As primeiras pronúncias de Maya não foram papai ou mamãe.
— Ela imitou o porco e a galinha d’angola. Assim mesmo, filha — diz orgulhosa a mãe, Andressa Aquino, 26 anos, com os "órc" e "cocó" repetidos pela menina.
Criada desde os dois meses de idade em uma mini fazenda no balneário Jardim Atlântico, em Tramandaí, a bebê aprende com os pais o amor pelos animais. Prestes a completar dois anos, já sabe falar "papá" quando carrega uma espiga de milho para alimentar os frangos.
O pai de Maya relembra encantado do primeiro animal que teve, uma galinha com comportamento pouco usual para a espécie.
— Era igual a um cachorro. Eu parava e ela ficava do lado. Eu chamava "vem, filhinha" e ela obedecia. Com isso, fui me apegando mais aos animais — detalha.
Retirar a filha da Capital e viver em meio aos bichos foi um dos motivos que levaram o casal a deixar a Ilha da Pintada e criar o Santuário Filhos da Luz, no Litoral Norte. O espaço ocupa dois terrenos onde antigamente havia apenas dunas, quase no limite com o município de Cidreira. Um loteamento foi ampliado há cerca de três anos, e hoje há ruas com ligação pela RS-786, a Interpraias.
Parte de uma área da família foi agregada para resguardar porcos, bodes, ovelhas, coelhos, galinhas, perus, cães e gatos. No total, são 900 metros quadrados, divididos em pequenos lotes com tela e porteira para não misturar as raças.
Os mais de 200 "hóspedes" consomem R$ 6 mil em rações mensalmente. As despesas são pagas com doações ou através de rifas e de brechós.
— O nosso dia é todo em função deles — conta Anderson Gomes, 27 anos.
Na manhã deste sábado (30), uma tartaruga retirada da estrada nadava no lago com os marrecos. No gatil à frente, a harmonia entre felinos e pequenos cães da raça york shire surpreendia. Uma espécie de condomínio foi montada nas paredes, com um apartamento para cada gato.
Logan, Creisson, Baby Dark – os nomes divertem. Os donos do santuário afirmam lembrar de todos.
Os voluntários contam com ajuda de um médico veterinário, que oferece 50% de desconto nas consultas e aplicações. Muitos chegam ao local debilitados, e o passado por vezes assusta:
— A Filipa (cabra) estava muito fraca. O veterinário perguntou se ela tinha tido muitas crias, eu disse que era novinha e nunca tinha dado a luz. Ele concluiu que o antigo dono devia abusar sexualmente dela — relembra, aparentando estar incrédulo com o próprio relato.
Os cavalos Brutus e Meméia têm uma ampla baia separada. Também foram retirados de situações de maus tratos.
Para arrecadar fundos, uma festa com músicos que não cobraram cachê seria realizada no final do primeiro semestre de 2020, mas foi suspensa devido à pandemia.
O santuário foi fundado em 2019. O nome foi dado por Andressa, que sonhou com o local repleto de bichos resgatados. Acordou decidida a levar adiante o Filhos da Luz, junto à propriedade familiar – os avós e um irmão, além de amigos, contribuem nas tarefas.
O local passa por obras, tocadas exclusivamente por Anderson, que antes de abrir um comércio em Porto Alegre trabalhou como auxiliar de marceneiro.
Para melhorar as acomodações, o casal fez uma oferta a um vizinho. O terreno limítrofe ao santuário foi oferecido por R$ 30 mil, mas a proposta precisar ser concretizada em breve.
— Uma pessoa ofereceu o dobro, mas o dono quer vender para nós, pela nossa iniciativa. Só que temos que fechar logo — explica Andressa.
Uma campanha virtual foi criada neste site para alcançar o valor de compra do lote, e o excedente, caso alcançado, será usado no sustento do espaço.
No Instagram @santuariofilhosdaluz, fotos da propriedade e dos acolhidos são postadas pelo casal. Visitas também podem ser agendadas, pelo WhatsApp (51) 9-9564-6240.