A carne suculenta e o leite mais nutritivo estão diretamente ligados aos cuidados com o rebanho, onde a alimentação tem papel determinante. A nutrição é ainda um dos pilares para a sustentabilidade econômica da propriedade, representando cerca de 50% do custo de produção. No Rio Grande do Sul, com pastagens naturais mais abundantes do que em outros Estados, a adoção de medidas extras para garantir comida não é prática consolidada. A adesão maior é nos bovinos de leite, sendo menos comum na pecuária de corte.
– A nutrição permite que os animais assimilem nutrientes existentes nos mais diferentes alimentos e os transforme em carne, leite... Ou seja, pode ter impacto direto na produtividade do sistema – explica a zootecnista Márcia Cristina Teixeira da Silveira, pesquisadora da área de pastagens cultivadas da Embrapa Pecuária Sul, de Bagé.
Atender a necessidade dos animais abrange o cultivo de pastagens e a suplementação com probióticos (bactérias do bem) e leveduras (fungos), além dos tradicionais aminoácidos, carboidratos e proteínas. Um dos caminhos é reduzir os períodos de vazio forrageiro, pontua Márcia. Durante a 41ª Expointer, que se encerra neste final de semana, em Esteio, a Embrapa apresentou o conceito “pasto sobre pasto”. O método consiste no manejo estratégico por meio do cultivo de variedades específicas que permitem ao produtor ter forragem o ano todo, incluindo os períodos críticos na primavera (outubro e novembro) e no outono (maio e junho).
– Os vazios são problemáticos do ponto de vista nutricional. A falta de estabilidade na distribuição de forragem leva à dificuldade de manejo na propriedade – detalha a pesquisadora, destacando que nessas duas épocas do ano é possível perceber o maior uso de concentrados, alimentos com baixo teor de fibra e alto valor energético.
Para reduzir a dependência de ração, a Embrapa recomenda o rebaixamento da pastagem de inverno com maior carga animal ao final do ciclo. Diminuindo a matéria verde, na sequência é possível implantar a pastagem de verão sem uso de químicos para dessecar. Segundo a pesquisadora, em condições climáticas favoráveis, a nova lavoura poderá se desenvolver em menos de um mês.
Dessa forma, o vazio forrageiro cairia de 50 a 60 dias para 30 a 45. Na feira, a Embrapa apresenta cinco novas cultivares de pastagem adaptadas ao clima gaúcho e indicadas para bovinos de leite e de corte. Uma de verão, o capim-sudão (BRS Estribo) e quatro de inverno, sendo três leguminosas e uma gramínea: trevo-branco (BRSURS Entrevero), trevo-vesiculoso (BRS Piquete), cornichão (URSBRS Posteiro) e aveia (URS Flete).
Em busca da fórmula ideal para equilíbrio nutritivo
Na pecuária de leite, o cultivo de pastagens e o uso de concentrados são mais comuns.
– O produtor que atende a exigência nutricional das vacas consegue ter maior estabilidade na produção – frisa Lisiane da Silva Schlick, extensionista da Emater em Santana do Livramento.
Além disso, uma vaca bem alimentada tem mais chances de parir uma vez a cada 12 meses. Na nutrição, o ideal é que 60% do total ingerido pelas vacas seja de volumoso – com alto teor de fibra e baixo valor energético, como pasto, forragem, silagem e feno. De acordo com Lisiane, ultrapassar os 40% de suplementação, sem a devida atenção a variáveis como idade, raça, estado físico e sistema de produção, pode causar transtornos metabólicos nos animais.
A Cabanha Cinco Salsos, de Aceguá, que participa da feira, tem 320 vacas da raça jersey. Na propriedade, que destina 70 hectares ao rebanho leiteiro criado em sistema semiextensivo, a alimentação segue a proporção: 70% pasto cultivado e 30% concentrado.
– Nossa preocupação é produzir com o menor custo e o melhor resultado possível – explica o veterinário da Cinco Salsos Eduardo Costa, acrescentando que a atividade hoje é 30% mais rentável que há cinco anos.
Na cabanha, a suplementação começa antes do parto, com 1% do peso vivo de concentrado e segue na lactação. As vacas secas pastejam no bioma Pampa. Segundo projeto de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) voltado à criação de novilhas no campo nativo, na propriedade há diversidade de 423 espécies.
– Não há suplemento que substitua a fibra de qualidade – ressalta o veterinário Leonardo Moreira, gerente da empresa de nutrição animal Kera, de Bento Gonçalves, que trabalha com produtos à base de probióticos e leveduras.
Moreira ressalta que não se fala mais em quantidade, mas em qualidade do pasto. Entretanto, afirma que é a suplementação que garante um organismo equilibrado e a boa digestão das fibras.
Probióticos e óleos essenciais
Na pecuária, cresce o uso de produtos à base de óleos essenciais, como os extraídos da canela, do alecrim e da pimenta. Antônio Roberto Bacila, veterinário especialista em nutrição animal, detalha que tais substâncias ajudam a prevenir doenças.
– Há necessidade de evitar o uso indiscriminado de antibióticos – explica Bacila, diretor-presidente da empresa Organnact, de Curitiba (PR), expositora na Expointer.
Além da ação preventiva e curativa, a suplementação com probióticos e prebióticos ajuda a melhorar a qualidade do leite, por auxiliar na redução da contagem de células somáticas (CCS). Na pecuária de corte, o resultado é maior ganho de peso pelo melhor aproveitamento do alimento.
Os probióticos são bactérias do bem que ajudam a digerir melhor as fibras da forragem, favorecendo a absorção dos nutrientes que se transformam em energia. Já os prebióticos evitam o desenvolvimento de bactérias patogênicas, fortalecendo o sistema imunológico dos animais.
Planejamento e ajuste de lotação
O planejamento forrageiro, o ajuste da lotação – carga de animais no pasto – e a implantação de plano básico anual de suplementação mineral são tarefas imprescindíveis na pecuária.
– A falta de aporte mineral e de proteína compromete o aproveitamento da pastagem nativa gaúcha, que é de alta qualidade, porém tem baixa digestibilidade devido ao alto percentual de fibra – explica o veterinário Eduardo Madruga, gerente técnico de pecuária de corte da empresa Tortuga na Região Sul, destacando que o cenário evoluiu consideravelmente em 10 anos.
Madruga informa que a produção média no Estado varia de 80 a cem quilos de carne por hectare, mas que há potencial para chegar a 200 quilos por hectare em três anos. O criador de brangus Marcelo Quadros, da Estância Lucero da Califórnia, de Uruguaiana, na Fronteira Oeste, faz suplementação estratégica por meio de um plano anual e já alcançou a média mais alta.
Cauteloso com os custos, Quadros conta que estudou para investir na nutrição do rebanho. São 2,3 mil animais lotados em área de 2,4 mil hectares de campo nativo. O próximo passo será a implantação de pastagem cultivada.
Melaço é matéria-prima de suplemento
O melaço desidratado, subproduto da cana-de-açúcar, é uma das matérias-primas em suplementos alimentares de ruminantes. A formulação é fonte de energia e, combinada com farelo de soja ou de algodão e ureia, substitui os já conhecidos sal mineral e sal proteinado. O alimento é ofertado ao rebanho por meio de um balde com capacidade para atender de 15 a 30 animais e pode durar até 30 dias.
Criador das raças devon, angus e brangus, o veterinário Benedito Franco, da Cabanha Santa Maria, de Santa Margarida do Sul, na Fronteira Oeste, comparou o sistema de balde com o tradicional, que prevê o uso de cochos. Das 1,2 mil cabeças, oferta o melaço para cerca de 400 reprodutores em preparação para serem comercializados.
– O consumo é bem menor e não há desperdício – afirma Franco, que utiliza melaço há oito anos, combinando com pastagem cultivada de azevém e aveia, além de campo nativo no verão.
O zootecnista Luis Felipe Artioli, mestre em nutrição de ruminantes e coordenador técnico da Mub Nutrição Animal, que participa da Expointer, alerta que se o produtor não pensar em uma suplementação com proteína e energia, a pecuária somente a pasto e sal mineral pode não ser rentável.
UFRGS pesquisa taninos de acácia
Pesquisadores do departamento de zootecnia da faculdade de Agronomia da UFRGS analisam o uso de taninos da casca da acácia na alimentação de bovinos. Segundo o professor e zootecnista Harold Ospina, em dois meses foi possível perceber diferença no ganho de peso. Os animais que receberam dieta com tanino aumentaram cerca de 1,2 quilos por dia. Os bovinos que receberam outro tipo de suplementação tiveram engorde médio de 900 gramas por dia.
A pesquisa verificará ainda a eficiência na digestão de nutrientes, no controle de parasitas, no desenvolvimento produtivo e reprodutivo e na emissão de metano.