As vacas da Serra rendem mais leite do que as de outras localidades do Rio Grande do Sul, Estado líder em produtividade no país. Genética, reprodução assistida, manejo, assistência técnica de qualidade, perfil das propriedades, sanidade e boa alimentação são algumas práticas que ajudam a explicar o melhor desempenho. Sem contar o ingrediente-chave: o trato com os animais.
Na região, a média é de 3,7 mil litros/ano por exemplar, segundo a Emater. O índice é superior ao gaúcho, de 3,4 mil litros anuais, e vence com folga o brasileiro, que fica em 1,7 mil litros.
Responsável por 9% da produção e 8% do rebanho do Rio Grande do Sul, a Serra tem particularidades que a tornam campeã de produtividade. Um dos principais ingredientes é o padrão genético. As vacas costumam ser criadas em regimes de confinamento, parcial ou total. Assim, a reprodução geralmente ocorre por inseminação artificial e é acompanhada de perto por geneticistas.
Duas grandes empresas de laticínios – Piá, de Nova Petrópolis, e Santa Clara, de Carlos Barbosa –, disponibilizam aos pecuaristas especialistas que trabalham exclusivamente com melhoramento genético.
Isso acaba se refletindo nos números gerais na Serra, que conta com 12,5 mil produtores de leite. Juntas, Piá e Santa Clara somam mais de 6 mil associados, que se beneficiam dos serviços disponibilizados pelas cooperativas.
– Não se faz aventura genética. Há um trabalho de melhoramento na região há muitos anos que gera essa evolução – aponta João Luz, assistente técnico da Emater Caxias do Sul, que atende a 49 municípios no entorno.
O presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios (AGL), Ernesto Krug, destaca que a melhora na qualidade da assistência técnica também contribui para aperfeiçoar o manejo e a sanidade, fatores com influência direta na produção. Doenças graves, como tuberculose e brucelose, estão sob controle. Outra característica local é que a maioria das propriedades é pequena, com média de 37 hectares, o que exige maior profissionalismo na gestão.
– A Serra tem propriedades menores, que buscam crescer em escala de produção. E o produtor é especializado, dedica-se apenas ao leite – explica Krug.
O conjunto de fatores faz com que a Serra seja a região com maior produtividade de leite no Rio Grande do Sul e, por tabela, no Brasil, informa Luz, ressaltando que existem casos pontuais de animais em outros Estados que conseguem resultados ainda mais expressivos.
Por município, Araras (SP) tem o melhor desempenho, com média de- 13,7 mil litros/ano por exemplar, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os 10 maiores resultados, estão dois municípios da Serra: Carlos Barbosa e Vila Flores, que ocupam a quinta e a sexta colocações, respectivamente.
Carlos Barbosa é líder no Estado
Em Carlos Barbosa, o rendimento médio é de 6,8 mil litros/ano por vaca. O produtor João Grespan tem participação direta nesse desempenho. Em sua propriedade, cada uma das 42 cabeças em lactação rende 10 mil litros anualmente. E os números sobem a cada temporada. Em 2016, tiravam-se 900 litros de leite do rebanho por dia. Neste ano, são 1,3 mil litros.
– Com pouca área de terra, temos que crescer pela produtividade. A genética nos ajuda a aumentar de 15% a 18% o volume ao ano – justifica.
Na propriedade de Grespan, as atividades são divididas e executadas com a precisão de um relógio suíço durante os 365 dias do ano. Ele cuida da limpeza das vacas, enquanto a mulher faz a ordenha. Os filhos, que estudam agronomia e zootecnia, cuidam do solo, da produção de alimentos e da genética. Já a filha faz a contabilidade da granja. Juntamse a eles dois técnicos, que prestam consultoria nas áreas de reprodução e alimentação. A soma do esforço coletivo resulta em alto rendimento.
Tecnologia potencializa manejo
A tecnologia é aliada de uma série de propriedades de leite, configurando-se em outro aspecto que explica o incremento na produtividade. Em 2015, Ezequiel Nólio, um dos proprietários da Tambo Nólio, de Paraí, foi pioneiro no Estado a apostar na utilização de robôs para a realização da ordenha. Dois anos depois, a produção média por vaca passou de 28 para 35 litros ao dia.
A máquina está junto ao pavilhão onde ficam as 63 vacas da raça holandesa. Os animais se dirigem ao equipamento por conta própria. Assim, não há horário fixo para a ordenha. Nólio conta que chegam a fazer fila para entrar no box. A máquina reconhece cada vaca, fornece ração em medida controlada e coleta informações sobre a qualidade do leite gerado.
– O investimento foi em torno de R$ 900 mil, entre a máquina e adaptações do pavilhão. O retorno se dará em cinco anos, com aumento na produtividade e redução de consumo de ração. E vamos ganhar uma lactação a mais por cada vaca – celebra Nólio.
A utilização de robôs ainda é tímida no RS e no Brasil. Na maior parte das propriedades, são utilizados equipamentos para fazer a transferência do leite do úbere direto para o tanque de resfriamento e para medir a produção.
Quando a genética vira negócio
Algumas das vacas com maior produtividade do Brasil são de Farroupilha. A Granja Tang coleciona títulos em feiras, exposições e campeonatos que medem a produção dos animais. Com essa credencial, o comércio de embriões, o aluguel das vacas para reprodução e a venda de exemplares se tornaram um negócio para a cabanha, que tem 40% do seu faturamento oriundo dessa área.
A produtividade elevada vem de longa data. De 2009 a 2013, a granja teve uma recordista nacional. Foi a vaca holandesa Raquel, que chegou a produzir 20 mil litros de leite ao ano. O animal já morreu, mas o atual plantel de 31 vacas da raça holandesa em lactação conta com sua neta e bisneta.
Agora, a nova estrela é a vaca Sali. Com média anual de 17 mil litros, ganhou o concurso leiteiro da Expointer 2017. Aos três anos, venceu na categoria jovem, gerando 66 quilos de leite. O resultado foi superior até ao da campeã adulta, que totalizou 52 quilos.
A granja tem produtividade de 11,8 mil litros ao ano por cada animal. O segredo para o desempenho está em fatores característicos da região. A propriedade é pequena, com 14 hectares, e tem dedicação exclusiva ao gado leiteiro. Também influenciam no resultado cuidados com genética e alimentação equilibrada entre proteínas, silagem, feno e capim.
Outro ingrediente é considerado fundamental: o trato com os bovinos. A ordenha é feita a cada 12 horas para evitar lesões no úbere. As vacas permanecem soltas no pasto pela manhã, permitindo que se movimentem e até mesmo interajam. E cada vaca tem um nome, geralmente uma homenagem a parentes e amigos da família.
– Os animais também gostam de tomar sol e passear, como os humanos. E cada uma tem personalidade própria. Tem vaca dócil e mais agressiva, que briga com as outras – conta o proprietário Itamar Tang.
Toda a produção da Tang é de genética holandesa. A raça, aliás, é predominante no Rio Grande do Sul: segundo a Emater, o plantel chega a mais de 650 mil animais. Na Serra, são 53 mil cabeças.