Passado um ano da declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o que ocorreu em 11 de março de 2020, o Brasil tem mais de 270 mil mortos e 11 milhões de casos de covid-19, e vê os números continuarem a crescer – apesar de estarem desacelerando em algumas outras partes do mundo.
Nesse meio tempo, promessas de remédios contra o coronavírus falharam, outras seguem em testes, e certos medicamentos parecem mesmo úteis nos quadros mais graves de covid-19 quando o problema não é tanto o vírus em si, e sim os estragos inflamatórios provocados por ele.
— A principal evolução nesse período foi justamente entender que talvez o tratamento deva focar não no ataque direto ao coronavírus, mas no ajuste da resposta imunológica da pessoa, já que é o desequilíbrio nesse ponto que costuma levar aos casos mais graves — aponta o pneumologista Rodolfo Bacelar.
Médicos e cientistas coletaram uma enorme quantidade de evidências a respeito do coronavírus, como ele é transmitido e como podemos enfrentá-lo com mais eficácia. Com pesquisas já concluídas e em andamento, está sendo possível entender o que dá certo, o que não funciona e o que pode trazer esperança para a população mundial.
A seguir, veja alguns dos principais aprendizados em relação aos possíveis tratamentos para a covid-19 após um ano de pandemia:
O que se sabe sobre o spray nasal de Israel
Alçado ao posto de grande esperança contra o coronavírus, especialmente com a visita de uma comitiva do governo brasileiro a Israel, o spray nasal EXO-CD24 ainda está em fase inicial de testes como um possível medicamento contra a covid-19.
Um estudo preliminar realizado com 30 pacientes, em estado moderado a grave, mostrou que 29 se recuperaram de três a cinco dias após o uso inalável do fármaco. O 30º paciente também se recuperou, mas de forma mais lenta. Os resultados foram recebidos com entusiasmo.
Nadir Arber, pesquisador à frente do estudo, disse que é uma "grande descoberta". O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, falou em "droga milagrosa", mas admitiu que ainda são necessárias mais evidências. Embora promissores, esses resultados ainda são extremamente iniciais.
Para comprovar a eficácia do tratamento, é necessário incluir um grupo maior de pacientes e, em metade deles, administrar um placebo para comparar como a doença se desenvolve nos dois grupos. Vale lembrar que diversos medicamentos que pareciam promissores contra a doença na fase inicial de testes não tiveram sucesso quando chegou à derradeira fase 3, que compara sua eficácia com o placebo. Portanto, até que testes mais robustos tenham sido realizados, é preciso cautela.
USP pesquisa vacina em spray nasal
Também está em desenvolvimento no Brasil uma vacina em spray nasal. Conforme a Universidade de São Paulo (USP), a opção pelo desenvolvimento do produto se deve ao fato de que uma resposta local muito forte pode ser estimulada e, além disso, a vacina fortalece as defesas na mucosa nasal. Como demais vantagens, a produção é descomplicada e 100% nacional, além de a vacina ser extremamente adaptável às diferentes variantes do coronavírus e poder ser guardada até mesmo em temperatura ambiente.
"Nós estamos construindo, geneticamente, a composição final dessa vacina”, afirmou, ao Jornal da USP, Jorge Kalil Filho, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas, dentro da Faculdade de Medicina da USP.
A meta é que os testes em humanos comecem ainda este ano.
Anticorpos monoclonais para reduzir carga viral
A terapia de anticorpos monoclonais (ou mAb, na sigla em inglês), um tipo de tratamento que poderia ser adotado tanto para prevenir a infecção quanto para tratar o paciente, também foi alvo de estudos. Basicamente, são moléculas programadas para atuar em um ou outro processo bem específico do corpo.
Recentemente, duas foram notícias: o tocilizumabe e o sarilumabe. O Imperial College de Londres notou uma possível redução de mortalidade com elas, que foram originalmente criadas para tratar artrite reumatoide. Baseado em alguns estudos, o sistema de saúde do Reino Unido autorizou os remédios para pessoas internadas na UTI e precisando de alto fluxo de oxigênio.
A terapia de anticorpos monoclonais pode ser uma via promissora para o futuro
RODOLFO BACELAR
Pneumologista
Dezenas de anticorpos monoclonais já foram testados para covid-19 com resultados ora animadores, ora nem tanto.
— É um ponto que ainda precisa ser bastante discutido e investigado. Mas a terapia de anticorpos monoclonais pode ser uma via promissora para o futuro — explica o pneumologista Rodolfo Bacelar.
Em janeiro, o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, anunciou que o governo da Alemanha havia comprado uma nova droga contra o coronavírus à base de anticorpos. O tratamento com anticorpos visa beneficiar pacientes adultos com sintomas leves ou moderados e com risco de agravamento da doença.
"Eles funcionam como uma vacinação passiva. A administração desses anticorpos pode ajudar os pacientes de alto risco na fase inicial a prevenir um agravamento da doença", disse Spahn.
De acordo com o Ministério da Saúde da Alemanha, a administração da terapia será baseada em uma avaliação individual de risco e benefício realizada pelo médico responsável pelo tratamento.
Células-tronco são esperança para o futuro
Outro caminho sendo desbravado para tratar casos graves da doença é o uso de células-tronco extraídas do cordão umbilical. Elas se transformam em novas células e tecidos, e poderiam melhorar a resposta imunológica e a reparação de tecidos danificados pela covid-19.
Em uma pesquisa pequena, realizada com 24 pessoas no estágio mais crítico da doença, a terapia aumentou a sobrevivência e diminuiu o tempo de recuperação. Os resultados foram publicados no periódico Stem Cells Journals, mas ainda precisarão ser confirmados com estudos maiores e mais rigorosos.
Soros de animais para amenizar sintomas
Neste início de março, o Instituto Butantan pediu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o início de testes clínicos do soro anti-Sars-CoV-2. Ao contrário das vacinas, o composto desenvolvido pelo Butantan deve ser utilizado quando o paciente já está infectado pelo vírus, e não como medida preventiva.
Seu processo de fabricação é simples: primeiro, os cientistas injetam o coronavírus inativado em cavalos – ou seja, sem capacidade de causar a doença no animal. Depois de ser infectado com essa versão modificada do vírus, o cavalo começa a produzir anticorpos. E as proteínas de defesa geradas pelo animal são 50 vezes mais concentradas do que as produzidas por humanos. A partir daí, os cientistas extraem o plasma sanguíneo do equino e o purificam. Depois, o produto ainda precisa cumprir uma série de etapas para garantir o controle de qualidade.
Ao final, restam apenas anticorpos envasados. O soro, ao ser oferecido às pessoas doentes, age no organismo combatendo o vírus e evitando sua replicação. Por enquanto, o produto foi testado apenas em hamsters infectados. O resultado foi um sucesso, mostrando diminuição da carga viral, preservação das funções pulmonares e mudança da resposta inflamatória.
Conforme o Butantan, o soro pode ser especialmente importante para pacientes que estão com o sistema imune suprimido, como aqueles que receberam transplante de órgãos ou realizam tratamento para câncer e doenças autoimunes, por exemplo. Nesses casos, a imunidade passiva, como é chamado o efeito do soro, pode ser a única solução.
— Uma das perguntas que fazem é: se estamos vacinando a população, para que desenvolver um soro? Da mesma forma que vacinamos contra difteria e tétano, por exemplo, nós temos os soros para essas doenças. Sempre haverá alguém que, por alguma razão, não tem anticorpos contra o vírus: aquelas que não se vacinaram ou que realizam tratamentos que suprimem a capacidade do sistema imune de produzir anticorpos são alguns exemplos. Essas pessoas são as que mais se beneficiam do soro — conta Ricardo Palacios, diretor médico de pesquisa clínica do Instituto Butantan.
Com a liberação da Anvisa, o Butantan poderia iniciar os testes em humanos. Feito isso, primeiro os pesquisadores terão que aplicar o soro em um número restrito de pacientes, apenas para avaliar a segurança do composto e a quantidade ideal de doses a serem oferecidas. Apresentando resultados positivos nessa primeira fase, os pesquisadores poderão seguir para ensaios clínicos maiores, buscando avaliar a eficácia do soro contra a covid-19.
O Instituto Butantan não é o único a investir no soro anticovid-19. No ano passado, pesquisadores do Instituto Vital Brasil, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), anunciaram um tratamento parecido. O mesmo foi feito na Argentina, país em que o soro está sendo aplicado em humanos desde janeiro.
Colchicina: tóxica, mas potencialmente eficaz
Forte anti-inflamatório descoberto há mais de 150 anos, a colchicina teve eficácia comprovada contra diversas doenças, como gota, artrite inflamatória e pericardite. Devido à sua alta toxicidade, porém, só pode ser empregada em pequenas doses. Ainda assim, essa substância pode ser útil contra o coronavírus: em janeiro, um grande estudo clínico do Canadá indicou que a colchicina é eficaz no combate aos efeitos do vírus Sars-CoV-2, com risco reduzido de complicações.
Em comunicado, o Montreal Heart Institute (MHI), afirma tratar-se do "primeiro medicamento oral, em todo o mundo, que poderia ser utilizado para o tratamento de pacientes de covid-19 não hospitalizados". Os dados foram compilados no contexto do projeto Colcorona, iniciado em março de 2020 em Canadá, Estados Unidos, Europa, América do Sul e África do Sul.
Tratamento, por enquanto, só para casos graves
Hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina, remdesivir: é longa a lista de medicamentos de nome difícil que rapidamente foram incorporados ao vocabulário brasileiro por terem sido apontados como possíveis tratamentos para a covid-19. Até o momento, porém, nenhum deles teve eficácia comprovada.
No caso específico da cloroquina, diversos trabalhos já demonstraram sua ineficácia em tratar a infecção. Outros, como a hidroxicloroquina e o remdesivir, foram derrubados pelo maior estudo feito até agora com quatro medicamentos em 32 países, o Solidarity, da OMS.
Contudo, apesar do estudo da OMS, uma novidade foi anunciada na sexta-feira (12) no Brasil: a Anvisa autorizou o uso do remdesivir para o tratamento da covid-19.
O medicamento já vinha sendo estudado no país desde junho de 2020, quando a agência autorizou um estudo clínico em pacientes hospitalizados com pneumonia grave provocada pela infecção do novo coronavírus.
O medicamento já era utilizado nos Estados Unidos para tratar pacientes graves com covid-19. Por lá, a substância foi autorizada pelo FDA (órgão regulador do país) para essa finalidade desde o dia 1º de maio de 2020.
Quanto à ivermectina, a própria fabricante Merck afirmou, em comunicado divulgado no início de fevereiro, que o medicamento não possui "nenhuma evidência significativa" para proteger ou curar pessoas com coronavírus.
A dexametasona é a única droga que realmente mudou o quadro dos pacientes (graves), até agora
VIVIANE CORDEIRO VEIGA
Médica intensivista
O único remédio que comprovadamente reduziu a mortalidade em doentes mais graves é a dexametasona, testada no ensaio clínico Recovery, feito com mais de 11 mil pacientes. Os resultados apontaram que o medicamento pode evitar uma em cada oito mortes entre os pacientes acometidos de forma severa e salvar uma vida a cada 25 entre os que recebem oxigênio.
— A dexametasona é a única droga que realmente mudou o quadro dos pacientes até agora. Sobre todas as outras, ou não há evidências ou os resultados são controversos — descreve a médica intensivista Viviane Cordeiro Veiga, integrante da Coalizão Covid-19 Brasil.
Cabe destacar, porém, que não se trata de um remédio profilático – ou seja, que possa ser administrado como precaução para evitar a doença. Além disso, o medicamento depende de administração intravenosa e não tem efeitos para casos leves.
— Trata-se de uma doença que causa uma resposta inflamatória muito grande, então, seria muito importante descobrir um tratamento para casos leves e moderados — explica a médica sanitarista Ana Freitas Ribeiro, da vigilância epidemiológica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo.