Com metáforas religiosas indicando revelações divinas e auxílio de profetas, o delegado Moacir Fermino divulgou, nesta segunda-feira (8), as identidades e os detalhes do caso que envolve duas crianças esquartejadas em ritual satânico em Novo Hamburgo. A coletiva de imprensa conturbada gerou polêmica ao atribuir a Deus a solução e uma reunião emergencial da chefia da Policia Civil.
Os investigadores chegaram a sete suspeitos – o “bruxo” e seis discípulos, que tiveram suas prisões preventivas decretadas pelo Judiciário. Três estão foragidos, entre eles o argentino apontado como responsável por pegar os irmãos em seu país de origem.
Conforme a investigação, Sílvio Fernandes Rodrigues, 44 anos, é o “bruxo” e mestre que teria comandado o ritual. As crianças teriam sido mortas pelos demais participantes.
O dono do site “Templo de Lúcifer”, em que ele mesmo conta que ganhou prêmios e circulou pelo mundo levando seus conhecimentos, teria determinado o valor a ser pago pela magia, a necessidade de duas crianças de mesmo sangue e o passo a passo de como tudo deveria ocorrer.
Também preso, Jair da Silva, empresário e morador de Novo Hamburgo, é apontado como o principal “cliente”, que teria encomendado o suposto ritual de prosperidade após ter sido apresentado por seu sócio, Paulo Ademir Norbert da Silva, que está foragido. Os R$ 25 mil pagos à vista ao bruxo teriam sido divididos pela dupla – que apesar do sobrenome em comum, não têm parentesco. Eles atuam no mercado imobiliário, de revenda de carros e comércio de melancias.
Dois filhos de Jair teriam participado do ritual: Andrei Jorge da Silva, que está preso, e Anderson da Silva, que é procurado. Havia pistas de que Anderson e Paulo estavam em Cidreira, mas, quando a polícia chegou ao local na semana passada, eles tinham fugido.
Márcio Miranda Brustolin, que foi detido por último, na sexta-feira passada, também teria envolvimento no ritual, como discípulo do bruxo.
O último procurado é o argentino Jorge Adrian Alves. Casado com uma brasileira e depois de ter morado em outros Estados, estaria vivendo em Novo Hamburgo e trabalhando para os empresários. O estrangeiro teria sido incumbido pelos sócios gaúchos de trazer duas crianças para serem sacrificadas. A suspeita é de que Jorge tenha trocado os dois irmãos, raptados de uma localidade pobre da província de Corrientes, no país vizinho, por um caminhão roubado no Brasil.
Suspeitos negam participação
Os sete serão indiciados por duplo homicídio – com possível agravante de tortura. Em depoimentos, todos os envolvidos negaram participação no crime e também disseram que não se conheciam. Apenas um deles teria advogado – mas o nome não foi divulgado.
Não seria à toa o total de participantes no ritual: a polícia apurou que sete é um número cabalístico para os fiéis do satanismo. Os passos da magia também foram executados de sete em sete dias, de acordo com a lua. A primeira etapa determinada pelo “bruxo” teria sido dada a Jair: o empresário teve de ir a uma igreja evangélica e “renunciar a Deus” para então poder “seguir o diabo”, segundo Fermino:
– Ele teve que, na frente do altar, pingar uma gota de sangue sua em cima de uma Bíblia. Nós apreendemos diversas Bíblias ao longo da investigação e vamos tentar encontrar essa prova material também.
A data em que a renúncia foi feita ainda é desconhecida, assim como a da morte das crianças. Depois de levadas ao templo de Sílvio, no dia do ritual, elas teriam sido amarradas em dois pedestais.
Detalhes do ritual
Uma testemunha que teria visto o ritual disse que, enquanto os discípulos se ajoelhavam e se curvavam “ao diabo”, o bruxo falava idioma desconhecido. O delegado acredita ser aramaico pelo fato de Sílvio ser fiel ao deus Moloch.
Durante o ritual, a menina, com 10 ou 12 anos, foi ferida a facadas. A polícia acredita que ela estava viva, devido às marcas de luta corporal. O garoto foi alcoolizado – laudo apontou 15 vezes o limite da Lei Seca.
– Um adulto com essa quantia de álcool poderia entrar em coma, imagina uma criança – disse Fermino.
Uma prestadora de serviços é considerada “testemunha-chave”. A mulher presenciou, por acaso, parte do ritual em uma obra no bairro Lomba Grande, em Novo Hamburgo, próximo ao local onde partes dos corpos foram encontradas. Segundo o diretor de Polícia Metropolitana, delegado Fábio Motta Lopes, a mulher trabalhava no local onde uma das partes do ritual aconteceu. Ela teria retornado à obra para buscar pertences que havia esquecido.
O depoimento dela foi confirmado por meio de laudos periciais. Ela relatou que havia uma criança com dificuldades de andar e permanecer em pé.
– Era uma pessoa que não teria motivo para fantasiar, inventar história – descreve Motta Lopes.
Há, ainda, a hipótese de que os discípulos tenham bebido sangue e comido a carne das vítimas, além de abusos sexuais, que serão analisadas. Depois, partes dos corpos teriam sido congeladas no templo e desovadas em pontos estratégicos, em terras dos empresários, a cada sete dias, em busca de prosperidade.
Autoridades da Argentina foram acionadas e devem colaborar com as investigações. A principal expectativa é pela identificação das crianças.