Se você caminha pela faixa de areia durante a semana no Litoral Norte, percebe que o movimento de banhistas é muito menor do que em temporadas anteriores. Essa redução de público, em razão da pandemia de coronavírus, reflete diretamente no bolso de quem depende de vendas.
O clima fechado e chuvoso em muitas praias no mês de janeiro serviu para piorar a situação. Já este início de fevereiro tem apresentado tempo bom, mas com ressaca no mar, o que também atrapalhou as vendas.
A reportagem de GZH conversou com lojistas, supermercadistas, quiosqueiros, vendedores ambulantes, donos de hotéis, de bares e de restaurantes, além de entidades que representam esses setores e prefeituras, para mensurar o impacto nas vendas ao longo dessa temporada. Há estabelecimentos amargando redução de 75% nos negócios em relação ao ano passado. A unanimidade entre eles? Este é o pior verão da história do Litoral Norte. A esperança para amenizar a situação está no público do Carnaval, mesmo que festas com aglomerações estejam proibidas.
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Proprietária do tradicional restaurante Jurema’s, no Centro de Capão da Canoa, Gislane Pires, 66 anos, conta que a redução no faturamento chega a 50%, em comparação com o verão de 2020.
Além da redução de público, Gislane, há 42 anos no ramo de gastronomia da cidade, diz que o comportamento do cliente também mudou. As refeições fartas, que chegam a servir duas pessoas, estão dando lugar a pratos mais em conta. Uma faixa grande ao lado da porta do estabelecimento anuncia a la minuta por R$ 22,90.
O tradicional restaurante chegou a ter 37 funcionários no auge das temporadas anteriores. Hoje, são 20.
— Tenho a sorte de ser proprietária do imóvel e não precisar pagar aluguel. Mas tem outros donos de restaurantes que tiveram que fechar as portas — destaca a empresária, que comemora o fato de nenhum funcionário ter contraído a covid-19.
Presidente do Sindicato de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares do Litoral Norte, Ivone Ferraz conta que o início do ano foi muito difícil para o setor em razão de decretos de restrições de atividades estaduais e municipais. Segundo ela, com essa incerteza, muita gente cancelou reservas feitas em hotéis:
— A redução foi de 40% do nosso público. Após a flexibilização das atividades, o setor melhorou um pouco. Aí tivemos de novo um problema no dia 2 de fevereiro, com a interdição das praias e desinformação. Isso também provocou cancelamentos de reservas.
Em relação a bares e restaurantes, Ivone acredita que parte do público ainda está temeroso em frequentar esses estabelecimentos em razão da pandemia.
— Mas os hotéis, bares e restaurantes seguem todos os protocolos sanitários e são fiscalizados — argumenta Ivone, ao ressaltar que o verão de 2021 é o pior da história para o setor na região.
Redução de até 75% nas vendas de lojas
A vendedora Irma Cherutti, 65, trabalha numa loja de acessórios femininos do centro de Capão da Canoa. Em março do ano passado, após oito anos, foi demitida em razão da pandemia, mas recontratada no fim do ano para atuar no verão.
— A nossa redução de vendas em relação ao ano passado é de 75%. Além de queda drástica de público, as pessoas estão pedindo muito desconto, mais do que em anos anteriores — conta Irma.
A vendedora é mais uma de tantas pessoas que conversaram com a reportagem de GZH e que temem ficar sem emprego ao fim da temporada. Mas a esperança é de dias melhores:
— Tenho expectativa de aumento nas vendas para o Carnaval.
Presidente do Sindilojas de Torres e Região, Nasser Samhan, fala em redução de 15% a 20% nas vendas do setor têxtil.
— O tíquete médio de venda até aumentou, mas temos menos pessoas comprando. A gente sente que as pessoas têm uma demanda reprimida e que querem gastar — diz o dirigente da entidade e proprietário da Casa São Paulo, loja de departamento que existe há 62 anos em Torres.
Samhan acha difícil uma recuperação do mercado ao longo de fevereiro e início de março, mesmo com o Carnaval na próxima semana. Mas está otimista quanto ao restante de 2021.
— Acredito que teremos um ano positivo com a vacinação da população. Até acredito num crescimento nas vendas em razão da demanda reprimida — projeta.
Segundo ele, se não fosse o programa do governo federal que auxiliou empresas com redução de jornada dos empregados, por exemplo, a temporada seria ainda pior.
— Se não fosse ajuda do governo, eu fecharia as portas. Eu tenho quase 200 funcionários e estava com as demissões todas na mão. Quando veio a notícia do programa, aí a coisa mudou — relata Samhan.
Ambulantes e a luta para se manter
O domingo (7) foi um dia em que o clima estava convidativo para a praia, mas não para o mar. A ressaca fez com que a água reduzisse a faixa de areia seca a, no máximo, dois metros em alguns trechos. Se estava ruim para quem queria aproveitar o dia, pior para quem precisa vender, como os ambulantes.
No meio da tarde, Letícia Souza, 19, e Ricaelly Santos, 20, estavam sentadas em cadeiras de praia em frente ao seu carrinho de roupas de banho e chapéus. Viajaram durante três dias da pequena cidade de Araçuaí, no interior de Minas Gerais, para Capão da Canoa em outubro de 2020. Já tinham feito a mesma jornada no fim de 2019. Só que neste ano está tudo diferente. Os clientes que paravam várias vezes o carrinho ficaram escassos. A insistência na tentativa de venda e os descontos oferecidos são estratégias para não ficarem com os produtos encalhados e conseguirem “sobreviver no litoral gaúcho”.
— Nossas vendas diminuíram 50% — lamenta Letícia.
Além de menos gente, Ricaelly conta que os veranistas estão pedindo descontos ainda maiores.
— Eles choram demais. As cangas que vendemos aumentaram de preço. Então, não podemos dar tanto desconto. Senão, saímos perdendo. Deus nos ajude para que tenha mais movimento no Carnaval e que não chova — disse a vendedora, unindo e elevando as mãos.
Quiosques amargam 40% de redução nas vendas
Nélida Holderbaum, 50 anos, é proprietária de dois quiosques, desde 2016, na praia de Capão da Canoa. Trabalhava no setor calçadista em Parobé e decidiu ir para o Litoral Norte para ter o próprio negócio e melhorar a qualidade de vida. Um de seus quiosques, porém, foi destruído pela forte ressaca que atingiu as praias gaúchas:
— Do jeito que ficou a estrutura, não dá para recuperar.
A comerciante não tem dúvidas de que 2021 é o pior ano de vendas.
— Eu tive redução de 40%. Tenho seis funcionários, mas já cheguei a ter o dobro disso — conta ela.
Segundo Nélida, tem dias em que a praia “até está bastante movimentada”, mas as pessoas estão gastando menos.
— Acho que as pessoas foram para praias menores, para não ficarem aglomeradas. E muitas que ficaram aqui reclamam dos preços — lamenta a dona do Quiosque Malibu, que tem esperança de recuperar um pouco do prejuízo no Carnaval.
Supermercados com clientes gastando mais, mas com queda nas vendas
Em supermercados do Litoral Norte, pode-se perceber que os carrinhos estão mais cheios, mas as filas no caixas estão menores. Segundo o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, o tíquete médio aumentou, mas as vendas caíram 15% na comparação com o mesmo período do ano passado.
— Se pegar o acumulado do ano, até teve crescimento, porque muita gente foi para o litoral durante a pandemia. Tivemos aumento de até 40% durante o inverno. Mas, na temporada de verão, das lojas que estavam abertas no ano passado, houve queda em 2021 — explica o dirigente.
Para Longo, empresas anteciparam férias de seus funcionários e, consequente, não há muita gente ficando ao longo da semana nas praias porque precisam trabalhar.
— A gente vê que o final de semana é que tem mais movimento. Isso é normal. Mas, em anos anteriores, tínhamos as lojas recebendo bastante gente em dias de semana, o que não se percebe agora — destaca Longo.
Em razão do aumento de público ao longo do inverno no Litoral Norte, houve abertura de novos supermercados e reforma e ampliação dos que já existiam.
— Além da redução de público, a concorrência também está maior — pondera o empresário.
Prefeituras do Litoral Norte têm registrado maior inadimplência no pagamento de impostos municipais por parte de estabelecimentos comerciais. Dificuldade semelhante é verificada entre vendedores ambulantes, em relação ao valor que precisa ser pago para receber o alvará de trabalho.
— Depois da temporada, ao longo do ano, vamos precisar sentar com as entidades que representam o setor para achar uma forma de negociação. Até porque o município também precisa arrecadar — destaca o secretário da Indústria e Comércio de Tramandaí, Luís Augusto Gonçalves Machado.