Depois de prisões de sete pessoas sem relação com o crime e de uma reviravolta que levou policiais a serem investigados pela Corregedoria da Polícia Civil, o caso das duas crianças esquartejadas em Novo Hamburgo agora tem novo capítulo na Justiça. Enquanto ainda não se sabe nem a identidade das vítimas que tiveram partes dos corpos encontradas em setembro do ano passado no Vale do Sinos, a 2ª Vara Criminal do município segue com o processo que apura crimes contra a administração da Justiça, entre eles falsidade ideológica.
Segundo a defesa de um dos réus, o inspetor Marcelo Cassanta, da 2ª Delegacia de Novo Hamburgo, o delegado Moacir Fermino, que também é réu, teria determinado que o investigador assinasse sem ler um relatório de serviço policial que serviu de base para os pedidos de prisões e buscas, bem como por apontar que houve um ritual satânico durante a morte das crianças — o que não foi comprovado posteriormente. As informações foram comunicadas ao Poder Judiciário e constam no processo.
O advogado Paulo Lutero Gall, que defende Cassanta, diz que seu cliente fez um relatório preliminar de uma página e meia baseado no que ouviu do informante de Fermino, Paulo Lehmen — o terceiro réu no caso e o único que está preso. No entanto, foi desconsiderado pelo delegado o que o inspetor anotou, principalmente sobre dúvidas em relação ao suposto ritual de bruxaria.
Além disso, segundo Gall, foi feito, sem o conhecimento do inspetor Cassanta, um novo relatório de investigações de quatro páginas. Esse documento teria sido elaborado por policiais da Delegacia de Homicídios e pelo próprio Fermino — devido ao período de férias, o delegado estava respondendo temporariamente tanto pela Delegacia de Homicídios quanto pela 2ª Delegacia de Novo Hamburgo, onde atua Cassanta. Na versão de Cassanta relatada no processo judicial, o delegado teria determinado que o inspetor assinasse o ofício mesmo sem ter participado de sua confecção ou sequer lido o documento. O inspetor relata que acabou respeitando a ordem do superior e assinou o relatório.
Este documento preliminar sempre deve ser feito por um agente que participa da apuração de um fato e depois deve ser analisado por um delegado para servir de base a posteriores representações judiciais, como pedidos de prisões e buscas. Segundo Gall, Fermino não redigiu o texto do segundo documento com base nas constatações do inspetor Cassanta, mas teria colocado o nome dele e dado ordens para que assinasse.
O juiz Marcos Braga Martins determinou que a polícia encaminhe partes do inquérito e das anotações para análise. O magistrado também informou que estas questões devem ser examinadas e comprovadas durante o processo.
O advogado José Cláudio de Lima da Silva, que representa o delegado Fermino, diz que não irá se manifestar sobre a questão envolvendo Cassanta porque o fato ainda será debatido em juízo e não julga pertinente se pronunciar no momento, apesar de as informações estarem anexadas nos autos da 2ª Vara Criminal de Novo Hamburgo. GaúchaZH procurou também o Ministério Público, responsável pela denúncia contra os três réus. A promotora Roberta Gabardo Fava, que atua no caso, afirmou que o processo está em andamento e, por isso, entende por bem não se manifestar.
Réu preso
Em relação ao réu Paulo Lehmen, que teve pedido de liberdade negado pela Justiça no mês passado, a defesa dele alegou que o acusado sofreu coação moral por parte de Fermino e que todos os fatos foram planejados e executados pela autoridade policial. Segundo o que consta no processo, a defesa do delegado diz que ele foi enganado por Paulo, que era informante do responsável pela investigação.
O juiz Marcos Braga Martins ainda aguarda resposta da defesa do réu preso sobre hipótese de insanidade mental. Em razão disso, o magistrado indeferiu para todos os réus pedidos de absolvição sumária, mantendo o recebimento da denúncia da Promotoria e decidindo pela manutenção da prisão do réu.