações repassadas. Com as férias de Baggio, ele recebeu a substituição da Delegacia e aí deu sequência à investigação baseada no relato que recebeu.
Fermino também admite que sua única testemunha — que deu detalhes sobre o suposto crime — era Paulo, que não tinha nenhuma prova técnica no inquérito e diz que não se preocupou com isso. Ele foi questionado pelos corregedores sobre a possibilidade de haver mentira nos relatos do informante, e respondeu:
"Ele é ‘psicótico’. Ele acredita na mentira e faz os outros acreditarem na mentira dele”, disse Fermino.
Inspetor afirma que assinou relatório sem ler
O inspetor Marcelo Cassanta, que já foi lotado na Delegacia de Homicídios, hoje está na 2ª Delegacia de Novo Hamburgo, a qual Fermino era titular na época. Ele ressaltou que foi procurado pelo delegado para acompanhar um encontro com Lehmen. Os três, na viatura, passaram por vários lugares em São Leopoldo.
"Aqui ó, foi esquartejada a criança, o tal do Jair contatou... As crianças vieram de onde? As crianças foram compradas ou trocadas por drogas na Argentina e por isso não tem identificação... Embebedaram elas...", disse Cassanta ao ouvir a conversa entre Fermino e o informante.
Cassanta ainda relatou que os dois falaram sobre o ritual e como as crianças teriam sido mortas e as partes dos corpos jogadas fora, já que o objetivo seria usar as cabeças. Além disso, o inspetor destacou que Fermino teria determinado que ele assinasse sem ler um relatório interno que serviu de base para as prisões e buscas dos suspeitos que posteriormente foram inocentados.
— Fiz o relatório e não ouvi testemunha nenhuma, não sei mais de nenhuma testemunha, não tive contato com ninguém, depois foi tudo com a DHPP — explicou Cassanta.
Ele ainda respondeu questionamentos sobre a data em que foi redigido o relatório e sobre o tempo para fazer averiguações das informações reveladas por Lehmen, que geraram pedidos de prisão à Justiça, bem como questões sobre prazos de investigações que não estavam fechando com os fatos relatados. Por fim, o policial ainda disse que não foi aberto um cofre no templo em Gravataí, no dia da prisão do bruxo. Os corregedores relataram que essa seria uma prova técnica, já que se falava em pagamento de R$ 25 mil pelo ritual.
Contrapontos
O que diz a defesa de Lehmen
A Defonsoria Pública informou que o acusado Paulo Sérgio Lehmen passou a ser assistido pouco antes da primeira audiência, pois até então tinha procurador constituído. Ainda não foram interrogadas as mais de dez testemunhas, nem apresentadas as versões dos acusados. Trata-se de processo complexo. No mês de outubro ocorrerá a segunda audiência, quando se prosseguirá a instrução e possível manifestação das defesas. Portanto, é prematura qualquer manifestação da defesa neste momento processual. Em relação ao depoimento prestado na Corregedoria da Polícia Civil pelo assistido, Paulo, naquele procedimento, é testemunha dos fatos e não investigado.
O que diz a defesa do policial Marcelo Cassanta
O advogado Paulo Lutero Gall diz que seu cliente apenas assinou um relatório de investigação elaborado pelos policiais Vianei e Luciano, da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo, atendendo a uma ordem do delegado Fermino. Um relatório com quatro laudas foi utilizado pelo delegado para representar ao Judiciário pela obtenção das medidas cautelares de prisão temporária e posterior preventiva dos sete suspeitos.
O que diz a defesa do delegado Moacir Fermino
O advogado José Cláudio de Lima da Silva diz que o processo está em fase inicial, que já foram realizadas audiências e que aguarda o desfecho do caso. Ele entende que Fermino vai ser absolvido com os elementos que serão anexados ao processo por ele. Por enquanto, é só o que a defesa pretende informar.