O Réveillon de 2020 – que o prefeito deve curtir pelo segundo ano consecutivo na orla do Guaíba, em Porto Alegre, com a família – pode marcar um ano de inflexão do governo Nelson Marchezan. Depois de um primeiro ano de conflitos, de um segundo de recolhimento, de um terceiro com as primeiras vitórias na Câmara de Vereadores, a administração municipal quer fazer de 2020 um ano de entregas à população e de comunicação. Conta com elas para dissipar as marcas das brigas políticas do prefeito e o peso de ter salgado boa parte dos boletos de IPTU dos porto-alegrenses em um ano de eleições municipais.
Nesta semana, os primeiros tratores iniciaram os trabalhos no trecho 3 da Orla Moacyr Scliar. Se trata de uma das obras de visibilidade do Executivo que devem ganhar fôlego em 2020. Também no ano que vem, devem ser trocadas as primeiras lâmpadas via parceira público-privada (PPP), que promete em dois anos renovar toda a iluminação pública de cidade. O caixa do município poderá contar com até R$ 230 milhões em financiamentos para renovar o asfalto da cidade. Antes disso, em poucos dias, Porto Alegre deve dar adeus à encantada obra da trincheira da Ceará, que atravanca caminhos há quase sete anos.
Como reeleição ainda é palavra proibida no Paço, setores do governo atribuem o timing das entregas mais às dificuldades naturais do início do mandato do que à chegada do ano eleitoral.
– Não vejo uma estratégia. É porque esse tipo de coisa demora mesmo. Observe, por exemplo, a questão dos novos restaurantes populares. Da definição à assinatura de um contrato, se passaram cinco meses – conta a ex-secretária de Desenvolvimento Social e vereadora Nádia Gerhard (MDB), que voltou à Câmara na semana passada.
O secretário de Comunicação, Orestes de Andrade Jr., faz coro:
– O prefeito não preparou isso. Não foi algo pensado: "Ah, vamos lá. É criado um caos no início do governo, vamos guardar recurso, vamos atrasar salário para, no último ano de governo, de forma demagógica e eleitoreira, colocar o bloco na rua". Não foi isso. As soluções encontradas ao longo desse período é que foram difíceis e complexas.
Paralelamente, Marchezan foi ampliando sua exposição. Antes mais discreto, avesso a fotos e com gosto pelo trabalho de gabinete, começou a frequentar eventos públicos, a aceitar convites de entidades e a participar de inaugurações como a da revitalização de 12 praças nesse ano. A meta é consertar todas as 700 praças e parques do município. Em companhia dele, começou a aparecer a primeira-dama, Tainá Vidal.
– Sou filha de professora, então sempre ouvi falar mal de político (risos). Comecei a me engajar mais não foi porque ele me convidou, mas porque achei importante as pessoas conhecerem a pessoa que eu conheço, que vejo comprar pão, sorrir, brincar – conta Tainá, que passou a frequentar os eventos da prefeitura desde a campanha do agasalho, a convite de Nádia.
A interpretação de interlocutores do prefeito é que Marchezan passou muito do seu primeiro ano de mandato com a superexposição da campanha. A troca de farpas com vereadores em videoselfie e o meme do Despacito geraram desgaste e ficaram para trás por iniciativa dele mesmo, que optou por passar o segundo ano mais discreto. Nesse calendário, as eleições de 2018 tiveram grande valia. Primeiro porque tiraram o foco da prefeitura durante a "arrumação da casa". Segundo, porque a saída do MDB do Palácio Piratini deu margem para o ingresso do partido na prefeitura, e, com ele, a base para aprovar seus dois projetos-chave na Câmara: as mudanças no funcionalismo e a aprovação do novo IPTU, em abril passado.
Apenas depois disso, o prefeito ganhou as ruas. Parte porque precisa explicar as mudanças, parte porque elas dão segurança de que terá o que entregar. Para isso, terá pela primeira vez a ajuda de uma agência de publicidade desde o início do mandato.
Da relação com a Câmara, ficaram feridas não cicatrizadas. A maior delas, o rompimento com o PP do seu vice, Gustavo Paim:
– É uma ruptura que fiz tudo o que pude para que não ocorresse. Mas se serviu de alguma coisa, foi para unir um partido que estava inseguro sobre o apoio a esse governo desde a eleição passada. E o PP, com a tradição que tem, naturalmente vai ter um papel de protagonismo na eleição do ano que vem – declara Paim.
Entre ex-aliados de Marchezan, uma das leituras é de que o governo terá o que mostrar em 2020, mas que episódios de conflito se repetirão no caminho. Avaliam que o Executivo acerta nos princípios em que aposta, como a desestatização da administração municipal e na austeridade financeira, mas falha na operação. Um dos exemplos citados é a atual situação do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf), que terá de ser extinto por decisão do Supremo Tribunal Federal, provocando a demissão de 1,8 mil funcionários.
– Observa como o governo teria ganho tempo e teria tido menos desgaste se recorresse de uma vez da decisão (com os embargos de declaração) enquanto buscasse uma solução e a comunicasse à população e aos servidores. Embora ele estivesse correto, por pura teimosia sofreu desgaste de postos de saúde fechados e servidores protestando na rua – declara um ex-secretário.
O secretário de Comunicação tem outra visão:
– Se os projetos do prefeito enfrentaram tanta resistência, é porque mudanças importantes doem.