Depois de cruzar a porta de 2,5 metros, o agricultor Léo Hertzog Dimer, 55 anos, chega à pintura de um palhaço com cabelo esverdeado e macacão azul. O quadro esconde o que se imaginava ser o caminho para um baú com moedas de ouro. Ele retira a moldura que protege parte da parede sem reboco, e expõe tijolos fabricados no século 19, assentados sobre uma mistura que utilizou mexilhões para dar liga, segundo os mais antigos, afirma. O buraco foi aberto a procura de um dos tesouros escondidos na casa.
- Eu acho que tem é uma ossada aí - interrompe a esposa de Léo, a pedagoga Julse de Aguiar Dimer, 47 anos.
As lendas da residência mais antiga ainda habitada em Dom Pedro de Alcântara, na área serrana do Litoral Norte, ganharam fama na família Hertzog Dimer - já na quarta geração desde que o casarão foi comprado, nos anos 1950. Assombrações, barulho de corrente durante a noite e um suposto corpo enterrado embaixo do porão deslumbram os convidados a passar uma noite em um dos três dormitórios. Muitos não aceitam.
- A Neusa (cunhada) tinha medo de ir no porão por causa destas coisas de tesouro de alma perdida – conta, às gargalhadas, a bióloga Fabiana Hertzog Dimer, 48 anos, irmã de Léo, atual mandatário do terreno onde o prédio foi levantado.
Parte da família afirma que um alemão, integrante dos colonizadores que chegaram à região em 1826, ergueu o prédio. Outra parcela conta que as telhas de barro foram moldadas nas coxas de trabalhadores escravizados. Não há registro oficial sobre qual versão é a correta - o que deixa a história ainda mais curiosa.
Além das paredes de alvenaria, o imóvel conserva madeiras originais nas portas, janelas e no piso de tábuas inteiriças. As aberturas, inicialmente, eram trancadas por tramelas, e hoje ganharam fechadura - apesar de a vizinhança ressaltar a segurança de se viver na região. O pé direito ultrapassa três metros. Blocos de pedras formam duas escadas na entrada da construção, elevada em relação ao piso acidentado. Os quartos são amplos, e a área total é de 118 metros quadrados, além do porão que resguarda os supostos fantasmas.
- Não tem assombração nada. Mas eu já ouvi umas passadas no corredor. Fiquei arrepiada. No outro dia descobrimos que um amigo tinha morrido. Era o João vindo avisar que estava indo embora – relembra, rindo alto, Solete Hertzog Dimer, 80 anos, mãe de Léo.
No alto da fachada, uma pintura indica o ano de construção: 1890.
O executivo municipal confirma que a habitação mantém aspectos originais, e que em contatos com a população não foi encontrada outra casa mais velha com moradores. Há dificuldade em precisar a idade das construções da cidade, reitera o prefeito em exercício, Rodrigo Boff Daitx.
- Tem uma residência que na reforma encontraram uma telha com o registro de 1836, mas já foi desmanchada. Com gente morando essa é a mais antiga que soubemos - afirma.
Ao lado de Solete, Sirineu Webber Dimer, 85 anos, criou seis filhos - três homens e três mulheres. O imóvel foi comprado pelo seu pai, e serviu de armazém e até de escola para alfabetizar as crianças do início do século passado. Atualmente, o casal vive em uma confortável e acolhedora moradia de alvenaria, construída às margens da BR-101.
No hall de entrada da nova morada, um belo quadro do casarão foi pendurado.
— O casarão significa um alicerce muito forte pra nossa família. Pena que seja tão caro pra reformar – lamenta Solete.
Nas décadas em que viveram no topo do terreno, com vista para figueiras centenárias, Solete diz ter organizado incontáveis festas, churrascos de aniversário e banquetes de Natal. Uma vizinha chegou a admitir ter um pouco de inveja da animação da família.
— Que folia bonita dá aí, ela me disse — relembra a costureira aposentada.
Herança
Lincon Hertzog Dimer, de 21 anos, é a quarta geração da casa. O bisneto dos primeiros proprietários segue trabalhando com os pais no cultivo da banana, e viaja à Ceasa, em Porto Alegre, revender os frutos. Demonstra, no entanto, pouco interesse em seguir na residência, o que frustra os planos do pai.
— Meu sonho é deixar isso pros meus filhos. Não troco por nada aqui — frisa o agricultor.
Enquanto não encontra a fortuna escondida, a família mantém o tesouro construído há 131 anos. O medo atual de Solete é que algum temporal derrube a residência, que tem infiltrações no telhado e cupim em partes do piso e das caixas de madeira no teto.
O terreno onde está localizada a construção foi divido em dois. Ao todo, são 18 hectares, com criação de animais, açude, variada vegetação, bananeiras e até uma pequena cachoeira.
O patrimônio já foi distribuído para os filhos, e Léo sabe que não depende da vontade dele continuar vivendo no casarão histórico. Mas torce para que se continue criando fantasias na mente de quem não teme assombrações - e, um dia quem sabe, possa transformar a casa mais antiga do município em um local de visitação de turistas.
Dom Pedro de Alcântara
A cidade é acessada por um trevo no quilômetro 12 da BR-101. Após a passagem do pórtico, uma bela figueira divide a faixa, no canteiro central. A casa histórica fica na Estrada do Pinheiro, logo após essa área com a árvore ao centro.
Na cidade, há ainda o santuário Nossa Senhora de Lourdes, com a santa que dá nome ao local ao lado de Santa Bernadete. As imagens foram colocadas em uma gruta, esculpida pelas águas do mar, em um período não estimado. A página oficial do santuário, no site da prefeitura, afirma que o evento ocorreu “há milhares de anos”.
As visitas são gratuitas e a abertura da gruta, onde ficam as santas, é alcançada após 117 degraus. O local foi inaugurado em 1950.
Dom Pedro de Alcântara recebeu o nome em homenagem a passagem do imperador Dom Pedro I, que segundo a história dormiu uma noite na cidade quando visitava a localidade. Até 1995 se chamava Colônia de São Pedro, um distrito do município de Torres. Foi emancipada e teve a primeira administração própria em 1997.