No país onde a produtividade média da pecuária de corte é de 60 quilos de carne por hectare, uma propriedade no interior de São Borja, na Fronteira Oeste, alcança resultado quase 10 vezes superior. Na Ruviaro Agropecuária, comandada pelos sócios Eduardo Coelho e Guilherme Ruviaro Fração, o rendimento do rebanho das raças angus e braford passa de 500 quilos de carne por hectare – com picos isolados que chegam a 800 quilos. Com pastagens cultivadas no inverno e no verão, identificação eletrônica do rebanho, tecnologia no manejo e intensificação da atividade, a fazenda está preparada para o futuro – que terá espaço apenas para quem produzir mais por área.
– Temos uma ideia clara do caminho a ser seguido – revela Coelho, 37 anos.
Há quatro anos, ele e o sócio provocaram uma verdadeira revolução na propriedade destinada à recria e terminação de gado, começando pelo aumento da oferta de alimento e da lotação de animais por hectare.
– Medimos a nossa produção e calculamos os custos. Então, percebemos que não dava para continuar com o modelo tradicional – lembra o produtor.
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De 2013 para cá, os sócios aumentaram a quantidade de comida para os mais de 5 mil animais criados em menos de 3 mil hectares. Para ampliar o volume de pastagem, passaram a cultivar azevém e aveia no inverno e brachiaria e panicum no verão. O campo nativo está presente hoje em apenas 25% da área usada pela pecuária.
– E, quando possível economicamente, suplementamos a nutrição em sistema de confinamento – detalha Coelho.
Nos picos de produção, no verão, a lotação chega a 7 mil animais – média de quase três cabeças por hectare, se for descontada a área de produção de arroz, cerca de 680 hectares. A integração da lavoura com a pecuária, em anos alternados, também ajuda a elevar a produtividade do rebanho. Neste ano, os produtores começarão a plantar soja em 330 hectares – que também serão rotacionados com a criação de animais.
Com comida abundante o ano todo, os animais são abatidos entre 24 e 30 meses, no máximo. Quase 90% do rebanho terminado na Ruviaro faz parte de programas de certificação de carne angus e braford – com bonificação recebida na hora da venda a frigoríficos. Outro diferencial é o uso de tecnologia, presente em toda a propriedade, desde a identificação eletrônica dos animais até em drones usados para visualização detalhada das pastagens e da distribuição do rebanho.
– A distância entre os mais produtivos e a média é muito grande ainda – enfatiza Maurício Palma Nogueira, coordenador de pecuária da Agroconsult.
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Longo caminho para ampliar produtividade
No Rio Grande do Sul, existem fazendas que produzem de 50 quilos a até mil quilos de carne por hectare ao ano, exemplifica Fernando Cardoso, chefe de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Pecuária Sul. Embora a atividade tenha se modernizado nas últimas décadas, com ganhos de qualidade e produtividade, o setor tem ainda muitas oportunidades pela frente. Segundo a Agroconsult, o Rio Grande do Sul é um dos únicos Estados onde o peso médio de abate vem diminuindo nos últimos anos:
– É uma pena, pois o campo nativo é um dos principais patrimônios da produção gaúcha, assim como as raças britânicas puras – lamenta Nogueira.
Uma das razões para a produtividade menor é a necessidade de diversificar as formas de manejo do campo nativo, principalmente para garantir nutrição na fase de terminação dos animais.
– É preciso manejar o campo de forma correta, sem deixar os animais perderem peso, com adubação e ajuste da carga de bovinos – explica o pesquisador da Embrapa Pecuária Sul.
Para tornar a pecuária menos heterogênea, a exemplo do modelo padronizado da agricultura, é preciso também modernizar os processos de gestão, alerta Ruy Fachini Filho, presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS):
– Se peguntarmos quantos quilos de carne os pecuaristas produzem por hectare, poucos sabem responder. É preciso ter tudo na ponta do lápis.
Raças britânicas têm rendimento superior
Criadores de raças de origem britânica, caracterizadas pela carne de maior qualidade, partem com vantagem na corrida em direção ao futuro. Ao priorizar touros com alta genética para melhoramento do rebanho, produtores conseguem rendimento superior à média da pecuária brasileira. Pesquisas recentes mostram que o uso de touros melhoradores representa ganho mínimo de 20% em produtividade, sem mudar praticamente nada nas condições ambientais da criação.
– Não dá para usar qualquer tourinho da propriedade para melhorar o rebanho – confirma Fernando Lopa, CEO da Associação Brasileira de Criadores de Hereford e Braford.
Para o dirigente, o futuro da atividade passa pela certificação de carnes:
– Em tempos de crise, como agora, o que segurou o preço foi a diferença dos programas de certificação – ressalta Lopa.
Presidente da Associação Brasileira de Angus, José Roberto Pires Weber também defende o uso de touros registrados para aumentar a qualidade genética do rebanho:
– O mercado está cada vez mais competitivo e o consumidor mais exigente. Quem não tiver qualidade, ficará pelo caminho.
Além da genética do animal, acrescenta Weber, a qualidade da carne passa também pelo uso de insumos com bom potencial, como sementes das forrageiras para pastagens, e a especialização das etapas da produção.
– É impossível hoje algum criador ter condições de fazer cria, recria e terminação com a mesma eficiência. Não dá para ser bom em tudo – diz Weber.
De acordo com o professor Julio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro/UFRGS), dois tipos de pecuaristas irão resistir às mudanças que já estão em curso: os que tiveram grande escala, por volume ou produtividade, e aqueles que investirem na atividade como complementação da renda.
– Os pequenos terão de passar por um profundo processo organizacional, caso contrário serão excluídos, ainda mais se as mudanças previdenciárias forem concretizadas – completa o professor.
Rastreabilidade ainda distante da realidade
Requisito dos mercados mais exigentes, como a União Europeia, a rastreabilidade ainda está distante da pecuária brasileira – assim como o consenso sobre o tema. No Rio Grande do Sul, apenas 130 propriedades têm o sistema operando.
– Além de ser um passaporte para mercados mundiais, esse recurso traz vantagens para a gestão do negócio, com um controle apurado de toda a produção – considera José Roberto Pires Weber, presidente da Associação Brasileira de Angus.
Na opinião de Fernando Lopa, CEO da Associação Brasileira de Criadores de Hereford e Braford, a rastreabilidade só deverá ocorrer se for de forma facultativa – para não onerar os produtores que não tiverem condições de aderir.
– Não é o sistema que abrirá mais mercados, mas sim os acordos comerciais – pondera Lopa.