A safra gaúcha de soja, em fase de plantio, deve conviver com problemas de resistência proporcionais ao tamanho da área cultivada – ao redor de 5,7 milhões de hectares, recorde no Rio Grande do Sul. A perda da eficácia pelo uso contínuo de agroquímicos, na mesma lógica de antibióticos consumidos por humanos, tornou-se um dos grandes riscos à produção do grão. O cenário, resultado de práticas equivocadas no passado, exigirá conhecimento cada vez maior para adoção de manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas.
– Um produto sozinho não vai mais resolver os problemas das lavouras, cada vez mais será necessária a integração de todas as práticas de controle, incluindo as biológicas – afirma o fitopatologista Ricardo Balardin, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
A constatação vem dos casos de resistência nas lavouras, cada vez mais frequentes. A ferrugem asiática, terror dos sojicultores no início dos anos 2000, é um exemplo. Na época, a doença começou a ser combatida com o modo de ação dos triazóis. Em 2008, ocorreram os primeiros registros de resistência no país. Foi quando os agricultores passaram a usar a estrobilurina, que em 2012 começou a ter a eficiência reduzida pelo mesmo motivo. E, na última safra, a terceira resistência ao fungo abalou novamente o setor.
– Em pouco tempo de uso, as carboxamidas também já são afetadas parcialmente. Isso é um alerta do que pode vir pela frente – aponta Jean Zonato, diretor de Fungicidas da Bayer, fabricante líder no mercado de fungicidas no Brasil.
O encurtamento do ciclo de eficácia está relacionado com o uso intensivo de um determinado produto, destaca Cláudia Godoy, pesquisadora da Embrapa Soja:
– A seleção natural é muito mais rápida do que o desenvolvimento de uma nova tecnologia.
Em média, o registro de um novo fungicida no Brasil leva sete anos, isso sem contar o tempo de desenvolvimento de uma molécula – em torno de cinco anos.
– É extremamente complicado e custoso trazer novos sítios de fungicidas – destaca Rogério Bortolan, presidente do Comitê de Ação à Resistência de Fungicidas no Brasil (FRAC).
O aumento deste problema nas lavouras de soja vem representando perdas para a agricultura, em um misto de insatisfação dos produtores e frustração das indústrias químicas – que devem dividir as responsabilidades.
– O cenário que estamos presenciando resulta de um somatório de equívocos agronômicos, que potencializaram os problemas de resistência – avalia Balardin.
Enquanto muitos agricultores adotaram manejo inadequado dos produtos, em um sistema de automedicação, as indústrias focaram as soluções apenas em produtos, e não em medidas integradas, diz o professor da UFSM. A reversão desse quadro hoje está nas mãos do agricultor, com o monitoramento constante das lavouras, rotação de produtos e preservação do vazio sanitário – período mínimo de 60 dias de ausência de plantas vivas de soja na entressafra.
Outra prática importante, segundo a pesquisadora da Embrapa Soja, é o encerramento do calendário de plantio da soja após 31 de dezembro – medida adotada em lei por diversos Estados brasileiros, não incluindo o Rio Grande do Sul. A safrinha de soja, plantada imediatamente após a colheita do milho, aumenta a pressão de doenças nas lavouras.
– É uma medida impopular (fechar o calendário por meio de legislação), porém necessária para preservar as poucas moléculas que estão no mercado. Não temos novas tecnologias a caminho, chega uma hora em que a ciência se esgota – alerta Cláudia.
Ações combinadas para proteger a lavoura
Produtores de soja no noroeste do Estado, os irmãos Marcelo e Gustavo Chiappetta testarão novas formas de controle a pragas, fungos e plantas daninhas nesta safra. Com problemas pontuais de invasoras na lavoura de 2,3 mil hectares, os agricultores irão rotacionar princípios ativos de herbicidas e investir em coberturas de solo logo após a safra da oleaginosa.
– Vamos plantar capim sudão depois da colheita e após entrar com forrageiras de inverno, com o intuito de barrar o ciclo de reprodução de daninhas _ conta o agrônomo Marcelo, 34 anos, que administra a propriedade ao lado irmão e do pai Luiz Antônio, 76 anos.
A estratégia incluirá a alternância do glifosato e do 2,4-D com herbicidas pré-emergentes, com princípios ativos diferentes. Para afastar a resistência de fungos e insetos, investirão também em controle biológico – técnica que utiliza inimigos naturais, como predadores, parasitas ou patógenos.
– Alguns inseticidas químicos não têm seletividade, matando espécies que são importantes para a biodiversidade – diz Marcelo.
Outra preocupação é a menor resistência à Helicoverpa armígera, até mesmo nas áreas onde está cultivada a Intacta, segunda geração de soja transgênica que deveria ser tolerante à praga que causou prejuízos bilionários no Brasil.
– A lagarta está comendo a soja em alguns locais, isso é muito preocupante – completa o produtor.