Única igreja do Litoral Norte tombada como patrimônio histórico do Rio Grande do Sul, desde 1983, a Matriz São Domingos das Torres representa o marco inicial urbano de Torres. Primeira construída no trecho litorâneo entre Laguna (SC) e Osório (RS), a edificação agora faz parte de um livro recém-lançado pelo jornalista e historiador Nelson Adams Filho.
Desafiado pelo padre Leonir Alves, pároco de Torres, a descobrir a data inicial da celebração de São Domingos na cidade, Adams Filho, que é presidente do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico (Comphac) e mora no município litorâneo desde a década de 1980, mergulhou nos documentos disponíveis na diocese de Osório. Além de propor possíveis datas para o início do festejo, Adams fez uma descoberta: identificou a existência de um cemitério ao lado da igreja, em 1826, onde hoje existe uma propriedade particular. Neste mesmo ano, a capela de São Domingos foi curada, ou seja, recebeu o título oficial dado pela Igreja Católica a uma vila com determinada importância populacional e econômica. Na época, a região tinha cerca de 400 habitantes, segundo pesquisa de Adams Filho.
— A questão de festa, para a igreja, não quer dizer que tenha ocorrido um jantar ou almoço, festa é celebrar de alguma forma o santo. Em 1826, já tínhamos o padroeiro, São Domingos, um padre aqui e registros de batizados e de óbitos. Então, foi isso que usamos como base para a data inicial da celebração do santo em Torres. Mas a instituição como paróquia só foi reconhecida em 1837 — explica o pároco da igreja.
Adams Filho ressalta que apesar da data escolhida, isso não significa a ocorrência de 194 festas, mas de anos do santo como padroeiro. Durante a pesquisa, o jornalista e historiador acabou identificando entre os documentos estudados o livro de óbitos do cemitério da Capela, em Torres, existente entre 1826 e 1859, com pelo menos 258 corpos sepultados ao lado de onde hoje é a igreja matriz da cidade. O primeiro sepultamento registrado foi o de uma menina de seis anos, chamada Jexissíma.
— Quando o livro de óbitos chega ao ano de 1859, diz “continua no próximo livro”. Só que este livro não foi localizado. Ou seja, podem ter mais pessoas sepultadas neste local — revela Adams Filho.
O pesquisador acabou confirmando a partir de depoimentos de moradores que no final da década de 1970 havia sido iniciada a construção de uma casa no local. Quando os primeiros ossos começaram a surgir no terreno, a obra acabou paralisada. Hoje, parte dele segue sem qualquer construção e ainda é possível encontrar ossos na área. Adams Filho carrega com ele dois pedações de fêmur humano encontrados por ele no que seria o cemitério secular.
— Em função da igreja, a área é tombada e quem gerencia este entorno é o Comphac. Fizemos um relatório preliminar, produzido por um ortopedista de Torres, confirmando que são ossos humanos e de homens. Encaminhamos ao Ministério Público e aos órgãos competentes. Por enquanto, não é possível realizar construção sobre o terreno. Porém, para ampliar os estudos arqueológicos, precisaremos de pelo menos R$ 20 mil — comenta Adams Filho.
Por enquanto, o estudo avançado sobre o possível cemitério está em suspenso. Já a igreja segue atraindo fiéis e curiosos, mesmo em meio à pandemia. Erguida no alto do Morro do Farol, a partir de 1819, e inaugurada em outubro de 1824, a São Domingos acabou sendo destaque nos registros do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, quando o viajante passou pela região em 1820 e observou o início da construção, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae).
Obra de restauração
Feita em pedra e tijolos, a edificação representa a arquitetura colonial luso-brasileira com trato barroco, mas há inserções posteriores com diferentes linguagens arquitetônicas, de acordo com o Iphae. Devido ao desgaste do tempo e à queda de parte do teto, o prédio foi interditado pela Defesa Civil para uso e visitação em 2008. Dois anos depois, um projeto de restauração elaborado pelo arquiteto Edegar Bittencourt da Luz foi aprovado junto ao Pronac e, no ano seguinte, junto à LIC-RS. Para captar os recursos necessários, a paróquia buscou auxílio de grandes empresas do Estado, fez rifas e almoços, contando com a participação da comunidade local.
A obra, que custou R$ 2,6 milhões, levou seis anos para ser concluída e envolveu a criação de acessibilidade para cadeirantes, a substituição do piso e do teto, a renovação das instalações hidráulicas e elétricas e também restauração de imagens. Segundo o padre Leonir Alves, o restauro também manteve itens como as fontes de água benta, as colunas de madeira e, principalmente, a parede original atrás do altar, cujo reboco foi removido. A igreja de uma única torre foi devolvida à comunidade em 2017.
Padre Leonir revela ter a intenção de criar um museu numa das salas reformadas da igreja, onde reunirá as imagens sacras hoje guardadas em diferentes ambientes do prédio. Duas delas, um São Domingos e uma imagem do Divino Espírito Santo, ambos esculpidos em madeira, são consideradas as mais importantes.
Até a pandemia de covid-19, a igreja era a mais procurada na cidade para casamentos e batismos. No ano passado, o prédio ficou fechado por mais de seis meses. Quando as missas voltaram a ser realizadas, os fiéis precisaram se adaptar às sinalizações nos bancos de madeira indicando o distanciamento.
Na pesquisa de Adams Filho, constatou-se que a capela foi inaugurada em 24 de outubro de 1824, mas sem registros sobre a realização da festa comemorativa a São Domingos. A capela das Torres foi provida em 13 de março de 1826, ainda sem documentos sobre a celebração.
Apesar de o pároco ter considerado o ano de 1826 como inicial das comemorações de São Domingos, Adams Filho propõe outras quatro datas no livro História Torres – Aspectos – Volume IV, com base nos achados durante a pesquisa realizada entre 2017 e 2018. E até pede a colaboração dos leitores para confirmar a data exata.
DATAS MARCANTES
- 1815 – Construção da igreja é autorizada pelo bispo do Rio de Janeiro
- 1820 – Prisioneiros de guerra iniciam as obras,
- 1824 – Igreja é inaugurada em 25 de outubro
- 18 de abril de 1826 – Início do Livro de Óbitos do Cemitério da Capela
- 1827 – Primeiro batismo é realizado
- 1837 – Paróquia é criada e a igreja torna-se matriz
- 1983 – Construção é tombada como patrimônio histórico e cultural do Estado
- 2008 – Defesa Civil interdita a igreja após queda de parte do teto
- 2010 – Obras de restauração são iniciadas
- 2017 – Igreja é reinaugurada
- 2019 – Cemitério é descoberto ao lado da igreja